29 maio 2015

Contributos Para O Desassossego (1)

De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida
Bertolt Brecht 



Para ler um deles (contributos), talvez não seja necessário ler o anterior. Ou então, sim.
Na aventura que ora inicio de me candidatar a Deputado da República, entendo dever esclarecer-me, primeira e sábia ideia que me passaram. Mas também contribuir para que seja entendível o meu pensamento sobre matérias consideradas de interesse. Ou apenas, as que eu entender que mereçam alguma reflexão. E, por algum motivo, escolho o pensamento do Brecht.
Descubro algumas afinidades com tanta gente boa que, militando em partidos políticos, ou simplesmente actuando politicamente na sua zona de influência, suportam dúvidas e incertezas que por vezes acumulam em desassossegos mais ou menos permanentes. Estou com elas e eles, não faço mais que isso, apenas de quando em vez me atrevo a transportar para o papel reflexões, que entendo de alguma utilidade prática. Ou não, se quiserem.
Assim constato existir em alguns sectores do Partido Socialista (PS) a tese de um pretenso aventureirismo de certas esquerdas, reactivando uma ideia antiga sobre o facto de esses partidos ou movimentos à esquerda do PS, poderem ser inclusivamente “aliados” da Direita, quando o PS está no governo. Ou simplesmente, para sacar um putativo “voto útil” para evitar o regresso ou a manutenção da Direita no Poder. No contexto actual, a questão da Grécia e tudo o que com tem a ver com o País, é paradigmático. Foi bom, mas depois estragaram tudo, o seu aventureirismo (lá está o busílis…) é evidente e, mais tarde ou mais cedo, vão ceder. É curioso que, nesta asserção, a Direita diz exactamente o mesmo, ainda que por outras palavras. O PS tem essa interpretação, em parte porque acredita que é alternativa. Uma situação que se pode aceitar filosoficamente, mas que a realidade se encarrega de refutar. E, o que acontece, é que o PS continua com imensa dificuldade em passar a mensagem, pelo menos para o exterior, a provar tal, é mesmo que não “descola” nas sondagens. E porque acreditam serem alternativa? Bom, porque sempre assim foi, porque se não é a Direita, são eles, e vice-versa, até ao infinito. Para tal, contribui a indesmentível circunstância de juntos dominarem todo o aparelho de Estado, as Empresas públicas, os Bancos e as suas administrações, a Justiça, as famigeradas entidades reguladoras (que regula coisa nenhuma…), enfim tudo o que mexe.
O PS apresenta de facto propostas muito mais próximas da Direita do que julga (…). Os seus responsáveis não rejeitam o Tratado Orçamental, aliás até evitam falar disso e, quando o fazem, escudam-se na premissa, melhor dizendo na falácia, “…estamos na Europa, não podemos sair”. Não fala (não pode ou não quer?) na auditoria da dívida, como uma atitude de cidadania, para que não se confunda nunca, no contexto de uma sociedade de mercado contemporânea, a questão da dívida com o acto de “honrar um compromisso”. E porque, esse “pequeno” passo teria um enorme significado político, quando muito ao nível do que é (ou deveria ser) a participação cidadã qualificada e condições de exercício do direito à informação de todos os cidadãos e cidadãs.
O PS tem um estranho discurso sobre a austeridade. Não basta dizer que é contra, é preciso ser mesmo contra. E ser contra, significa tomar medidas para tal e não somente um acto proclamatório, Um caminho diferente da austeridade…”, como se pode ler no Programa Eleitoral. Pode ou não ler-se aqui uma outra ideia, que tem a ver com menos um pouco de austeridade, o castigo iníquo aplicado aos povos pelos desmandos do capital financeiro. Menos um pouco, parece ser afinal o desígnio…
E sobre a TSU? Muita tinta vem correndo sobre esta matéria, mais uma em que o PS navega em águas turvas,  “À medida que se concretizem e consolidem as fontes de financiamento alternativas admite-se uma redução da taxa contributiva para a Segurança Social a cargo das empresas”. Pode perguntar-se afinal, se promover a sustentabilidade da Segurança Social é diminuir as receitas. Mas tal tem a ver, uma vez mais, com a cedência no plano laboral aos patrões. E assim, o PS não é capaz de dizer claramente que tal passa por um aumento significativo do salário mínimo nacional e pela “promoção do emprego através da dinamização das actividades de investigação associadas à produção[1]. E já agora (porque não?) pela afectação à Segurança Social de uma taxa sobre as transacções na Bolsa de Valores.
Mas há mais a dizer sobre o PS. Os seus apoiantes estão convencidos que existe uma dinâmica de discussão alargada subjacente a apresentação da proposta do grupo de economistas e ao documento de programa eleitoral. Mais um engano, entre tantos. Vejamos as questões que o PS propõe e pede resposta num documento que se chama “Programa Participativo de Governo” [2]: (1)O que deve ser feito para incentivar o regresso de emigrantes a Portugal?” (2)O PS defende que sejam disponibilizados serviços públicos junto de cidadãos seniores (mais de 65 anos) no local onde estes os solicitarem, evitando a sua deslocação. Qual a área onde é mais urgente iniciar este serviço?”; (3) “No sentido de promover o acesso de todos os cidadãos aos bens e serviços culturais, bem como para fomentar o desenvolvimento académico e criativo dos mais jovens, em qual das opções, na sua opinião, os esforços se devem concentrar?”; (4) “Para fazer face a contactos de marketing indesejados, o que será melhor?”; (5) “Em que área governativa do Estado deve ser realizado um primeiro orçamento participativo, à semelhança do que acontece já em alguns municípios?”; (6) “O PS defende que o próximo Governo deve voltar a apostar no SIMPLEX e nas políticas de simplificação administrativa que o Governo de direita desprezou. Qual a área/setor onde deve ser dada a máxima prioridade?”; (7) “O PS defende a redução nos preços de alguns registos. Uma vez que é possível a redução de preços nos registos das pessoas e das empresas e até um dado valor limite, o que é preferível?”. Por mais importantes que sejam (e serão decerto) estas questões, parecem no contexto actual pouco ajustadas a uma realidade que afecta milhões de portugueses sem emprego e alguns no limiar da pobreza.

O PS não é, nem nunca foi, capaz de promover convergências à sua esquerda, pelo menos a nível de governo do País. Aliás até há dirigentes que afirmam que a Esquerda é o PS, depois existe a Direita, com a qual outros (e não são poucos) dirigentes gostariam de se coligar e depois há a extrema-esquerda, assim classificada para ser acantonada de esquina para o qual a imensa sabedoria do PS a remete. E, com esta atitude, dita “moderada” e “sensata”, o PS consegue o quê? Nas últimas sondagens, uns míseros 4 ou 5% a mais que a Direita que diz renegar e da qual se diz demarcar completamente. A procura da consensualidade, assenta no pântano da indefinição permanente em que sucessivas direcções navegam, é um triste legado da história recente da Esquerda portuguesa. Como o é, em Espanha, na França, na Itália, para citar apenas exemplos da Europa do sul. E como foi na Grécia, sabendo-se da confrangedora prestação do PASOK. Uma consensualidade protagonizada por uma elite politicamente empenhada em defender privilégios e influências que reflectem na maioria da comunicação social, o espelho de uma realidade a que a maioria dos portugueses é perfeitamente alheia, mas que paga (e bem) os seus desmandos.

Na situação de destruição activa e sistemática do País, levada a cabo pela Direita, o PS deveria, até em termos de lógica discursiva, estar todos os dias e a toda a hora, no combate frontal ao governo. Mas de facto não é isso que acontece. O PS continua a pensar (vã ilusão) que é um partido “responsável”, que se distingue da “esquerdalha” que só vê a Grécia como resposta. O PS é na verdade um partido responsável. Responsável, pela degradação da forma de fazer política no nosso País, ajudando a criar a tese do “bloco central”, onde coexiste amigável e colaborante com a Direita. Responsável pela marginalização da Esquerda, assumindo-se como a única alternativa à Direita, cometendo os mesmos erros que apontam quando está na oposição, pactuando com ela quando está no Poder, subjugando-se aos mesmo interesses. Responsável ainda, pela relativa indiferença de uma grande maioria, “não vale a pena, são todos iguais…”
O PS não assume a necessidade da ruptura. E só a ruptura pode induzir uma alternativa política justa e eficaz. Justa, porque atenta as desigualdades e a urgência da erradicação da pobreza, como é defendido nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[3], que sucedem aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (UN, 2000). Eficaz, na medida em que não cria (não pode criar) qualquer tipo de ilusões quanto ao caminho a seguir, a saber, o desenlace total e completo com as políticas que atentam contra os direitos das pessoas e dos Estados Soberanos. A luta que se impõe é precisamente contra a imposição do pensamento único, uma dominação intolerável, quer do ponto de vista intelectual quer do ponto de vista da justiça. Marx escreveria em 1846, “Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes …O pensamento daqueles a quem é recusado os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de ideias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as ideias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as ideias do seu domínio[4]. A actualidade deste pensamento é bem evidente, para quem esteja atento ao que se passa em Portugal e na Europa, no que respeita a dominação.
Mas o PS tem uma oportunidade única, a possibilidade de nos surpreender. De fazer uma inversão. E tal pode passar, por exemplo, pela afirmação de um alternativa clara à Direita. Ainda irá porventura a tempo de colocar no seu programa de governo, posições claras sobre uma auditoria cidadã à dívida e sobre a rejeição do tratado orçamental europeu. Faria, a bem dizer, a diferença. Em Portugal, mas também no espaço europeu. António Costa daria assim uma bofetada de luva branca nos barões do seu partido, comprometidos provavelmente com uma parte da divida privada acumulada e que oprime significativamente o nosso País. Contribuiria para o relançamento da esperança em milhões de portugueses que nele (ainda) apostam como alternativa. Subiria seguramente uns 8 a 10 pontos percentuais nas sondagens, descolando de vez desta Direita opressora.
Como (ainda) nos é permitido sonhar, fizemos aqui um exercício de análise possível. E como, do sonho à realidade vai um curto passo, o tal que “…comanda a vida”, é bem possível que consigamos cavalgar a onda de esperança que mora em cada um de nós. Porque entretanto, há uma Tabacaria[5] na esquina onde se lê “Não sou nada/à À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”…


[1] Proposta da minha candidatura: http://tempodeavancar.net/?page_id=8535       
[2] In: www.canalaberto.pt        
[4] In “A ideologia  Alemã” (1846), MARX, Karl & ENGELS, Friedrich, (1976: 55 e 56)
[5] Referência ao poema de Álvaro de Campos (1926), com o mesmo nome



03 maio 2015

O QUE MAIS IMPORTA

A glória em vida é algo problemático:
é aconselhável não se deixar deslumbrar por ela, muito menos estimular
Thomas Mann


Não estou aqui para vos entreter”, dizia esta semana aos jornalistas o senador independente do Vermont, Bernie Sanders, ao oficializar a sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos. Com tal afirmação, pretenderia de certa forma chamar a atenção para o facto de os jornalistas tratarem os políticos como estrelas do mundo do espectáculo. Sanders parece ser uma figura diferente no panorama mais que cinzento das eleições americanas, mesmo sabendo que essa diferença será sempre cilindrada em favor do gosto local pelo estilo precisamente espectacular contra o qual Sanders falava.
Para entreter alguns espíritos de fino recorte, no panorama nacional, sem com isto lhe querer atribuir mérito especial no que escreve, temos o senhor Vasco Pulido Valente (VPV). Há quem defenda que VPV tem a língua afiada das figuras da I República e que utiliza o argumentário conhecido por “pessimista” para mostrar realidades que existem na sua própria cabeça e para escorrer teses e cenários que acolhem algumas cabeças pensantes, daquelas que não querem e se calhar não podem fazer melhor. Com todo o respeito, considero que VPV não passa de um sujeito mal-educado, uma figura triste do conservadorismo lusitano que tanto procura glorificar, nas suas crónicas azedas e algumas vezes eivadas de uma confrangedora falta de nível. Arrevesado. Parecendo propositadamente intolerante para esquerda e direita, a sua prosa acaba sempre por condescender para o lado dos que detêm o poder que, como se sabe, são quase sempre os mesmos.
Nos últimos tempos, VPV tem destilado um ódio mesquinho sobre a candidatura de Sampaio da Nóvoa. VPV considera a candidatura de Nóvoa fruto de um “tacticismo perceptível”. Claro que quem “percebe” é ele, o centro de toda a discussão. Que, como evidente se torna, nunca se fará sem ele e a sua inspiração, que apetecia classificar de divina, não fora a coisa um pouco obscena. De tão obstinado na sua “perseguição” a Nóvoa, “o total vazio”, o “homem que ninguém conhece”, VPV nem equaciona a possibilidade de estar a promover o candidato que abjecta. Dirige-se ao “povo miserável”, assim mesmo, sem qualquer sombra de respeito, do alto da sua mais que ridícula sobranceria. A sua última obra, simbolicamente editada a 1 de Maio 2015, dá pelo nome de “Degradação”. Singular? De todo, apenas uma auto-afirmação de deslumbramento do que pensa que é e de como vê a “canalha” que o rodeia.
Claro que Nóvoa também não está aqui para nos entreter, aproximando-se assim de Sanders, ainda que sem qualquer desejo expresso. Mas não deixa de ser de ser, no mínimo curioso, que algumas das teses do americano, nomeadamente o combate às desigualdades e a interferência do poder económico na política, sejam seguramente preocupações de Nóvoa.
Para quê perder mais tempo com VPV? Bem mais interessantes parecem ser a figura e as propostas de Nóvoa. No plano prático, mas também no simbólico. A referência a “palavra” e às “palavras” indiciam uma linguagem avessa a confusões, eivada de evidente vontade de mudança. Na realidade, o País mergulhou na discurso eminentemente “consensual”, com pensamentos primários e atafulhados de coisa nenhuma, de que é exemplo evidente a sentença espúria, “é preciso colocar os interesses nacionais acima dos interesses partidários”. Homem de palavra, mas também homem da palavra, Nóvoa procura um estilo e parece reeditar Flaubert, quando este o classificava como algo, “…que está sob as palavras como dentro delas, sendo igualmente a alma e a carne de uma obra.”

Podemos porventura pensar que o tempo muda tudo. Parece bem mais importante fazer alguma coisa para mudar algo. A proposta de Nóvoa parece ir por aí, vale a pena apostar…

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