16 setembro 2018

A SUPREMA HIPOCRISIA



1. A propósito da posição do PCP sobre a decisão do Parlamento Europeu relativa à Hungria, disse-se e escreveu-se muita coisa e provavelmente ainda se irá dizer e escrever. É o que acontece normalmente em situações semelhantes, quando posições que são, podem ser, ou parecem ser demasiado controversas, ou mesmo contraditórias com uma retórica de Esquerda. 
Nada nos impele a defender as posições do PCP, nem sequer a justificá-las. Apenas nos limitamos a aceitar (ou não) e eventualmente a subscrever as que entendemos valerem a pena, num quadro de análise que nos afigure justo e politicamente sustentável.
O Parlamento Europeu (PE) votou, a 12 de Setembro, sanções à Hungria. Ao que consta, é a primeira vez na história do chamado projecto europeu, que foi aprovado um relatório que prevê a suspensão dos direitos de voto de um Estado-membro, por força do accionamento do Art. 7º dos Tratados da União Europeia [1], que determina perda de direitos de um país. O que aconteceu na votação do PE, foi uma aprovação maioritária, com 197 eurodeputados contra as sanções e com 48 abstenções. A Hungria é assim condenada por violação do estado de direito, em diversas matérias, como a liberdade de expressão, a lei da greve, a situação nas universidades, a protecção dos direitos das crianças e dos imigrantes, etc.... No texto [2], é referida, por várias vezes, a alegada “...ameaça sistemática aos valores da UE”. Que se sabe serem nomeadamente, o “...respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias...”
Apesar de manter uma aparência intimidatória, o certo é que esta resolução não dará coisa nenhuma, muito por força dos mecanismos “apertados” das regras impostas, que determinam, por exemplo, a unanimidade para aplicação das ditas sanções. Aliás, segundo fontes próximas da Comissão, "nada deve acontecer", uma vez que a implementação de sanções carece da aprovação, numa primeira fase (para tentar que a Hungria aplique "remédios") de quatro quintos (22) países, em sede do Conselho Europeu. 

2. Na realidade, a prática seguida pelas directivas européias, tem sido, desde os anos 90 do século passado, um arrepio completo aos tais “princípios”, “causas” e “valores” que são agora propalados, com um total e completo desaforo, esquecendo todos os horrores de políticas contra os direitos mais elementares das pessoas e contra a soberania das nações. Será possível algum dia esquecer a influência maléfica da troika, formada pelo Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia (CE), que destroçou a economia europeia, humilhou, “anexou” e destruiu a Grécia, ocupou o nosso País, perpetrou verdadeiros pactos de agressão para com Estado Membros da dita União? Como contribuiu a dita União para a prometida “coesão nacional”? Teria sido através de uma moeda única, feita à semelhança do marco alemão? Sim, o euro, esse mecanismo de opressão e de dominação, essa excrecência que, pouco a pouco, vai contribuindo para a pobreza e para a miséria e exclusão de milhões de pessoas, coisa impensável em pleno século XXI, para salvar bancos e operações ilícitas de economias de casino. E, se passarmos para a política dita de “defesa” e de “segurança” da UE, temos a imagem verdadeira das intenções do directório europeu, nessa organização belicista e imperialista, que dá pelo nome de NATO, que para além de  gastar impunemente o dinheiro dos contribuintes, em guerras e alianças guerreiras, invadiu e destruiu o Iraque, se ainda temos memória dessa monstruosidade. Sim, a dita União tem responsabilidades acrescidas na cena de guerras e agressões cometidas, sobretudo após a dissolução do Pacto de Varsóvia. E, se agora nos lembrarmos de políticas de imigração e de integração da UE, deparamos com a mais profunda hipocrisia e de incapacidade para resolver problemas, precisamente aqueles que deveriam ser resolvidos, uma vez que resultam (uma boa parte deles) das consequências de politicas erradas e desumanizantes.

3. Sim, a dita União não tem, nem a credibilidade, nem sequer autoridade, para impor sanções a ninguém, a não ser talvez a si própria. As constantes (im)posições, em termos de “conselhos”, “directivas”e “normas”, não passam da mesma face de delírio permanente de dominação. Nem sequer os milhares de milhões, que “chovem” sobre os Estados (vêm afinal de onde?) parecem disfarçar o verdadeiro objectivo: impor a lei do mais forte, contra os que mais não têm que a sua força de trabalho. Todavia e de quando em vez, aparecem “fenômenos” como Orban, que ficam mal na fotografia. E, apesar de este fascista convicto ter emergido graças às políticas dos centrões  social-democrata, democrata-cristão e liberal, o certo é que talvez tenha ido longe de mais. A contaminação fascista segue para a Itália, para a Polónia, para a Finlândia, para... E, o que resta, é um imenso pântano de fenómenos emergentes de descontentamento (pudera!) de uma mole imensa, que sem saber o que fazer, se agarra desesperadamente a lideres como aquele, constituindo aquilo que agora se chama, o(s) populismo(s). As posições de Orban (entre outros) podem eventualmente “estragar os consensos” sobre as políticas de agressão da UE. 

4. Por todas (e outras) razões, a posição do PCP, expressa em comunicado de 12 de Setembro 2018 [3], tem todo o sentido, enquanto denúncia da hipocrisia. Começando por dizer, “Denunciando e condenando firmemente os ataques à democracia, aos direitos sociais, aos direitos liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos na Hungria, os deputados do PCP no PE rejeitam que a pretexto desta situação – aliás, que espelha as políticas da própria UE –, a União Europeia tente abrir caminho ao incremento das suas ameaças, chantagens, imposições e sanções contra os Estados e os seus povos.”, refere ainda que é “...o crescente desrespeito da soberania nacional e dos direitos sociais, que está a abrir caminho ao avanço da extrema-direita e de forças fascizantes na Europa.” E termina, “Por esta razão fundamental, não reconhecemos à UE a autoridade nem a legitimidade para se arvorar em juiz ou sequer referência no que à democracia e aos direitos humanos diz respeito. A intervenção da “troika”, nomeadamente em Portugal, o cariz xenófobo e explorador das políticas migratórias da UE, o apoio dado a forças fascistas na Ucrânia, as agressões contra Estados soberanos – são testemunhos disso mesmo.” Não deixa contudo de denunciar os ataques à liberdade e à democracia naquele País e de manifestar “solidariedade com os comunistas e outros democratas que na Hungria resistem às políticas promovidas pelo Governo húngaro e pela UE.” Não ficaria contudo mal ao PCP, uma referência à luta internacionalista e ao seu contributo para a Paz no Mundo. Faltou apenas isso ao comunicado do Partido, para não deixar dúvidas, quando à questão das “ingerências”. Mas também, é justo que se diga, que o PCP foi o único partido em Portugal que classificou sempre (e bem!) como “pacto de agressão”, a intervenção da troika, no ano 2011.

5. Não está, nem deve estar porém em causa, a boa vontade e honestidade política dos parlamentares europeus que manifestaram e o seu repúdio pela obsessão protofascista   de Orban e seus acólitos (sim, dentro da própria União!) e porque entenderam sobretudo as razões de revolta perante o regime que vigora hoje na Hungria. Haverá decerto alguma ingenuidade, própria de mentes inconformadas. Poderá também haver, neste caso, como em tantos outros, alguma ligeireza de análise de certa Esquerda. Nada que não possa, de futuro, ser corrigido, com uma análise exaustiva e científica de situações do mesmo género.

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[1] In: http://publications.europa.eu/resource/cellar/9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_2
[2] In:http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+REPORT+A8-2018-0250+0+DOC+XML+V0//PT#title1
[3] In: http://www.pcp.pt/resolucao-sobre-situacao-na-hungria

 


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