17 setembro 2019

ESQUERDA: REFORMISTA OU REVOLUCIONÁRIA?

 
A aproximação do acto eleitoral de 6 de Outubro 2019, coloca questões novas, porventura não discutidas ou simplesmente ignoradas antes. Talvez porque a conjuntura político-partidária do nosso País induza a necessidade de abordagem e ainda de juntar a essa análise alguns elementos adicionais, que remontam à história das ideias e dos conceitos, que fazem parte do imaginário colectivo das pessoas e dos partidos que supostamente as representam.
Esquerda e Direita que já foram declaradas como mortas em tempos de “aproximação das ideologias”, ganham força e estatuto, no início do seculo XXI, determinam e são determinadas por conjunturas próprias e bem definidas, nos países desenvolvidos e naqueles que são considerados em desenvolvimento, em todos os continentes, ganhando naturalmente no chamado mundo ocidental, a relevância que lhe é reconhecida. Por factos concretos, avanços e recuos do processo de transformação das sociedades, têm lugar nos quadrantes políticos, nas mais diversas movimentações, tendo em vista um posicionamento determinado e que lhes confere a importância de representação de interesses sociais bem definidos.
 
Após as crises recentes do capitalismo, que determinaram o reforço do chamado ordoliberalismo, o mundo ficou porventura mais rico, em termos de contributos da Esquerda. Esta continua a fazer um caminho difícil, mas decisivo, em prol da defesa da emancipação dos trabalhadores e da definição de propostas políticas que visam a libertação e a autonomia das pessoas e dos Estados, face à dominação do capital e à exploração que subsiste, em pleno século XXI e que determina, em alguns casos, a condição sub-humana de populações inteiras, fome e miséria nos mais desfavorecidos, pobreza encapotada em situações conhecidas e, ao reverso, ricos cada vez mais ricos, salários de luxo e rendas distribuídas, maus negócios para o sector público, ao mesmo tempo que se ataca este, para prover a negócios privados de reconhecido significado.

A prevalência de um cenário pré-eleitoral induz a manifestação de posições. Pessoas e organizações vão produzindo opinião, as redes sociais são inundadas por declarações mais ou menos esclarecidas. Talvez um denominador comum a muitas delas seja a circunstância da produção de balanços e comparações, no que concerne ao País e à sua situação em concreto. Por um lado é reconhecido que recuperamos salários e pensões, que foi melhorada a “imagem externa do País”, que se avançou em sectores como os transportes e o passe social, a recuperação de algum terreno no campo da educação e formação e que, em alguns casos, a soma dos votos à esquerda na AR, foi capaz de aprovar algumas medidas concretas, em favor dos trabalhadores. Contudo, por outro lado, continuam a verificar-se profundas desigualdades e uma enorme fraqueza no que toca às posições, sempre conflituais entre trabalho e capital, com o Governo do PS sempre ao lado deste e em desfavor dos trabalhadores. Os constrangimentos causados pelo profundo seguidismo das políticas do europrupo, são exactamente as mesmas que no tempo do governo PSD/CDS, apenas a conjuntura mudou, o resto permanece exactamente na mesma. A perspectiva rentista do capital continua a nortear as políticas económicas e, no plano financeiro, nada mudou, é a mesma submissão à dominação, o mesmo enlace. Também, no que reporta ao plano internacional, a mesma subserviência às políticas de guerra da NATO e dos seus aliados. Sempre que foi necessário “afrontar”, mesmo que de mansinho, os poderes instituídos, o Partido Socialista mostrou a sua face pior, nada diversa da Direita tradicional: saúde, banca, dívida, uma primeira (quase) aceitação de posições da Esquerda e depois, no ajuste final, a capitulação face aos interesses económicos estabelecidos. As últimas declarações do PM são demasiado esclarecedoras, “...nada de aumentos que afectem a competitividade das empresas e a estabilidade macroeconómica em Portugal”, “...somos o partido do bom-senso”. Afinal, para provar o que é esperado, manutenção de uma “ordem social” perversa e sempre em favor do capital e da banca. 

O cenário pré-eleitoral e uma interpretação das famílias políticas
Faltam 20 dias para o acto eleitoral e a única dúvida, com diversas interpretações, parece ser se o Partido Socialista terá ou não a maioria absoluta. Tudo se parece resumir a isto e parece que não há mais nada para discutir, para debater, para analisar, para considerar. O debate político confina-se a saber se a maioria absoluta, que alguns dizem estar perto, outros nem por isso, é ou não solução para o País. Muito embora se conheça a experiência de uma maioria absoluta do PS e alguns “intérpretes” (incluindo o actual PM) continuem a ser Poder. Muito embora as declarações até agora produzidas sejam suficientemente claras quanto a intenções (...).
Levanta-se hoje uma questão que pode ser considerada nova, no panorama partidário português. Um partido (PAN), que até agora era marginal, é catapultado para um patamar “superior”, por se admitir que é capaz de ser importante para a definição de uma nova maioria parlamentar, por um lado insólita, por outro lado, realmente possível. E só isso, diz muito da verdadeira natureza do Partido Socialista, que parece ver na Esquerda um suposto empecilho, a acreditar na mensagem passada por um militante, que pode dizer aquilo que um dirigente (nomeadamente Costa) não pode.
Resumir o debate político à questão da governação, é redutor e banalizador. Contudo, é o que temos, no momento presente.

É possível um cenário diferente?
Mas há ainda uma questão nova. Porque parece configurar-se uma aproximação entre a ala esquerda do PS e o BE, que pode significar uma reconfiguração no cenário partidário, uma certa tendência de interpretação de uma “social-democracia de esquerda” que, a ser viável e organizacionalmente realizável, poderia ser um Sirysa português. E, por outro lado, poderia levar a uma outra aproximação, entre a ala centrista e direitista do PS e o sector reformista de Rio no PSD, um novo partido político de características “populares”, encostando o CDS à extrema-direita (ou a interpretação da mesma, à portuguesa)
A ser assim, um hipotético cenário idílico de famílias políticas próximas estaria no horizonte no futuro próximo. Quem duvidaria da eficácia de uma tal solução, que inclusivamente serviria para desenhar melhor os contornos do panorama partidário em Portugal e poder realizar ou melhor concretizar os ensaios de uma pequena burguesia conservadora, imobilista e com horror ao vazio?
E, a ser assim, poderia desenhar-se, num futuro próximo, o renascer de uma possível dualidade de poderes entre dois blocos, um “trabalhista-reformista” e o outro, popular de direita, ou seja, social-democrata de direita.
 E finalmente tudo voltaria a ser o que era dantes, dado que as reais considerações de base, assentes num “reformismo pragmático” sejam do real acordo de uns e de outros, afinal uma prática conhecida de alguns países da Europa dentro de uma União contrária às transformações e ao conflito social.

Explorando a noção de “conflito social”
Enquanto o sonho não se transforma em realidade, caso seja essa a orientação do futuro próximo, começa a adquirir algum sentido, uma real definição de uma linha orientadora que se pretende necessariamente conflitual e, eventualmente, desrespeitadora da ordem social estabelecida pela burguesia e pelo capital. É útil e urgente, equacionar tal perspectiva, naquilo que pode ser considerado um desvio necessário no campo da Esquerda.
Para lhe definir os contornos e para o revestir de uma verdadeira matriz política, há que definir, à Esquerda, um autêntico programa político. Esse programa é necessariamente a base de uma política, programática e ideológica. Que marca bem a diferença entre opções de Esquerda e opções de Direita.
E a base deste desse programa, deve ter em linha de conta a “desobediência institucionalizada”, para necessariamente chamar a atenção e para ser capaz de polarizar as franjas da pequena burguesia, eventuais apoiantes de uma linha política não-reformista.


A questão de fundo: uma Esquerda reformista ou revolucionária?
É, a nosso ver, a questão central e que determina, quer o programa, quer a acção prática, estratégia e táctica, de uma Esquerda que queira assumir-se como alternativa ao Poder, autónoma e sem concessões, com um programa próprio, que lhe proporcionará respaldo suficiente para estabelecer acordos e parcerias.
Que seja capaz de romper com a Europa, com os tratados europeus e com a moeda única, com a NATO, enfim com a ordem social que neste momento se apoia na dominação, na exploração e no medo. O traçado das linhas orientadoras das políticas deve ser cuidadosamente considerado como o primeiro fundamento conceptual.
Paralelamente, devem ser incluídas na análise, as bases fundamentais de contestação política, nomeadamente aos seguintes níveis:
·      nas questões sociais e de cidadania, onde se inserem, o trabalho e emprego, a educação e a formação, a participação comunitária, o desporto e o lazer e que implicam necessariamente a critica profunda aos baixos salários, à condição tipificada na concepção “trabalhar mais e cada vez mais tempo” e à designada “concertação social”.
·      nas questões ambientais, assentes na base da ecologia profunda, agindo sobretudo nas causas, mais que simplesmente nos efeitos e que ultrapasse o designado “ambientalismo”, na denúncia do sistema capitalista, como responsável primeiro pela degradação da Natureza e da Vida, e da denúncia de todos os agentes, que legitimam as opções pelo capitalismo ordoliberal, numa perspectiva de luta contra os efeitos maléficos das alterações climáticas: superprodução de bens, concentração da distribuição, sinónimos de um modelo de desenvolvimento baseado no crescimento infinito e a qualquer preço;
·      nas questões da cultura e do direito à sua fruição.
·      nas questões da saúde e da defesa efectiva do SNS.
·      nas questões de território, onde as políticas de direito ao espaço público, de habitação e de descentralização efectiva, ganham foros de importância acrescida. E onde cabe naturalmente, a definição de políticasde transportes e comunicações, para mais e melhor mobilidade dos portugueses e adequado transporte de mercadorias;
·      nas questões da energia, assentes nas premissas da eficiência, da soberania energéticae do aproveitamento dos recursos endógenos;
·      nas questões da Ciência, ligadas ao ensino superior e à investigação e pesquisa;
·      nas questões da deficiência e dos direitos das pessoas.
Uma solução deste tipo, longe de ser popular, longe de ser consensual, pode contar com adeptos seguros em partidos, organizações ou associações, conotados com a Esquerda, uma vez que só à Esquerda será possível resolver as questões da dominação, da exploração, da desigualdade e miséria.
A Esquerda deve encontrar o seu próprio caminho e deve ter ambição de tomar, de facto, o Poder, consolidando e dando corpo a uma democracia consentânea com um novo modelo de desenvolvimento, assente no equilíbrio entre as nações, na solidariedade internacionalista dos trabalhadores, na Paz e nos Direitos Humanos.

Poderá ser esta, uma proposta para uma autêntica campanha eleitoral?



09 setembro 2019

O PROGRAMA DO BE (BLOCO DE ESQUERDA): 

UM PEQUENO CONTRIBUTO DE INTERPRETAÇÃO

































Há porventura dois aspectos fundamentais nesta análise. 
O primeiro tem a ver com a circunstância de um partido situado à Esquerda partidária, apresentar o seu programa eleitoral, aberto à crítica e à discussão pública, com todas as vantagens que daí advêm para o sector político onde nos inserimos. Haver discussão política é um acto “heróico” de cidadania e até certo ponto, neste momento, uma manifestação de resistência.
O segundo aspecto é o conteúdo deste programa. E da sua possível interpretação factual e contextual. 
Na realidade, compete à Esquerda defender a transformação social. A posição de “pedir” mais ou menos, de “obrigar” a travar a investida capitalista, ou de reivindicar “melhor economia”, ou até de exigir mais e melhor saúde, educação ou direitos laborais, pode ser perfeitamente aceitável, do ponto de vista formal e que tem a ver com as naturais reivindicações de uma população supostamente mal-informada e que interpreta pela rama, o que se vai passando à sua volta. Para elas e eles, que constituem uma enorme massa humana, que se situa entre o trabalhador assalariado e a pequena burguesia urbana, e para a qual o mundo gira no pequeno ecrã, tipo SIC Notícias, TVI 24 e CMTV, é aparentemente fácil e de pouco trabalho, a interpretação de um mundo circunscrito e limitado. 
A outra posição, muito mais difícil de defender (e de praticar), implica uma outra visão do mundo. Exige esclarecimento, informação e formação política. E, quando algumas e alguns aí chegam, percebem que este quadro em que nos movemos, quer a nível nacional, quer a nível europeu, não dá qualquer saída a transformações, nem respostas seguras para a exploração a que nos sujeitam. Não esperem os trabalhadores, melhores condições e um trabalho digno, de um salário justo e uma habitação condigna, enquanto o nosso País estiver sujeito ao espartilho orçamental, da União Europeia e da moeda única. Não esperem, que não vale a pena, só mesmo o desengano e a ilusão contínua. 
Contudo, se dizemos que não é fácil, tal não significa que não seja possível.
E aí, no campo concreto das ideias, ou no imenso charco de políticas enganosas, é que a Esquerda tem o ingrato papel de desmistificar, de contrariar, de apresentar alternativas. 
Mas, acima de tudo sem admitir quaisquer espécies de concessões, que induzam a dúvida.
A Esquerda tem que ser clara e concisa e dizer o que não é costume dizer. De denunciar o que deve ser denunciado, a começar pela desmontagem do discurso mais perigoso que existe nos tempos modernos e dá origem (que já deu origem) ao aparecimento dos fenómenos de abandono e de recusa dos sistemas democráticos e da sua substituição por regime de excepção, quando não, perfeitamente totalitários, fascizantes, ou mesmo, fascistas. E aquele discurso a que reportamos é precisamente o das “novas ou terceiras vias”, de uma “social-democracia” corrupta e decadente e que alimenta de teses, como a da conciliação e da concertação.

A leitura do programa do BE, proporciona-nos, por exemplo, “Este programa assegura a continuidade do combate à austeridade, empenhando-se no combate às desigualdades numa economia para toda a gente, estabelecendo as condições para a revolução energética no combate às alterações climáticas, defendendo quem
vive do seu trabalho e da sua pensão.”[cf, pág. 6] Nem se entende o que é a “economia para toda a gente”, nem quais são as “condições para a revolução energética no combate às alterações climáticas”.
Por outro lado, também não se entende o que é “Democratizar a economia para vivermos sem medo...” [cf, pág. 6]. Primeiro, porque o modelo (económico) não é susceptível de ser democratizado, tem é que ser erradicado, precisamente para afastar o tal “medo”. Que existirá sempre, com este modelo, porque assim o determina a sua perspectiva de dominação. 
Não é portanto sustentável a “Outra ideia de Portugal”, baseada em “...uma democracia económica para toda a gente...”[cf, pág. 32], que vai reduzir a desigualdade. Será, pelo menos, a erradicação do modelo económico que suporta a economia de casino em voga na europa.
Também não é totalmente certo que “À medida que se desenvolve este programa económico, assente no aumento dos salários e pensões e do investimento, e com a criação de emprego que implica, será possível aumentar a poupança interna” [cf, pág.55]. Primeiro, porque não é verdade que “este modelo” seja assente no “aumento de salários e pensões”, apenas a conjuntura do apoio concreto da esquerda parlamentar o permitiu. Segundo, porque não é possível “aumentar a poupança interna”, com a política seguidista às regras do eurogrupo, antes pelo contrário.
Apenas para ficar com uns ligeiros apontamentos sobre contradições que encontramos no programa do BE, deixamos este, “A alternativa da esquerda parte do problema do fundo da nossa inserção na União Económica e Monetária. A única estratégia sustentável é uma política que investe nos setores determinantes para a nossa dependência externa, retendo os as trabalhadoras e trabalhadores qualificados que estão a abandonar o país.” [cf, pág 122]. De facto, o problema de fundo da dita União, é a subjugação à dívida e ao euro, para favorecer a Alemanha, essa a realidade a que não se pode fugir. Não existe qualquer hipótese de “democratizar” esta situação de dependência. E, como consequência, a única saída possível é o abandono da coligação europeia de dominação, que conforme se diz (e bem) logo a seguir implicam “..o atraso económico e o ciclo da dependência.”.

O programa do BE contém inúmeras e valiosíssimos contributos para medidas concretas. Que contudo, têm pouco a ver com os princípios conceptuais do mesmo. Que tal possa contribuir para a maioria absoluta do PS, até é capaz de resultar, muito embora tal não signifique um conceito em si mesmo, mas apenas uma estratégia.

A Esquerda tem ir mais além. Muito mais além!

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