03 agosto 2009

ZECA AFONSO


Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palmaafaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormesnos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deveslança o teu desafio
"Utopia”, Zeca Afonso, 1983

Farias hoje 80 anos. Uma vida plena de solidariedade, de sacrifício, de luta pela Liberdade que ajudaste a construir. A tua luta, a nossa luta contra o fascismo, contra as injustiças, contra a censura que amordaçou Portugal. Tu foste e ainda serás o mestre, o companheiro, o camarada, o que desafiava os “ vampiros que não deixam nada”, o medo, as arbitrariedades, o obscurantismo de um regime persecutório, prepotente e castrador de consciências. Tu lançaste a semente, desde Coimbra, onde muito jovem tive o privilégio de te ouvir em caves esconsas, de norte a sul, do Alentejo de Catarina, que os esbirros da PIDE assassinaram, tu a cantaste denunciando a cobardia da ditadura, dos grandes latifundiários, da opressão generalizada, com as tuas canções. Trouxeste o saber africano de um Moçambique que simbolizava a cor e o fascínio de África, os ritmos e os sabores dos povos oprimidos das colónias. Desse Maio maduro “quem te pintou, quem te quebrou o encanto, nunca te amou” e desse Abril que tardava sempre a chegar, mas que floresceu nesse 74 já tão distante, mas tão perto de ti, de nós. Estarás sempre presente Zeca “...nos degraus de Laura / no quarto das danças”, nas fronteiras da Meia Praia, onde cantavas bem alto “… Quem aqui vier morar / não traga mesa nem cama / com sete palmos de terra / se constrói uma cabana” e brindavas os índios de quem “nada apaga a nobreza”, denunciando sempre “… quem se aproveita de nós / tu trabalhas todo o ano / na lota deixam-te mudo /chupam-te até ao tutano / chupam-te o couro cab'ludo”. Nos “cantares do andarilho”, que sempre foste, reunindo amigos, trazendo sempre mais um também, para a luta, pela luta. E não deixavas de avisar, “…Vejam bem / que não há só gaivotas em terra / quando um homem se põe a pensar”, e de acusar, “ Na Rua António Maria / da primaz instituição / vive a maior confraria / desta válida nação”. A tua suave e serena presença, nos poemas mais belos, com “Trovas e cantigas muito belas / Afina a garganta meu cantor / Quando a luz se apaga nas janelas / Perde a estrela d'alva o seu fulgor”, no retrato com ironia: “A cidade tem praças de palavras abertas / como estátuas mandadas apear / A cidade tem ruas de palavras desertas / como jardins mandados arrancar”. O País deve-te tudo, voz da cidadania, da sabedoria popular, o rosto da Utopia, que nos orgulhamos de partilhar…


2 Agosto 2009
Alf
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Referências:
“Os Vampiros”, 1963
“Cantares de Andarilho”, 1968
“Canção de embalar”, 1968
“Vejam bem…”, 1968
“A Cidade", 1969
“Traz outro amigo também”, 1970
“Maio, Maduro Maio”, 1971
“Era um redondo vocábulo”, 1973

“Venham mais cinco”, 1973
“Os Índios da Meia-Praia”, 1976

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