16 novembro 2012
DESASSOSSEGO SIM E A QUEM O
APOIAR!
essa coisa é o que somos”
“Ensaio Sobre A Cegueira”, José Saramago,
1995
Desassossego. Hoje é
decretado o dia do Desassossego.
Disseste, ao receber o Nobel em
1998, citando o avô analfabeto, “O homem mais sábio que
conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever", lembrando
talvez sabedoria e conhecimento, mesclados com alguma angústia. Do saber e do
provir, que ficará?
“Conquistei,
palmo a pequeno palmo, o terreno interior que nascera meu. Reclamei, espaço a
pequeno espaço, o pântano em que me quedara nulo. Pari meu ser infinito, mas
tirei-me a ferros de mim mesmo.” [1]
Basta uma palavra, um
arremesso súbito de esperança, para sair de um pântano que não escolhemos,
embora sejamos a reclamar um pequeno espaço. Apenas um pequeno espaço. Porque
sabemos que ele pode ser infinito, pela forma como o soubermos utilizar. De
perto ou de longe virá sempre quem nos avise de alguma impossibilidade, algum equívoco,
alguma perturbação que, no entender de alguém, nos impede de sermos nós, da
forma como tal é universalmente aceite. Há quem lhe chame direitos, coisa
vilipendiada à socapa, de forma literal e elegantemente designada de restrição
temporária.
Há quem esteja atento
e fale em insubmissão. Tu próprio foste um insubmisso. E lutaste e denunciaste,
foste de certa forma colocado naquele limbo onde se situa o grau zero da inteligência,
circunscrito a poderes que, de pequenos se podem tornar influentes, quando a
casta que domina é do tipo amestrada. Não pode haver comiseração possível para
com esses, que ora estão em cima de nós, quais abutres, feras fastientas,
canídeos sem raça, todavia hienas sequiosas. Pena não estares aqui, que os
classificarias melhor que ninguém.
“O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo
com nós próprios…” [2], oh
semente que se pega, vai levar algumas inteligências a descrerem de forma
sistemática e a interrogarem-se sobre o que andam por cá a fazer. Porém, duvido
sempre que lá consigam chegar, é tão longe para o limitado universo em que se
movem. Enfim…
Basta um gesto, uma estranha
forma de olhar, para entrar na ilha que constantemente nos oprime, mas sempre
nos atrai. O Homem diz entretanto que, “Saber
interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de
sabedoria e prudência” [3]. Será
que lá chegamos e concretizamos algo entre nós próprios e as tais coisas de que
ele fala? Estaremos atentos, ensina alguém: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”[4].
E contudo, se desassossega.
[1]“Livro do Desassossego”,
Bernardo Soares / Fernando Pessoa, 1927/1934
[2] Idem,ibidem
[3] Idem
[4] Do Livro dos Conselhos, citado José Saramago, em “Ensaio Sobre A Cegueira”, 1995 , ibidem
[3] Idem
[4] Do Livro dos Conselhos, citado José Saramago, em “Ensaio Sobre A Cegueira”, 1995
08 novembro 2012
Hoje encontrei um Amigo…
“A vida é a arte do encontro,
embora haja tanto desencontro pela vida…”
“Samba da Bênção”, 1965, Vinícius de Moraes e Baden Powell
http://www.youtube.com/watch?v=wNRH7_Kd5Yc
De
volta em volta, a vida nos reserva uma surpresa.
Como
dizia o Sérgio, Porque hoje encontrei um
amigo / e coisa mais preciosa no mundo não há, acabamos por nos encontrar
num sítio improvável, ou talvez não. Quase o não reconhecia, de fato e gravata,
coisas que há muito abandonamos, por opção metodológica. Momento que registo
agora, com indescritível satisfação, não há já forma de atrás voltar, falo dos
loucos anos 80, onde tudo nos era permitido, também por mera opção
metodológica. Era o tempo da partilha, para nós, quiçá uma juventude
readquirida aos 30 anos, era assim mesmo, na altura. E fica desse tempo uma
memória bem viva: as festas em tua casa, uma forma de vida, uma referência,
bastava falar a uma ou a outro e lá estamos às sextas ou aos Sábados, com a
alegria incontida de um tempo onde só contava o dia de hoje, ou provavelmente o
amanhã seguinte. E cantávamos, ao som da tua viola, que sempre dizias
desafinada, mas que servia de mote aquilo que queríamos saltar cá para fora,
com muita alegria, sentados no chão, ou lá onde calhasse, que o que interessava
era estarmos juntos e darmos umas valentes gargalhadas. E por isso, me lembro
desta música inócua, mas cheia de humor, temperado com uma espécie de coboiada
maluca e que conta a história do Rocky e da sua Nancy, com um malandro pelo
meio que acaba por lhe dar um tiro… Uma estória negra, do álbum mais branco de
todos os tempos, assim se chamava, e com as suas músicas nos divertíamos, em
longas noites, em que se partilhava tudo, bem, quase tudo…
Estaríamos então (ainda) à
procura de um qualquer tempo perdido, sabe-se lá porquê, entretanto estávamos
conscientes que Happiness is a warm, yes
it is...(1). E, um pouco á semelhança do Vinicius, se calhar era, e é, mesmo preciso encontrar
as coisas certas na vida, para que elas tenham o sentido que se deseja.
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(1) Referência ao poema “Happiness Is A Warm Gun”, White Album, The Beatles, 1968