30 dezembro 2013
2013: um ano para esquecer, ou para lembrar?
Apenas uns dias para o final de
mais um ano, a confiança quebrada será talvez o sinal mais visível de uma
sociedade fustigada pela crise do capital. Aparentemente indiferente, que
parece ser um outro sinal, embora com o timbre do protesto e da revolta. Ambos
sinais de um tempo ausente, a espera de dias decisivos, quiçá presos por fios
ténues, a quebrar quando menos se espera. Acorda-se para mais um dia, com a
notícia de mais uma medida, mais um escândalo. Não se sabe bem quando tudo isto
acabará, ou se acabará mesmo, pelo caminho que foi e é traçado conjuntamente a nível
europeu e nacional, naquela que é a mais indecente experimentação de um modelo
ensaiado entre um governo traidor e uma comissão europeia cúmplice do capital
financeiro.
A realidade
Em 3 anos o PIB português recuou
3 mil milhões de euros, a dívida aumentou, os juros não baixaram mantendo-se na
casa dos 6%, a taxa de desemprego aumentou, são encerradas em média 52 empresas
por dia. Os números do desemprego ostentam a mais indigna situação do País,
desde o 25 de Abril. O desemprego global, que em 2000 era de 4%, atinge os 17% em
Setembro deste ano, a terceira taxa mais elevada da União Europeia. O desemprego
jovem está nos 37%, também a terceira taxa maior da OCDE. Só o sector bancário,
por exemplo, destruiu mais de 14 mil empregos, sendo o BCP o maior
desempregador, com quase 80% daquele valor.
As desigualdades atingem o seu nível
máximo a nível europeu. A troika é uma extensão do governo e este uma extensão
daquela. A realidade mostra um País inteiro contra o governo, contra esta pretensa
“maioria”, que só o é, em termos relativos, porque detém maior número de
deputados na AR. Uma realidade de miséria social, de empobrecimento sucessivo
de franjas da população, uma incapacidade de criar emprego, porque encerram
empresas em vez de abrirem.
Uma justiça para ricos e
influentes. “Na pirâmide da corrupção,
temos no topo a corrupção do Estado”, acusou Maria José Morgado,
responsável pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, ainda em
2012. Esta e outras acusações directas deveriam envergonhar o próprio governo,
a quem compete a chefia do Estado. Ao contrário, é o mesmo governo que
incentiva a corrupção, com os casos que são conhecidos, de “parceria grandes-empresas
e Estado”, compadrios, apadrinhamento, ou simplesmente “pequenos” favores, como
este: 20 administradores das maiores empresas portuguesas que têm mil cargos de
administração, cada um deles com uma média de 50 empregos; curiosamente um
deles tem 62 empregos; o ordenado mais alto, pago a uma destas pessoas, é de 2
milhões e meio de euros. E que dizer, quando a justiça se vira
completamente do avesso, ao permitir que criminosos de delito comum, como os gestores
e administradores do BPN, virem vítimas e sejam reembolsados pelo Estado, ou
seja, por todos nós?
O vergonhoso recente acordo do PS
com o governo, relativo ao IRC, serve unicamente os interesses das grandes empresas.
E mostra, sobretudo a quem ainda espera algo daquele partido, ou pelo menos da sua
direcção, de que forma é vista a cooperação com os situacionistas.
A ficção
Apesar de a realidade contrariar
tudo o que dizem e fazem, os governantes actuais continuam a gerir uma saga, em
tudo semelhante a um filme de terceira categoria. Procuram, todos os dias,
mostrar um País que só existe no universo limitado delas e deles, alimentando a
ideia que os sacrifícios a que obrigam, terão valido a pena, porque a economia
está a crescer e o emprego está a aumentar. Chegando ao ponto de, nos últimos dias,
o próprio PM ter inventado 120 mil empregos….
Este estado ficcional é
alimentado, e bem, por uma comunicação social situacionista, em que pululam os
comentadores da treta que todos os dias e a todas as horas vomitam a
inevitabilidade da austeridade. Catrogas, Carreiras, Bessas, até o inenarrável César
das Neves (…), ocupam literalmente todos os canais da rádio e televisão. Uma inqualificável
e inaceitável unanimidade, só entendível por sabermos quem (lhes) paga para
tal.
Para complementar o cenário,
existem empresas de sondagens que descaradamente orientam a opinião pública,
publicando pretensos estudos, cirurgicamente colocados em momentos chave, “ditando”
já os próximos resultados eleitorais. Uma grosseira manipulação do eleitorado,
que infelizmente “segue” aquilo que lhe é “vendido” pelas mesmas empresas onde
estão os mesmos personagens, os mesmos interesses, as mesmas cumplicidades.
Acossados por todo o lado, os
governantes circulam num limitado número de metros quadrados, nos gabinetes da
capital, devidamente apoiados pelo pensionista de Belém, uma imagem de tristeza
e mediocridade como não há memória, desde Abril de 74.
O que nos espera em 2014
O verdadeiro rosto da democracia
é este: uma jornalista da TVI que denuncia, num programa televisivo, a situação
de privilégio do ensino privado e as benesses que ora tem e o estado de ataque
à escola pública, por parte do governo e do ministro Crato, é despedida da
estação…
Não há uma única réstia de
esperança. Nada se deve esperar para o próximo ano, a não ser a certeza de que
é preciso lutar, por todos meios, contra o estado a que nos conduziram. Não será
decerto esta quadra, tipicamente de moderação de palavras e actos, que nos
levará a “perdoar”. Muito menos, a esquecer, parafraseando o Homem do século [1]. O
dever de cidadania é de denunciar a situação, atacar o mal pela raiz. Porque, “…
entre um governo que faz o mal e povo que
o consente, há uma certa cumplicidade vergonhosa”[2].
Saber actuar, não apenas reagir,
poderá ser um voto realista. Pena é que alguns daqueles que deveriam, nesta
altura, estar na linha da frente pela unificação de uma esquerda que contrarie
a situação, se contentem a contar mais uns votos. Não basta a coerência, é preciso
de facto uma acção concertada pela dignidade, pela democracia e pelo
desenvolvimento. E que, naturalmente, dê força e sentido prático à resistência
e ao protesto.
Não vivemos já numa Democracia. A
consciência desta realidade será porventura meio caminho andado para a acção. O
espaço designado de união europeia não é já um espaço democrático e não haverá
dentro dele qualquer hipótese de movimento alternativo, capaz de construir
cenários de regressão da situação presente. Resta encontrar uma alternativa
fora desse espaço, esta uma leitura que se apresenta como possibilidade para o
novo ano 2014.
A desobediência civil e outras
iniciativas semelhantes devem estar na ordem do dia. A indiferença só serve os
interesses da casta privilegiada que está no poder e que se move na esfera
dele.
Os votos para 2014 decidem se de facto se este ano é para esquecer,
ou para lembrar…