30 dezembro 2014
DANÇA 2014!

Os homens é que merecem …
Apenas se os deuses querem
Ser homens, nós os cantemos.
E à soga do mesmo carro,
Com os aguilhões que nos ferem,
Nós também lhes demonstremos
Que são mortais e de barro.”
“Cântico de Humanidade”, Miguel Torga, in 'Nihil Sibi', 1948
“Há quem tenha medo que o País pense”, uma frase que marca o ano que encerra. Quando os bolseiros do
Ensino Superior em Portugal vieram para a rua mostrar a sua indignação perante
as politicas aviltantes do Ministério da Educação, face a intenção declarada e
assumida de eliminar 50% das unidades de investigação. Se isto não diz tudo
sobre a governação do País, aí está, mesmo no final do ano, o anunciado corte
de 100 milhões de euros na área social. Um ano (mais um…) de miséria completa,
não só literalmente para a maior parte da população, mas também no domínio do
simbólico, por representar a falência completa de uma política fundamentalista,
dirigida contra os trabalhadores e destinada a transferir destes para o capital,
mais rendas, mais proveitos e benefícios. Acordar todos os dias, durante um ano
inteiro, com dois tipos de pesadelo, o de ir conhecendo mais cortes e menos
direitos, por um lado e, por outro lado, a desdita de ouvir o primeiro-ministro
nos órgãos de comunicação social a falar todos os dias, pronunciando-se sobre
tudo e mais alguma coisa, no que constitui a mais escandalosa infâmia dos últimos
tempos. Os mesmos tempos onde alguém se dá ao luxo de escrever “O poder negocial dos trabalhadores
portugueses é demasiado elevado e prejudica os lucros das empresa…”,
aconteceu no mês de Dezembro, num estudo de dois economistas do Banco Central
Europeu (BCE), intitulado "Concorrência
na economia portuguesa: estimativas para as margens de preço-custo em mercados
de trabalho imperfeitos". Aqui está uma redundante afirmação que, a
acreditar em quem a produz, classifica como “imperfeitos” os mercados de trabalho,
muito embora a dita “imperfeição” não lhes seja (mesmo assim) favorável,
entendendo-se então que a “perfeição” a atingir signifique no limite, “…a desregulamentação na formação de salários
e a contratação colectiva, uma maneira de introduzir mais concorrência entre
trabalhadores, em benefício do valor acrescentado das empresas.”, assim
mesmo, sem tirar nem pôr.
Apesar de tudo, parece que o País realmente pensa. Não age, mas pensa. E pensa
sobretudo no que futuro dos seus filhos e na forma como resolver a questão da
crescente diminuição de rendimentos e na progressiva perda de direitos e de
soberania. E pensa também, supõe-se, na tremenda injustiça da própria e, assim designada,
Justiça. Embora rejubilante, em face da detenção de um ex-PM, tal não dá para
que esconda a mais impudorada indecência em que pululam casos extremos e
descarados de corrupção e de abuso, aos quais a resposta dada é protelamento,
para posterior arquivamento; bem vistas as coisas, o que o País precisava
mesmo, nesta altura, era do espectáculo deprimente de um batalhão de
jornalistas a porta de uma prisão, enquanto o governo vai promovendo a política
de terra queimada, aumentando a dívida externa, vendendo tudo o que mexe a
preço de saldo, desacreditando as instituições públicas na Educação, na Saúde e
na Segurança Social, promulgando sucessivamente a destruição do País,
Esta “A imagem de um País que mata
devagar, por cansaço. Não a imagem de uma ditadura cruel e sanguinária, mas de
uma ditadura oculta, em que, quem tem fome tem pudor em falar nisso e, no fim,
nem se sabe se sucumbe a falta de alimento, ou ao silêncio a que se auto-impõe”,
assustadora imagem de um Autor desconhecido(a) que, aproveita o
final de 2014 para expressar publicamente a sua tristeza e revolta por o estado
a que isto chegou.
Brindemos qualquer coisa tão simples com a dança. Um Amigo enviou-me a
alegoria “Viver é aprender a dançar/com
as dificuldades de todos os dias!/Boa Dança para 2015!”. De facto, um gesto
higiénico e ao alcance de todos, mesmo daquelas e daqueles que nada têm a
esperar da canalha que está aos destinos de um País que merece bem mais e
melhor.
Dancemos pois!
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(a) Vasco Gato, “Fera Oculta”, Novembro
2014, Douda Correia Editora