27 fevereiro 2015


O ano da Cabra, o Raio que o Parta…

 

O tempo das verdades plurais acabou.
Agora vivemos no tempo da mentira universal.
Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias.”
 José Saramago

Tabu, Lisboa, nº 84, Abril 2008
In José Saramago nas Suas Palavras


No ano chinês é a Cabra que manda. Aqui há uns anos atrás havia um Zé com o nome do bicho[1], lançado e apoiado por alguns free-lancers. Dizia ele que “…deixava tudo por ela”, num estertor de desritmo, a que alguns achavam piada. Mal sabiam que haveria de chegar uma altura em que se deixa tudo, por alguém ou por alguma coisa. Não dá para perceber a lógica de quem se quer estar contra e, num momento de fraqueza acaba por confessar, ainda que com elevado sentido de Estado, a favor. Dando até de barato que o termo “diferente” pode ser entendido para os dois lados, cujos parecem agora convergir para gáudio dos que acham que está tudo bem. “Chinesices”, diz o homem que ora bate com a porta, mesmo que a dita pareça estar trancada pelos cornos do bicho. Vêm então de tão longe os cidadãos que prestaram um serviço inefável a um país comprando, ainda que o preço de saldo, as principais empresas estratégicas, que ora irão florescer com uma bandeira vermelha, a qual ainda, bem desfraldada, causa algum arrepio.  

Vêm eles assim jantar num casino, onde um senhor lhes diz que o País está numa situação “…bastante diferente daquela em que estava há quatro anos”. O PM deste País que é nosso? O PR, prestimoso distraído que ainda se passeia nos jardins de Belém? Nada disso, apenas o putativo “líder da oposição” a ambos. Por isso Barroso, sem qualquer cerimónia, o manda “…para o raio que o parta, mais a canalha de direita que tomou conta do PS”. Se não fosse mesmo verdade, dava para pensar que se poderia estar perante um qualquer mal-entendido, desses em que o designado “arco do poder” é fértil e onde tudo e seu contrário acontecem, consoante vira o vento e muda a sorte. Ouvimos e portanto acreditamos que é possível a coexistência, declarada antes impossível, mas sempre possível neste universo da Cabra, que ora reina, para bendita ou desdita ventura. Todo é possível. E o seu contrário também. Esclarecidos estamos, oh brandos costumes que ditam a moderação de que tanto gostam.

Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões…”, sentenciou Costa, aludindo a uma asserção popular. Continuando o seu raciocínio veio depois a proferir a tal chinesice que motiva crónicas como esta. Poderá a espuma dos dias varrer a sentença, para que tudo volta à calmaria de que aquela minoria que ocupa uns míseros metros quadrados entre o Terreiro do Paço e Belém gosta?  Ao proferir palavras de consideração e reconhecimento, Costa poderia estar a pensar “…Só amando os homens, as acções, a banalidade dos trabalhos/Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver...”[2]. A(s) resposta(s) estará(ão) eventualmente na Passagem Das Horas, dos dias, dos meses que ainda faltam para se submeter ao exame final, que em Setembro notará o melhor para “governar”. E se o Álvaro de Campos simpatizava “…com alguns homens pelas suas qualidades de carácter[3] e com outros “…pela sua falta dessas qualidades[4], Costa parece simpatizar com todos ao mesmo tempo, arrumando de vez as contradições antagónicas da retórica conhecida.

Difícil se calcula a resposta a quem o manda ao “…raio que o parta”. Barroso estaria provavelmente a pensar em Orwell, quando afirmava “Num tempo de engano universal, dizer a verdade é um acto revolucionário”. Nem toda a diplomacia do mundo, em que os mestres do centrão são exímios, conseguirá passar uma esponja ao que se passou na Póvoa do Varzim. O Ano da Cabra está aí, quem vier atrás que feche a porta…



[1] Referência ao “cantor” Zé Cabra, popular entre 2006 e 2010
[2] Extraído de “A Passagem Das Horas”, Álvaro de Campos, 1916
[3] Idem, ibidem
[4] Idem, ibidem

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