21 fevereiro 2016
O SENHOR BAUDOLINO
Podia
chamar-te Baudolino[1] , observando o céu e contemplando as estrelas, partindo
na aventura do maior mentiroso do mundo, que inventaste. Foste o nome daquela
rosa[2] que todos leram e alguém quis filmar. Filosofaste sobre o Pêndulo[3] ,
lembrando que poderia haver um plano para governar a humanidade, quem sabe
prevendo a trama da sociedade do domínio do capital. Ensinaste-nos a elaborar a
tese de doutoramento[4] , e ficaste à espera na ilha do dia antes[5] ,
provavelmente para todo o sempre, encantando as ninfas com a tua arte, o teu
humor, a tua categoria de príncipe. Que a Rainha Loana[6] , dona de uma
misteriosa chama te chame agora para contar novas histórias. Sabemos ora que
“não são as notícias que fazem o jornal, mas o jornal é que faz as notícias, e
que saber juntar quatro notícias diferentes significa propor ao leitor uma
quinta notícia”[7] , lendo o teu livro mais recente, que escreveste com aquela
garra e atrevimento que fazem os grandes mestres. Deixa-nos lembrar-te como um
grande pensador da vida, ou como o Guilherme de Barskerville, que desafiou o
poder.
Passo-te a palavra, num gesto de louvor: “… às vezes, um ândito escuro,
uma estrada frouxamente iluminada, um lampião entrevisto na neblina, podem
estimular a imaginação e colocá-la em orgasmo inventivo…”[8]
---
[1]
Homenagem à obra do mesmo nome, 2000
[2]
Homenagem à obra “O Nome da Rosa”,
1980
[3] Homenagem
à obra “O Pêndulo de Foucault”,1988
[4] Homenagem
à obra “Como se faz uma Tese”, 1995
[5] Homenagem
à obra do mesmo nome, 1994
[6] Homenagem
à obra “A Misteriosa Chama da rainha Loana”, 2004
[7]Referência
a obra “Número Zero”, 2015
[8]Citação da
obra “Apocalípticos e Integrados”,
1964
14 fevereiro 2016
TRANSFORMAR A RESTRIÇÃO EM AFIRMAÇÃO (1)
“Perante um obstáculo, a
linha mais curta entre dois pontos pode ser a curva…”
Bertolt Brecht
A redefinição da luta política é,
nas circunstâncias actuais, uma aprendizagem com contornos de uma intervenção
ajustada e equilibrada, num sentido que se pretende positivo e integrador. Curiosamente
este é um tempo de afirmação, embora o seja também tempo de resistência. Nunca como
agora, a esperança de uma solução diferente esbarra na atitude reaccionária que
se insinua na sociedade civil através de agentes meticulosamente colocados em
diversos postos-chave da comunicação social, primando por uma postura calculista
e visando descredibilizar pessoas e instituições que pretendem a mudança. Compete
às forças vivas que estão pela viragem, mas também apostam na defesa da
dignidade perdida, desencadear processos que imprimam na sociedade civil a
compreensão da nova política, das suas vantagens e também dos seus
compromissos.
1. Em primeiro
lugar a questão da reversão das políticas que arrasaram o País, o seu tecido
económico-social e as pessoas de forma directa nos seus rendimentos. A inversão
do ciclo é consensual à esquerda e constitui no momento o acordo base (que se
pretende) para uma legislatura. Passa pelo equilíbrio desta solução de governo,
o sucesso da reversão. Mas também de redefinição das linhas programáticas da
própria solução governativa. É por esta razão urgente que o discurso político
mude radicalmente. Precisamente na base concreta da afirmação de ideias,
princípios e conceitos que se supunha adquiridos na sociedade civil portuguesa
após o 25 de Abril de 74, mas que foram sucessivamente hipotecados por décadas
de uma realpolitik que os assassinou, pelo menos ideologicamente. A afirmação
de um novo discurso pode (deve) ser feita de duas formas. Por um lado, através
de “acerto” de linguagem entre as forças partidárias que subscreveram os
acordos à Esquerda, de uma forma pedagógica, no que reporta a comunicação e
difusão da mensagem. E, por outro lado, na assunção de medidas legislativas
concretas, em áreas-chave do poder, como a Educação e a Cultura. O novo Poder
tem que se afirmar na comunicação social, que ora lhe é adversa. E fazê-lo de
uma forma assertiva e irrepreensível. O “simples” facto de, ao contrário do que
aconteceu nos últimos 4 anos, o PM não aparecer nas rádios e nas TV, todo o dia
e a toda a hora, a opinar sobe tudo e mais alguma coisa, pode ser um bom
exemplo. Que todavia deve ser substituído por um outro tipo de intervenção, de
formato diverso, possivelmente explicativo e que está a ser ensaiado, por
exemplo, com a “saída” do Terreiro do
Passo e o contacto directo com as pessoas.
2. Em segundo
lugar, e não necessária e cronologicamente após o primeiro, há que equacionar a
questão da dialéctica e do confronto ideológico, como premissas de
desenvolvimento e de capacitação das pessoas e das instituições. A educação
para a cidadania será porventura um dos passos possíveis, já que é aceite de
forma consensual e que inclusivamente ultrapassa a barreira ideológica entre
Esquerda e Direita, mas onde a Esquerda tem um enorme ascendente social, por razões
óbvias. Explorar as contradições entre riqueza vs. distribuição no
desenvolvimento das sociedades, economia vs. finanças, público vs. privado,
investimento vs. desenvolvimento, são exemplos vivos de como pode ser
incentivado um debate sério e responsável.
3. Em terceiro
lugar, virão aquelas medidas que nunca são tomadas por nenhum governo do antigo
centrão partidário e que constituem a pedra de toque dos regimes baseados no
favor e na influência. A reforma do Estado é porventura a melhor prova que o
novo Poder pode dar á população, de que está interessada em mudar o sentido da
política, para algo que aproxima as pessoas e não o contrário. Intervenções
necessárias e urgentes devem ser propostas e efectuadas em sectores como a
Educação, a Saúde e a Segurança Social. Há ainda um sector onde de deveriam
supor mudanças radicais, para aproximar as pessoas ao Estado: a Justiça. A verdadeira
reforma do Estado começa sempre pela assunção do princípio básio de colocar o
Estado ao serviço das populações, contra a tese instrumental dominante. O exemplo
negativo das designadas “entidades reguladoras” será talvez o paradigma do que
não-deve-ser. Existem neste momento em Portugal 17 entidades reguladoras, agora
(decisão do finado governo da Direita) com privilégios especiais na remuneração
das respectivas chefias, traduzidos em aumentos de 170 por cento. Não existia
entretanto, nem sequer no portal do Governo, um local que simplesmente listasse
quais são estas entidades reguladoras, um dos sintomas reveladores da falta de transparência
da administração central. A melhoria
dos serviços públicos de saúde, educação e ensino superior, previstos no acordo
das Esquerdas é outro dos centros de intervenção, bem como uma administração
desburocratizada e eficiente. E ainda a premência da criação das Regiões
Administrativas, o reforço da autonomia administrativa e financeira do Poder
Local.
A
Direita portuguesa está desqualificada. A única “qualificação” actual que se
lhe conhece é alimentada pela “interiorização
que muitos jornalistas e comentadores fizeram do argumentário da direita nos
últimos quatro anos”[1]. É espantoso
como a insistência em meia dúzia de conceitos-chave, martelada pelas rádios, TV
e jornais, produz efeito nas pessoas, pelo menos a nível do que se pode considerar
a chantagem pelo medo desta solução governativa. E, para além disto, existe uma
campanha, agora conhecida e denunciada como “os truques da imprensa portuguesa” que consiste na produção
constante de notícias alarmistas, e algumas delas completamente falsas. E
finalmente, a divulgação de “sondagens” de duvidosa credibilidade (para não
dizer outra coisa…) e que constitui uma manobra tendente a recolocar a Direita
de novo no poder. Um exemplo, e é apenas um, dos tais truques, tem a ver com a
recente subida do preço dos combustíveis, Enquanto a matéria-prima
(crude/brent) desceu mais de 60%, os combustíveis desceram menos de 30%.
Entretanto, a Galp apresenta lucros de mais de 600 milhões. Mas, por sorte sua,
a imprensa continua a falar do "brutal aumento de impostos."
Compete
pois à Esquerda qualificar-se. E tal significa assumir, para além da reversão
das medidas, uma postura permanente na adopção de medidas que devolvam a
dignidade às pessoas. Perceber a importância histórica desta solução de
governo, significa antes de mais o reforço da solução governativa, ora ameaçada
pelos burocratas de Bruxelas, com o apoio dos cães de fila habituais. E esse
reforço começa pela coesão interna da solução governativa, tendente, em primeira
instância em conquistar a população, nomeadamente das suas camadas mais desfavorecidas.
(continua)