22 abril 2022

 A PROPORÇÃO ÁUREA

 

Do número nasce a proporção

Da proporção se segue a consonantia 

A consonantia causa deleitação

A nenhum sentido apraz a dissonantia

Camões e a Divina Proporção”, Vasco Graça Moura, (1994)

 

A proporção áurea, razão áurea, ou simplesmente “número de ouro”, é representada por um número irracional que vale aproximadamente 1,618 (arredondado a 3 casas decimais) e é obtido, a partir de um segmento de recta, pelo quociente entre a soma dos comprimentos das duas partes do segmento e o comprimento do segmento maior. Na matemática, a proporção áurea é representada através da letra grega Phi (φ), inspirada no arquitecto Phidias, que teria criado este conceito quando ajudou a projectar o Parthenon, em meados do século V a.c. Já no século XII, o matemático italiano Leonardo Fibonacci descobriu uma sequência de números infinita, onde a divisão entre os termos consiste sempre na aproximação do "número de ouro". Inúmeros serão os exemplos da aplicabilidade deste número, desde a música (jazz, clássica), à arquitectura, passando pela literatura, cinema e até na matemática aplicada aos mercados financeiros. Ensaiamos aplicar a proporção à situação política, deixando-nos surpreender pelos possíveis resultados. 

 

A proporção, no limite

Se tudo fazemos na vida por tentar encontrar um equilíbrio, seja ele qual for, o certo é que, na maior parte dos casos, essa tentativa resulta infrutífera, perante as evidências constatadas ou simplesmente inculcadas, numa retórica esquisita, que, por vezes, nem sequer é perceptível. Tentamos adequar a proporção à referida “consonância”.

Tentamos de bom grado admitir, por exemplo, a bondade das medidas que nos são apresentadas, sempre para garantir uma melhoria do nível de vida. Rendemo-nos até, por vezes, a discursos especialmente gizados para nos aquecer o ânimo ou simplesmente, para nos convencer.  Tentamos compreender as razões que nos são apresentadas, os apelos que nos são feitos para que aceitemos a condição, as estratégias que nos definem para um País onde afinal todos habitamos, mesmo sabendo que uns habitam mais que todos os outros. Julgamos que até pode ser válida a asserção costumeira de que “estamos todos no mesmo barco”, muito versejada durante a pandemia, sabendo bem e à partida que, para alguns, o barco é um luxuoso iate e para a imensa maioria, o barquinho é estreito e tão pequeno que mal cabemos nele e que está a precisar de tantos remendos para conseguir, ao menos, navegar para fora do sítio onde descansava.

Todas as tentativas têm, contudo, um limite. De paciência e de tolerância. Não existe na verdade uma proporção equilibrada, mesmo sem ser áurea, entre o esforço que fazemos durante anos a fio e a oferta que nos é feita, para simplesmente navegar, que Pompeu nos diz ser preciso, enquanto vivemos, mesmo sem ser preciso, “Navigare necesse, vivere non est necesse”. E, a propósito disso, viria Caetano Veloso a versejar, na sua suprema ironia, “O barco, noite no céu tão bonito/Sorriso solto perdido/Horizonte, madrugada/O riso, o arco, da madrugada/O porto, nada”.

A não verificação da proporção, implica, mesmo sem uma equação de grau n, o rompimento do equilíbrio a que aludimos. Vem o desequilíbrio, o fim da paciência, o limite do dar de barato. E, porque a vida está cara, convém entrar no jogo e tentar dar cartas.

 

Onde está o equilíbrio?

Um equilíbrio que não tenha forçosamente a ver com as designadas “contas certas”, poderia assimilar-se por exemplo à aproximação do poder de compra dos portugueses, entre aqueles que não ganham o suficiente e os que mantêm sempre o dito poder (de compra), porque simplesmente nem sequer o sentem colocado em causa. A regra de ouro aqui poderia ser uma justa repartição de rendimentos. Como estamos, o equilíbrio não existe e pode temer-se um potencial agravamento dessa condição. Vejamos um caso de desequilíbrio, relatado pelo Jornal de Negócios de 9 de Março deste ano, onde se pode ler que o grupo “Jerónimo Martins lucra 463 milhões de euros em 2021, mais 48,3% do que em 2020” e que, “Face aos resultados, a administração do grupo vai propor a distribuição de 493 milhões de euro em dividendos...”. Vejamos ainda outro exemplo, notícia da Lusa, de 17 de Março (também deste ano), “O lucro da Sonae atingiu 268 milhões de euros no ano passado, contra 71 milhões de euros em 2020, sendo "o valor mais elevado dos últimos oito anos", divulgou hoje o grupo dono da cadeia de hipermercados Continente. O resultado líquido quase quadruplicou face aos 71 milhões de euros de 2020.” Se mais preciso fora, decerto encontraríamos muitos mais casos de desequilíbrio social. Que contraria sobremaneira o equilíbrio que a natureza regista, na sua diversidade. Que ostenta a profunda desigualdade que existe actualmente, derivada dos desequilíbrios provocados por um sistema económico financeirizado, conhecido pela designação de neoliberalismo. E que provoca desequilíbrios na própria natureza, que nem a matemática, na sua ingenuidade relativa, consegue explicar. 

 

Haverá uma matemática possível?

Uma equação realista, ainda não inventada, ensaiaria uma incógnita conhecida. O que em princípio é uma evidente contradição, uma vez que a definição matemática de equação é a expressão algébrica que contém uma igualdade entre dois membros e um ou mais números (as incógnitas), cujo valor se desconhece. A própria matemática ensina que a equação foi criada para ajudar as pessoas a encontrarem uma solução para o problema em que um número não é conhecido. Acontece que, muito provavelmente, as pessoas já conhecem o problema, só que raramente (nalguns casos, nunca) encontram solução para ele. Ou porque não sabem o que é uma equação, ou porque não sabem como resolvê-la. Há, contudo, um pormenor importante que as pessoas conhecem, mas que raramente a ele têm acesso: a igualdade, mesmo que não seja entre dois termos, como na equação. E mesmo que a matemática consiga dar algumas respostas, não lhe pode dar o conforto suave de uma igualdade ambicionada.

 

A resposta proporcional

Orwell escreveu, na sua obra “Animal Farm”, a propósito do conceito de liberdade, que se ela significa alguma coisa, é sobretudo o direito de dizer aos outros o que eles não querem ouvir. Que seja assim, então. A proporção entre o salário e os gastos mensais de cada cidadão, ou família, apresenta, na maior parte dos casos, um conhecido desequilíbrio. A questão que se coloca, nas sociedades actuais, vergastadas pelo horror da austeridade, é de saber se os Estados conseguem algum equilíbrio, de molde a não sobrecarregar quem vive do seu trabalho, sustentando dessa forma a vida de uma minoria privilegiada. Aparentemente uma equação sem solução, também existe e a matemática ensina-nos a lidar com ela. Todavia, a questão está sempre na forma como se põe o problema. Um exemplo, mais um: será que o problema do aumento do preço dos combustíveis se resolve com uma baixa de impostos, ou com uma limitação das margens de comercialização das empresas? O liberal, de fachada neo, optará pela primeira fórmula, uma vez que jamais admitiria baixar margens de comercialização. O cidadão, que paga cada vez mais pelo respectivo preço, pensará que é por causa da guerra e lá vai aceitando o que se diz e lê e, de forma natural, até é capaz de admitir que se deve baixar o imposto, ignorando em boa verdade o resto. Mas, neste caso concreto, é mesmo o resto que mais pesa: segundo dados da Entidade Nacional para o Sector da Energia (ENSE), o factor responsável pela subida generalizada dos preços, nos últimos meses, tem sido, para além do custo das matérias-primas, a margem de comercialização das empresas do sector, a qual terá tido uma margem média anual (em 2020 e 2021) superior à média registada em 2019. 

Uma possível resposta proporcional, poderia passar, por exemplo, pela fixação do preço de venda dos combustíveis. Contudo, quando se trata de afrontar (estas e outras) grandes empresas, o Executivo (este e todos os outros) fica sempre no mesmo registo, não ajudando mesmo nada a uma resposta proporcional. 

Aqui, como em todos os sectores vitais da economia, a abdicação do interesse estratégico do País, conduziu, conduz e conduzirá sempre ao desequilíbrio. 

Como afirma o Poeta, “A nenhum sentido apraz a dissonantia”. 


14 abril 2022

 MEDIDAS À MEDIDA?


 

Em toda a parte o teu papel é admirar

mas, (caso infeliz)

nunca acertas numa admiração feliz...” (1915)

A Cena do Ódio”, José de Almada Negreiros

 

A apresentação das designadas “Medidas Extraordinárias” do programa de governo e respectivo orçamento, apresentadas no passado 11 de Abril, constituem matéria suficiente para o debate global. A circunstância específica de este Governo dispor de uma maioria absoluta, não implica, ou pelo menos não deveria implicar, a necessária negociação. Até para que o Executivo se possa sentir eventualmente mais confortável para aplicar o seu projecto de governação.  

 

As 18 medidas

As medidas pretendem, no entender do XXIII Governo constitucional, conter o aumento
dos preços energéticos e agroalimentares. A propósito, a Ministra da Presidência afirmou que “Estas medidas procuram dar uma resposta focada e dirigida ao problema em causa”. As medidas são designadas “de emergência” englobam 4 eixos, “Contenção dos preços da energia”, “Apoios à produção”, “Apoios às famílias” e “Aceleração da transição energética”. No primeiro eixo, o Executivo decreta a 
redução do ISP equivalente à redução do IVA para 13% e anuncia “...uma redução de 690M€/mês, nos custos da energia em Portugal para empresas e famílias, por via da limitação dos lucros inesperados e extraordinários das empresas geradoras de electricidade”, bem como “a suspensão do aumento da taxa
de carbono até Junho e reavaliaç
ão trimestral até ao final do ano sem reposição integral”. O segundo eixo, prevê uma subvenção para apoiar o aumento dos custos com gás das empresas intensivas em energia, que abrange mais de 3000 empresas, um desconto de 30 cêntimos por litro nos combustíveis para o sector social. No terceiro eixo, estão previstos alargamentos, para as famílias titulares de prestações sociais mínimas, como o dos apoios ao preço do cabaz alimentar (60€)” e à aquisição de botija de gás (10€). Finalmente, no quarto eixo estão englobados que a redução da taxa mínima do IVA dos equipamentos eléctricos, quer a “agilização do licenciamento de painéis solares”, a “simplificação dos procedimentos relativos à descarbonização da indústria” e um “reforço de 46 M€ para instalação de painéis fotovoltaicos em 2022 e 2023 (agroindústria, exploração agrícola, aproveitamentos hidroagrícolas)”.

 

As medidas são mesmo à medida?

A primeira observação tem a ver com este exemplo comezinho: o Governo considera que tem que esperar a autorização de Bruxelas para a descida do IVA para 13%, nos combustíveis. É alias por isso mesmo, que é reduzido o ISP, com redução equivalente. O significado desta medida é, uma vez mais, a obediência e dependência completa à UE, uma das idiossincrasias deste e de todos os outros governos das últimas décadas. A segunda tem a ver com a ideia, tornada, entretanto uma verdadeira obsessão, de que é necessário reduzir a dívida, antes e acima de tudo o resto. 

Com base nestas duas premissas (podiam acrescer outras mais), é possível entender a medida das medidas, pelo menos no seu alcance imediato. Mesmo sabendo que muito pouco, ou nada mesmo, daquilo que se propõe vai resolver qualquer dos problemas estruturais de uma população que tem, por exemplo, um problema demográfico entre mãos, agora e nas próximas décadas e que vai implicar um enorme aumento em despesas com a saúde e cuidado de idosos. Mesmo sabendo que os salários em Portugal são de uma confrangedora miséria e que cada vez mais se afastam da média europeia. E com os preços dos bens essenciais sempre a subir.

Se as medidas fossem realmente à medida, então teriam de prever um necessário e urgente aumento de salários. Porque afinal, são estes que estão a pagar a factura da inflação, aqui e no resto da Europa, leia-se agora “europa civilizada”, na terminologia pós invasão da Ucrânia pela Rússia. Mais, para que as medidas fossem mesmo à medida, deviam implicar uma política audaciosa de fixação imediata de preços máximos, dos combustíveis aos bens alimentares de primeira necessidade. Mas claro que a modernidade liberal e neo-liberal dita que tal nunca será possível, porque, acima de tudo, o mercado tem que funcionar. O Governo, este Governo, que é o vigésimo terceiro da República, segue todos estes princípios, como qualquer outro que se preze, da zona euro. É pois, por isso mesmo, que com tanta medida avulsa, nunca haverá uma só medida à medida, ou seja, que dê um pontapé na submissão e na dependência, para combater de vez a desigualdade que este País regista, de dia para dia, na cauda de uma Europa injusta e desigual. Na verdade, ao longo do ano passado (2021), os salários reais registaram uma “queda significativa” (termo utilizado pelo Financial Times) na zona euro, depois de uma década em que estiveram praticamente estagnados. A inflação, prevista desde o final de 2021, afecta os salários e o poder de compra dos cidadãos, com a subida do índice harmonizado de preços do consumidor, devido sobretudo aos preços da energia, situação que já vinha a verificar-se desde aquela altura do ano passado e que naturalmente se agravou depois de 24 de Fevereiro.

A organização não-governamental OXFAM, afirma, em comunicação de 13 de Abril, que “a inflação faz disparar pobreza à escala mundial” e estima que mais de 65 milhões de pessoas passaram a correr risco de pobreza extrema após o início da guerra. E defende um significativo aumento de impostos sobre mais ricos e empresas que registaram ganhos extraordinários. Ora aqui está mais um excelente conselho que o Governo da República devia seguir. Sabemos de antemão que tal não irá acontecer, porque a última coisa de que este governo se lembraria, era ferir os interesses do grande capital.

 

Cuidar dos cidadãos, o mínimo que se exige

A próxima legislatura constitui uma oportunidade única para transformar Portugal e aproximar o padrão de vida dos portugueses da média europeia. Para alcançarmos este desiderato, temos de utilizar de forma criteriosa e rigorosa os recursos financeiros que a União Europeia irá colocar à nossa disposição", é o que consta do programa deste Governo. E basta esta afirmação para perceber que o Executivo faz depender a melhoria, que há muito tarda, das condições de vida dos cidadãos, da aplicação dos ditos fundos. Ou seja, a predisposição dos nossos governantes é ser mais criterioso, na aplicação dos fundos que nos conferem. Confessemos que é mesmo muito pouco. E se confrontarmos essa “vontade”, com as outras quatro que estão no “programa de emergência”, a saber, “proteger as famílias”, “proteger as empresas, “garantir a coesão social” e “garantir o crescimento económico”, então é que detectamos o profundo fosse que é cavado entre a “vontade” e a realidade. Porque existe um princípio que não deve ser esquecido, o de que a economia deve supor um sistema de produção e de criação de riqueza que possa ser distribuída e ser a base de bem-estar social e colectivo. Onde está então esse suporte? Existem porventura medidas que o possam, no mínimo, garantir? A resposta é inequívoca e tremendamente negativa. Infelizmente. Mais, aceitar passivamente que os salários desçam em vez de subirem, como seria expectável, é permitir a perpetuação de uma situação de desigualdade e, em alguns casos, de aprofundamento da miséria social. 

Cuidar dos cidadãos, particularmente dos mais carenciados, significaria aumentar os salários, na devida proporção da inflação, porque é essa inflação que vai minando os salários e o poder de compra de quem vive do seu trabalho. Significaria actualizar os escalões do IRS à taxa da inflação. Significaria, reforçar os serviços públicos, saúde, educação, habitação e justiça, com a necessária obrigação de implementar políticas públicas à medida das necessidades do País. Significaria ainda o reconhecimento ao direito universal à energia, único garante possível de uma transição energética justa (a tal transição que anda sempre na boca dos responsáveis, que na verdade o são muito pouco), a saber, aquela que coloca a justiça social no centro da política climática e energética.

A tão simples e evidente noção de cuidar dos cidadãos, que, em política, qualquer governo que se diz preocupado com o bem-estar social, deveria respeitar, é, mais uma vez, enterrada, no tacticismo mais praticista. A emergência deixa de o ser, para passar a ser, única e simplesmente, a aceitação tácita de tudo o que se diz e se defende. Isto é mesmo uma contradição insanável.  

Na verdade, a afirmação transcrita do programa do Governo, acaba por ter uma única leitura possível: é, de facto mais uma oportunidade perdida.


 


11 abril 2022

A TEIA


 

Monstros e homens lado a lado

Não à margem, mas na própria vida

Absurdos monstros que circulam

Quase honestamente...

Ao Rosto Vulgar dos Dias” (1958), “No Reino da Dinamarca”, Alexandre O`Neill

 

Notícias que nos vão dando conta de avanços e recuos numa guerra que nos querem impor como global e que nos tortura com o mais despudorado aumento de preços de que há memória. São as cores que nos querem convencer que são as nossas, porque – pasme-se – se trata de “pessoas como nós, brancas e civilizadas”. São as mais torpes mentiras sobre um conflito que foi alcandorado como do século, com o maior fechamento do outro lado, colocando-nos na posição mais fácil e, todavia, mais penosa, a de “escolher” o “lado bom”, porque o outro é simplesmente proscrito. É uma teia de proporções gigantescas, urdida pelas empresas de comunicação social, ao serviço do objectivo central da construção do edifício iníquo do pensamento único. É a voragem mediática da notícia-espectáculo, servida de manhã á noite, nas rádios e TV, apoiada por verdeiros artistas da propaganda.

 

O cidadão e os monstros

Quem está nas melhores condições para distinguir o que é verdade, ou não? Onde está a verdade? Ainda que pudéssemos ter hipótese de avançar uma posição crítica, baseada na interpretação histórica e na análise factual, o certo é que não é possível fazer tal, sem ser apelidado de traidor ao sagrado ocidente, ou simplesmente pró-russo.

Quem entra (ou não) na voragem? Quem é engolido (ou se deixa engolir) por ela? Quem é trucidado? Quem o quer ser? Tantas questões, tão poucas certezas, ou sequer factos que nos ajudem a formar uma posição. O cidadão indefeso é levado a formar uma opinião, não pela análise crítica e inteligente, mas pelo matraquear constante e permanente de imagens e frases-chave, muito bem conseguidas, eivadas de um populismo primário e perigoso, porque essencialmente bélico e terrorista. 

 

Querem convencer-nos que estamos em guerra

Ao condenar a invasão russa, como inqualificável acto de invasão de um estado soberano, estamos a tomar uma posição declarada e unívoca contra o invasor. Ao mesmo tempo, estamos a classificar aquela invasão, como um conflito regional, que tem a ver com os dois países beligerantes, a Rússia e a Ucrânia. O nosso País, por exemplo, nada tem a ver com aquele conflito e a única posição legítima que deve tomar é a defesa de uma solução negociada, nos estritos limites da sua acção diplomática e na defesa do princípio da defesa da paz entre as nações. Aliás, no espírito das Nações Unidas, na defesa daquele princípio. De momento, só parece haver um caminho para a paz, que passa por negociações sérias, que incluam as regiões da Ucrânia onde a população é maioritariamente russa e pela desistência da Ucrânia em integrar a NATO. Tudo o que vá para além disto, é simplesmente alimentar a guerra.

Ora, o que está a acontecer, desde o início do conflito, é exactamente o contrário. A Europa está completa e unilateralmente nas mãos dos americanos e da política belicista e expansionista da NATO, em claro desrespeito pelas leis internacionais e de todos os acordos firmados após o desmantelamento da URSS. Esta atitude, de apoio cego e incondicional à Ucrânia, nunca vista em relação a qualquer país que tenha sofrido uma invasão ilegítima (exemplos conhecidos), é aduzida do apoio militar indiscriminado, em material e meios humanos, muito para além da ajuda, absolutamente indispensável, aos refugiados. 

E esta é a enorme vantagem dos EUA, o negócio do armamento e agora do gás. Assim se entende a política externa americana, que se caracteriza (agora e sempre) pelo instigar de qualquer conflito. A protecção à indústria e comércio de armamento está, para os americanos, sempre acima de tudo, incluindo os Direitos Humanos. Esta é para eles, por assim dizer, uma guerra conveniente.

 

Bucha releva hoje a questão dos crimes de guerra

Pelo que nos é dado ver e ouvir, as duas versões do que se passou, revelam os monstros e do que são capazes. Revelam, em primeira instância, alguma incoerência, datada e factual. Será de admitir, sem qualquer investigação independente, ter havido mais um crime de guerra, a juntar a todos os outros, cometidos pelo agressor russo, como sustenta a Ucrânia, os EUA e toda a chamada União Europeia? Ou, por outro lado, será legítimo pensar numa “terrível encenação” de um massacre, posição sustentada pela Rússia e por alguns analistas militares? Será crível que existe de facto uma poderosa máquina de propaganda russa, que, para além de fabricar factos e cenários, adultera sistemática e voluntariamente a informação, da guerra e não só? A mesma questão, exactamente nos mesmos termos, para o designado Ocidente, os EUA, a NATO e a UE. Seria porventura sensato ler e ouvir os dois registos e tentar relativizar, sem esquecer a questão central: quem perpetrou uma agressão contra o estado soberano da Ucrânia foi a Rússia. E perceber que, para já, apenas nos é permitida a legítima interrogação: em quem acreditamos e que meios temos à disposição para formular um juízo justo? Entretanto deveremos pensar, antes da necessária investigação, que os taisindicadores claros” dos chamados crimes de guerra do exército russo (porque quando se fala de crimes de guerra têm de ser russos...) fazem lembrar a evidência clara das armas de destruição maciça no Iraque?

 

As “terríveis” sanções 

As sanções são a pior medida possível, apenas servem para empobrecer os trabalhadores de toda a Europa, Ucrânia e Rússia incluídas, embora se saiba que a Rússia tem autonomia alimentar e já estaria preparada para a guerra. As sanções acabam por justificar os escandalosos aumentos de preços dos combustíveis, da energia e dos bens essenciais, penalizando sempre os mesmos, os cidadãos mais carenciados e os povos dos países mais pobres. O cidadão comum, por exemplo no nosso País, perguntará com todo sentido, se por acaso provocamos alguma guerra para estarmos a ser atingidos pelas sanções? As sanções, que curiosamente deixam de fora, 70% das exportações russas, o petróleo, o gás e os combustíveis, de que depende a indústria alemã, abatem-se afinal sobre os povos e sobre a própria oposição russa. As sanções, aliadas à efectiva venda de armas da UE à Ucrânia e que nada têm a ver com a propalada ajuda humanitária, são finalmente uma punição para aqueles que lutam pela Paz, em toda a Europa e uma entrada, ainda que indirecta, da Europa nesta guerra. Pelos vistos, segundo informação do ministro Cravinho, o governo de Portugal entra neste jogo perigoso, porque ofensivo e bélico.

 

Envolvidos na teia

Há uma teia que alguém tece por nós, que já não tecemos nada que seja nosso, ou para nós. Temos sim opinião livre, ou não? Falamos à-vontade ou nem por isso? Mas será que nos vamos auto-limitando, porque às tantas vamos favorecer algo que não estamos a ver? Afinal quem somos nós, para enfrentar de caras tanta hipocrisia? A doxa ocidental, contrária ao livre pensamento e apenas ligada a percepções ou sentimentos, quer mesmo forçar-nos a entrar na guerra. Reparemos em alguns exemplos curiosos, que ilustram um dramatismo forjado para o envolvimento: as televisões, que passam, todos os dias, as mesmas imagens (às vezes falseadas) e uma rádio (TSF) que tem um programa diário de 30 minutos, a que chama “conselho de guerra” e informa durante todo o dia a hora e o tempo na Ucrânia!

É uma teia cuidadosamente fabricada, de contornos e fios débeis, suave e discreta como convém nas chamadas democracias liberais. Por vezes nem damos conta disso e pensamos que é mais confortável ficar dentro dela que tentar a libertação pessoal, que nos daria seguramente outro gozo, mas certamente muito mais trabalho. Talvez por isso, a luta pela paz exige muito mais e é mais fácil adoptar o discurso bélico, que alguém já “teceu” para nós. Ao fim e ao cabo, a Paz não passa de uma utopia e, quem a defende ou é pró-russo ou equiparado.

A libertação da teia não depende só de nós. Mas pode começar por uma mudança de atitude e de discurso.

 

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In: http://diario560.pt/a-teia/



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