25 agosto 2022

 FALEMOS (a sério) de CRIMES CONTRA A HUMANIDADE


 

A jornalista Isabel Lindim publica hoje, no Jornal electrónico Setenta e Quatro um artigo, sob o título “Ilhas Marshall: O Paraíso Tropical Que Virou Um Inferno De Radiação”, onde denuncia a política criminosa dos EUA na Ásia Pacífico, onde a administração norte-americana realizou 67 testes nucleares, entre os anos 1946 e 1958, com efeitos que “...ainda hoje se fazem sentir junto das populações: doenças dermatológicas e cancro, crianças com malformações, ecossistemas contaminados e muita pobreza. Os militares norte-americanos usaram-nas como cobaias para estudar o impacto da radioatividade.”

 

O cenário:

Alimentavam-se do que a terra lhes dava e pescavam nas águas cristalinas do Oceano Pacífico. Seguiam as tradições familiares que os seus antepassados, lá chegados há centenas de anos, lhes passaram. A população das Ilhas Marshall vivia em comunidade e em harmonia com a Natureza. Mas tudo isso mudou abruptamente em 1946. Derrotado o Japão, os Estados Unidos transformaram as Ilhas Marshall no seu protetorado. As Nações Unidas concederam-lhe o mandato e, em troca, deveriam proteger as populações. Não o fizeram, bem pelo contrário.”

 

Isabel Lindim conta a história das ilhas Marshall, que, em 1946, “...foram designadas pelos Estados Unidos da América (EUA) como zona para testes nucleares. A partir desse momento, aqueles cenários paradisíacos que pontuavam o Oceano Pacífico, entre as Filipinas e o Havai, seriam alvo de detonações de bombas atómicas de grande amplitude. Os 167 habitantes do atol de Bikini, um dos locais escolhidos para as experiências, foram alojados noutro local. Antes disso, foram “instruídos” sobre a importância destes testes por militares norte-americanos. Era suposto poderem voltar para as suas casas.”

 

Continua, dizendo que, “Durante doze anos, a vida dos atóis de Bikini e de Enewetak foi literalmente bombardeada. Na primeira explosão, a experiência envolveu cerca de cinco mil animais amarrados aos convés de navios de guerra. Vacas, ovelhas, cabras, porcos, ratos… todos estavam imobilizados. Alguns tinham a pele coberta com um creme “protetor”. A mega explosão deixou um rasto de destruição. As imagens foram captadas por drones - os militares norte-americanos modificaram, pela primeira vez na história, caças F6F Hellcat para serem guiados exclusivamente por sinais de rádio - os militares norte-americanos modificaram, pela primeira vez na história, caças F6F Hellcat para serem guiados exclusivamente por sinais de rádio. O enorme cogumelo não só matou parte dos animais isolados nos navios (10%), como contaminou toda a vida das ilhas próximas do atol. Os animais que não morreram ficaram sob observação, mas apenas 28 viveram mais três anos.”

 

A administração norte-americana considerava as explosões e as suas consequências como uma “oportunidade” para a ciência descobrir o nível de contaminação em humanos.

A Jornalista diz que “Durante anos, a população viveu sob observação médica. As crianças nasciam com problemas de saúde, a predominância de abortos espontâneos aumentou. Quando pediram para ser realojadas novamente, a administração ignorou-os. Foi só em 1985 que a Greenpeace, que fez uma operação de resgate no navio Rainbow Warrior,  levou os 300 habitantes de Rongelap para Majetto, uma ilha não contaminada. Foi a última ação deste navio. Em julho do mesmo ano, a ação prevista pela organização ambiental nunca chegou a acontecer, porque dois comandos franceses fizeram explodir a embarcação. O destino teria sido uma contestação no atol de Mururua, na Polinésia, onde iriam ocorrer testes nucleares.”

 

A descrição é no mínimo dantesca: “Enquanto os militares e cientistas se escondiam no bunker Building 70 (mais tarde retirados de helicóptero envoltos em lençóis) e navios com laboratórios ao largo de Bikini, a população esteve totalmente exposta, assim como os 23 pescadores japoneses que se encontravam muito perto do local onde explodiu a bomba Bravo, no barco Lucky Dragon - mais tarde, depois de muita discussão, chegou a ser sugerido pela administração norte-americana que este barco levava espiões comunistas que se aproximaram demais. As questões que surgiram em primeiro lugar foram as de pele despigmentada com escaras e o cabelo a cair, devido às partículas absorvidas. As partículas beta são as mais perigosas para o corpo humano, explica o jornalista no seu livro. Penetram na pele, destruindo as células e impedindo um novo crescimento. No entanto, este não é o único problema de saúde que resulta desta exposição à radiação, como concluíram os cientistas na altura. Outros dos fatores identificados foi o elemento iodo, que se concentra na tiróide. O iodo emite metade da sua radioactividade em raios gama nos primeiros oito dias.”

 

As administrações dos EUA sucedem-se, a política é sempre a mesma: dominação, submissão e terror. 

Quem apoia este tipo de política está a caucionar esta política, mas não só. Está a caucionar a atitude permanente de CRIMES CONTRA A HUMANIDADE.

 

Não há outra forma de interpretar uma monstruosidade como esta!

 

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Obs.: a leitura do artigo completo pode ser feita subscrevendo o Jornal, em: https://setentaequatro.pt/contribuir  

 


 

ILHAS MARSHALL: O PARAÍSO TROPICAL QUE VIROU UM INFERNO DE RADIAÇÃO

25 AGOSTO 2022

Isabel Lindim – Setenta e Quatro

 

Entre 1946 e 1958, os Estados Unidos realizaram 67 testes nucleares na Ásia Pacífico. Os seus efeitos ainda hoje se fazem sentir junto das populações: doenças dermatológicas e cancro, crianças com malformações, ecossistemas contaminados e muita pobreza. Os militares norte-americanos usaram-nas como cobaias para estudar o impacto da radioatividade.

 

Em 1946, as ilhas Marshall foram designadas pelos Estados Unidos da América (EUA) como zona para testes nucleares. A partir desse momento, aqueles cenários paradisíacos que pontuavam o Oceano Pacífico, entre as Filipinas e o Havai, seriam alvo de detonações de bombas atómicas de grande amplitude. Os 167 habitantes do atol de Bikini, um dos locais escolhidos para as experiências, foram alojados noutro local. Antes disso, foram “instruídos” sobre a importância destes testes por militares norte-americanos. Era suposto poderem voltar para as suas casas.

 

Durante doze anos, a vida dos atóis de Bikini e de Enewetak foi literalmente bombardeada. Na primeira explosão, a experiência envolveu cerca de cinco mil animais amarrados aos convés de navios de guerra. Vacas, ovelhas, cabras, porcos, ratos… todos estavam imobilizados. Alguns tinham a pele coberta com um creme “protetor”. A mega explosão deixou um rasto de destruição. As imagens foram captadas por drones - os militares norte-americanos modificaram, pela primeira vez na história, caças F6F Hellcat para serem guiados exclusivamente por sinais de rádio - os militares norte-americanos modificaram, pela primeira vez na história, caças F6F Hellcat para serem guiados exclusivamente por sinais de rádio. O enorme cogumelo não só matou parte dos animais isolados nos navios (10%), como contaminou toda a vida das ilhas próximas do atol. Os animais que não morreram ficaram sob observação, mas apenas 28 viveram mais três anos. 

 

A administração norte-americana viu nos efeitos das explosões uma “oportunidade” para a ciência descobrir o nível de contaminação em humanos.

 

Em 1954, os EUA realizaram o maior teste de todos, apelidado de “Operation Castle Bravo”: a detonação de uma bomba mil vezes mais potente que a bomba nuclear que explodiu em Hiroshima em 1945 (ou o equivalente a 15 milhões de toneladas de TNT). A população de Bikini e Enewetak tinha sido deslocada, mas a de Rongelap, a 160 quilómetros do local da explosão, permaneceu nas suas habitações. A bola de fogo atingiu um diâmetro de dez milhas. Os detritos radioactivos espalharam-se por uma área muito maior. A bomba termonuclear era composta por urânio e lítio. 

 

No documentário The Coming War on China, realizado pelo jornalista John Pilger em 2015, são várias as testemunhas que relatam esta explosão, assim como os doze anos de testes nucleares que se seguiram. O medo, as doenças, as mortes e a pobreza. As consequências desde o último teste, em 1958. John Pilger faz um levantamento do cerco norte-americano no Mar da China Meridional e começa por contar este episódio bizarro e remetido ao esquecimento. 

 

Quando os Estados Unidos assumiram nos anos pós II Guerra Mundial o controle das Ilhas Marshall, sob o protetorado das Nações Unidas, uma das condições era garantir o bem estar da população. O que na verdade aconteceu é que ainda hoje, 74 anos depois, é o local no planeta com mais nível de radiação nuclear (bastante mais do que Chernobyl, na Ucrânia, ou Fukushima, no Japão) e onde se concentraram mais casos de cancro da tiróide em mulheres - houve até crianças a nascerem com malformações. 

 

Em 2019, um estudo da Universidade da Columbia, nos Estados Unidos, avaliou e comparou os efeitos radioativos que existem nas Ilhas Marshall. Todas as ilhas foram atingidas pelos efeitos de longa duração, detectáveis principalmente no solo e na cadeia alimentar. Não é possível viver em Bikini, apesar da sua aparência paradisíaca, com águas transparentes e uma vida marinha que começa a ressurgir no abismo criado pela bomba Bravo.

 

ARQUIPÉLAGO-LABORATÓRIO

Enquanto os habitantes de Bikini sofriam as consequências do maior teste atómico alguma vez realizado pelos Estados Unidos, na Europa um designer francês fazia deste grande acontecimento o mote para a sua invenção: o biquíni. Na publicidade a este novo conjunto que contribuiu para  a emancipação de tantas mulheres, chegaram a usar imagens de manequins com biquíni em cima de uma bomba atómica como símbolo de sensualidade. 

 

Exilados para outras ilhas, os habitantes de Rongelap foram autorizados a voltar para a sua terra natal em 1957. Este acto de benevolência, ou compensação, ficou mais próximo do que se pode considerar um presente envenenado. O objetivo era aproveitar o facto da população ter sido atingida pelos efeitos radioactivos para a estudar. Era uma “oportunidade” para a ciência descobrir o nível de contaminação em humanos, uma ciência orientada pelos militares norte-americanos.

 

Anos mais tarde, em 1969, quando a população de Bikini teve autorização para regressar às suas antigas casas, a radiação surtiu tantas consequências que acabaram por ficar apenas oito anos. E assim tem sido até hoje. Este “programa científico” foi mantido como Projecto 4.1., descrito pelo Departamento de Defesa como forma de “avaliar a gravidade da lesão por radiação nos seres humanos envolvidos; fornecer todos os cuidados médicos necessários; e realizar um estudo científico de lesões por radiação em seres humanos”. 

 

O Laboratório de Energia Atómica de Chicago chegou a receber um grupo de sete homens das Ilhas Marshall. Vestiram fato e gravata emprestados no Havai, que devolveram quando voltaram às ilhas. Foram fechados numa sala de ferro que media a radiação. Num programa de televisão John Anjain, o presidente da Câmara de Rongelap, era apresentado como “um selvagem feliz e amistoso”. “O homem branco trouxe dinheiro, religião e um mercado para os seus côcos”, diziam ainda no anúncio propagandístico. 

 

Mais tarde, um grupo de habitantes foi também a Nova Iorque, acompanhado por um dos cientistas que mais relatórios produziu durante as experiências: Robert Conard. Funcionário da Marinha dos EUA, este cientista seguiu atentamente os efeitos na população durante três décadas. Tinha um especial interesse pelas crianças com cerca de um ano de idade quando se deu a explosão. Examinava a pele, a queda de cabelo e fazia exames médicos. Foi desta forma que chegou à conclusão da alta incidência do cancro da tiróide em crianças e mulheres adolescentes e adultas, por vezes da mesma família: avós, mães, filhas… 

 

Durante anos, a população viveu sob observação médica. As crianças nasciam com problemas de saúde, a predominância de abortos espontâneos aumentou. Quando pediram para ser realojadas novamente, a administração ignorou-os. Foi só em 1985 que a Greenpeace, que fez uma operação de resgate no navio Rainbow Warrior,  levou os 300 habitantes de Rongelap para Majetto, uma ilha não contaminada. Foi a última ação deste navio. Em julho do mesmo ano, a ação prevista pela organização ambiental nunca chegou a acontecer, porque dois comandos franceses fizeram explodir a embarcação. O destino teria sido uma contestação no atol de Mururua, na Polinésia, onde iriam ocorrer testes nucleares.

 

Uma série de imagens foi reunida pelo radiologista Lauren L. Donaldson, da Universidade de Washington e estão agora disponíveis online. A coleção mostra fotografias e publicações relacionadas com o assunto. Numa newsletter de 1958 da universidade, descrevia-se a importância deste estudo como essencial para obter dados “da radioatividade em várias formas de vida (...) num mundo que está a avançar rapidamente para a era das maravilhas nucleares”.

 

UMA VIDA EXILADA

Todo o quotidiano das populações das Ilhas Marshall foi alterado a partir de 1946. Antes daquela zona do Pacífico se tornar um alvo de testes nucleares, alimentavam-se do que a terra lhes dava e pescavam. Eram auto-suficientes no seu pequeno paraíso. Os homens eram velejadores exímios, com conhecimentos ancestrais. A terra era rica em fruta e vegetais. Quando tiveram de mudar de ilha e deixar as suas casas, passaram a depender das autoridades, perderam a sua autonomia e os seus recursos.

 

Muito rapidamente alguns dos habitantes deslocados caíram numa situação de pobreza. Para agravar a difícil adaptação, tiveram de lidar com novas doenças que alastravam entre as suas famílias, consequência de terem ficado imunodeprimidos com a radiação. No livro Blown to Hell - America's Deadly Betrayal of the Marshall Islanders, publicado em 2021, o jornalista Walter Pincus, do Washington Post e especialista em questões de Segurança Nacional, descreve minuciosamente a situação antes e depois dos testes nucleares. O título é uma alusão a uma piada do comediante Bob Hope: “Assim que a guerra acabou, localizámos o único sítio na Terra que ainda não tinha sido tocado pela guerra e rebentámos com ele”.  

 

Em 1954, os EUA realizaram o maior teste de todos, apelidado de “Operation Castle Bravo”: a detonação de uma bomba mil vezes mais potente que a bomba nuclear que explodiu em Hiroshima em 1945.

 

Walter Pincus, jornalista premiado pelo prémio de jornalismo Pulitzer, fez uma longa investigação convertida numa narrativa fluida e de proximidade, repleta de informação. É um livro imersivo que nos relata o enquadramento geopolítico do pós-II Guerra Mundial, os esforços para alcançar a primazia e liderança nuclear e como aquela zona do Pacífico norte foi negligenciada e usada para testes, depois de ser conquistada ao Japão pelos Estados Unidos. E hoje, quando olhamos para a realidade que persiste na Ásia-Pacífico, o que se conclui é que para Washington a presença naquele lado do mundo continua a ser uma demonstração de poder, de manutenção de uma hegemonia que não abdica de manter, inclusive pelo uso da força se assim tiver de ser. Das 750 bases militares norte-americanas espalhadas por vários países (pelo menos 80), cerca de 120 estão em território japonês. 

 

A introdução começa precisamente com a história de John Anjain, o presidente da Câmara de Rongelap, no dia 1 de Março de 1954, quando a bomba Bravo foi detonada. Rongelap é um dos 29 atóis que formam as Ilhas Marshall (juntamente com mais cinco ilhas, uma delas também com o nome Rongelap). A família de John é uma das que têm ascendência neste pequeno arquipélago, ocupado desde há dois/três mil anos por navegadores que chegaram do sudeste asiático. 

 

Naquele dia, 82 pessoas estavam no atol de Rongelap, nas suas casas feitas de folhas de palmeira e madeira. Os testes já decorriam desde 1946, o atol já tinha sido evacuado uma vez, mas os habitantes voltaram. As rotinas tinham regressado e os militares avisaram que haveria mais testes, mas que estes não ofereciam qualquer perigo. Ninguém esperava que o mundo abalasse com uma bomba de quinze megatoneladas, e que chovesse um pó branco espesso altamente tóxico durante várias horas. 

 

A primeira parte deste livro é dedicada aos testes nucleares, onde o autor descreve em pormenor tudo o que envolveu as detonações, assim como aquilo que chegava ao conhecimento público - durante anos, o acontecimento manteve-se oculto ou exaltado como uma demonstração de poder e até de beleza estética (no próprio dia 1 de Março de 1954, as notícias incidiram sobre quatro porto-riquenhos que dispararam dentro do Capitólio). “Como podem ver pelas imagens, senhoras e senhores, estamos a tentar um pouco de inovação”, dizia o presidente Eisenhower numa conferência de imprensa no dia 31 de Março de 1954.

 

Na segunda parte do livro, Walter Pincus retrata os problemas imediatamente visíveis e os que se prolongaram durante anos, com efeitos que duram até hoje. “Como a maioria das partículas radioativas emite raios gama e beta, os seus efeitos nas células e tecidos circundantes ocorrem lentamente por longos períodos e podem não ser aparentes por dias, semanas ou até anos”, explica o autor. 

 

Enquanto os militares e cientistas se escondiam no bunker Building 70 (mais tarde retirados de helicóptero envoltos em lençóis) e navios com laboratórios ao largo de Bikini, a população esteve totalmente exposta, assim como os 23 pescadores japoneses que se encontravam muito perto do local onde explodiu a bomba Bravo, no barco Lucky Dragon - mais tarde, depois de muita discussão, chegou a ser sugerido pela administração norte-americana que este barco levava espiões comunistas que se aproximaram demais. 

 

As questões que surgiram em primeiro lugar foram as de pele despigmentada com escaras e o cabelo a cair, devido às partículas absorvidas. As partículas beta são as mais perigosas para o corpo humano, explica o jornalista no seu livro. Penetram na pele, destruindo as células e impedindo um novo crescimento. No entanto, este não é o único problema de saúde que resulta desta exposição à radiação, como concluíram os cientistas na altura. Outros dos fatores identificados foi o elemento iodo, que se concentra na tiróide. O iodo emite metade da sua radioactividade em raios gama nos primeiros oito dias. 

 

“Quero que as pessoas percebam o perigo das armas nucleares”, disse Walter Pincus numa das entrevistas que deu o ano passado, quando a obra foi publicada. “Nada acontece num vácuo. Muitas vezes esquecemo-nos disso quando olhamos para factos históricos”, escreve na sua obra. 

 

Depois de várias deslocações e já sob contaminação, a população das ilhas e atóis atingidos pela radiação acabou por não voltar ao seu local de origem, ficaram a viver em diversos sítios, por vezes retidos em bases militares para observação. No documentário de John Pilger, é possível ver e ouvir estas vítimas que falam sobre a longa jornada que dura há décadas. O cenário é de pobreza, sedentarismo, emigração e más recordações. O número de diabéticos cresce todos os anos.

 

Em 1986, durante a administração de Ronald Reagan, os Estados Unidos declararam independência limitada às Ilhas Marshall (sob o termo em inglês Compact of Free Association), com a condição de aceitarem a compensação de 150 milhões de dólares pelos danos dos testes nucleares. Esse valor rapidamente se esgotou, e um pedido de recurso enviado ao Congresso ainda aguarda resposta. A questão do dinheiro é levantada desde 1956, quando o acordo financeiro começou com o pagamento de 325 mil dólares ao povo de Bikini para poder usar o atol. Entretanto, qualquer habitante tem, à partida, acesso a visto de residência nos Estados Unidos.

 

Depois de várias deslocações e já sob contaminação, a população das ilhas e atóis atingidos pela radiação acabou por não voltar ao seu local de origem.

 

Mas o dinheiro não é tudo para as populações afetadas pelos testes nucleares. Em 1977, John Anjain, o presidente da Câmara de Rongelap, que entretanto perdeu um filho de 19 anos com leucemia, surgiu perante uma delegação do Comité do Senado para a Energia e Recursos Naturais. No seu discurso disse: “O dinheiro não pode trazer meu filho de volta. Não me pode devolver vinte e três anos da minha vida. Não pode tomar o veneno dos caranguejos de coqueiros. Não pode impedir de sentirmos medo.”

 

Um relatório das Nações Unidas em 2012 deixa claro que os efeitos dos 67 testes nucleares realizados de 1946 a 1958 duram até hoje. Um dos autores, Calin Georgescu, afirmou ao jornal The Guardian que a “contaminação ambiental quase irreversível” levou à perda de meios de subsistência e muitas pessoas continuaram a sofrer “deslocamento indefinido”. 

 

A reportagem remonta a 2014, quando se assinalavam os 60 anos da detonação da bomba Bravo. A população das Ilhas Marshall continua a exigir justiça e a manifestar-se anualmente nas ruas. Mas não é só esta comunidade que mostra a sua mágoa. No Japão, a data não é esquecida pelos familiares dos pescadores que se encontravam a 60 quilómetros do atol de Bikini quando se deu a explosão. Na data que marcou as seis décadas, cerca de duas mil pessoas marcharam em protesto. O barco Lucky Dragon está em exibição em Tóquio desde 1976, no parque Yumenoshima, para lembrar os visitantes da tragédia nuclear. 

 

No momento em que vivemos, com novas ameaças de se usar armas nuclear, vale a pena recordar as palavras de Walter Pincus no seu livro: “a lógica distorcida para o uso de armas nucleares - e por enquanto o seu único uso - é a de serem armas de terror, não para lutar numa guerra”.

 

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In: https://setentaequatro.pt/enfoque/ilhas-marshall-o-paraiso-tropical-que-virou-um-inferno-de-radiacao

 


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