03 abril 2023

COMO É BOM “PENSAR” EM DEFESA E SEGURANÇA 

 

Pensar e debater questões que envolvem a segurança dos cidadãos pode ter a ver com a defesa das fronteiras, ou do território, ou significa que aquelas questões constituem apenas uma base material da política de defesa do País? Em qualquer dos casos, os cidadãos podem ser mobilizados para a necessidade de abordar as referidas questões, porque provavelmente interessados na sua própria segurança, possivelmente um dos anseios mais pretendidos, uma vez que estão no pacote mínimo de direitos, numa sociedade decente.

Todo o governo que presta atenção a pormenores como este, cumpre uma das suas funções mais simples, todavia muito significativa, uma vez que tal implica o cumprimento da tarefa essencial de cuidar dos cidadãos. 

Um dos factores que parece dificultar as respostas estatais às sucessivas crises, que, particularmente no início deste século, têm assolado as populações mais desprotegidas, é a fragilidade e vulnerabilidade das instituições sociais básicas. Frágeis, porque têm dificuldades em gerir convenientemente situações fora do habitual, vulneráveis, porque apresentam sistematicamente poucos e parcos recursos para actuar e intervir. E o que normalmente acontece quando se constatam vulnerabilidades é a tendência para essas instituições serem atacadas, não propriamente por revelarem fragilidades, mas porque, mal ou bem, cumprem uma função social e essa circunstância parece ser o bastante para serem menosprezadas, quando não abatidas, como sucedeu aquando da intervenção europeia no nosso País, por ordem da Comissão, do BCE e o do FMI, ou seja da dita “troika”. Podemos constatar essas fragilidades e as vulnerabilidades nas instituições, em duas situações ainda muito recentes, como durante a pandemia e no eclodir da guerra na Ucrânia. E avaliar a falibilidade das afirmações como as que proclamavam que o vírus atacou todos da mesma forma, ou que as restrições e aumentos de preços foram para toda a gente, facilmente desmontáveis, uma vez que, utilizando a conhecida imagem do barco, sabemos que todos entramos nele, mas uns vão para a primeira classe e outros, a grande maioria, ficam no porão.

 

É aqui que a questão da defesa se coloca com mais premência. Na verdade, num século pleno de potencialidades técnicas, tecnológicas e de administração, o que se deveria impor era a defesa contra as arbitrariedades que retiram os recursos disponíveis dos que mais deles precisam, para os colocar ao serviço de uma minoria que apenas tem o trabalho de os consumir. E se somarmos o facto de as ditas inovações (técnicas e tecnológicas) estarem completa e integralmente ao serviço da tal minoria, então a resposta em termos de defesa ganha ainda mais sentido. E da defesa à segurança vai um passo de anão, dado que, no caso de o cidadão sentir que o Estado o defende, vai inferir daí uma segurança pessoal e de grupo que, em caso contrário, não será capaz de equacionar.

Contudo, não consta que os propósitos dos governos e administrações entendam desta forma as questões supracitadas. Curioso que os termos “defesa” e “ataque” apareçam de mãos dadas na retórica armamentista que domina o ocidente onde habitamos e onde nos habituamos a “jogar” um desafio nada pacífico e pouco, ou mesmo nada, condizente com segurança. Para os decisores, muitos deles nem sequer eleitos para tal, a lógica é mais armas, mais dinheiro para armas, munições e invenções que matem mais e mais depressa. As mais recentes declarações da embaixadora dos EUA na NATO, vem impor (o termo é mesmo esse) uma percentagem de 2% de gastos para a “Defesa”, provavelmente um aumento que coloca a dita senhora no rol de todos os que, tiveram e têm a maior responsabilidade na transferência de recursos dos que trabalham, para proteger os que vivem do trabalho dos outros. Isto, em vez de “segurança”, significa sempre e mais insegurança. Nas pessoas e no mundo em geral.

Num artigo publicado este mês de Março no Foreign Affairs, o professor de política e assuntos internacionais norte-americano Andrew Moravcsik, manifesta uma posição assaz curiosa para um americano nascido pouco antes dos anos 60 do século passado, quando afirma que a norma da política externa dos EUA se apegou ao mito de que o mundo precisa de mais e mais poder militar americano. Este mito resultaria de acontecimentos contraditórios, como a vitória dos aliados contra o nazismo, o aniquilamento à bomba atómica no Japão, a derrota suprema no Vietnam e na Coreia, no Iraque e no Afeganistão, bem como nas largas dezenas de intervenções estratégicas e militares na América Central e do Sul, dos quais as lições “aprendidas” foram a completa subordinação das relações internacionais à hegemonia e à imposição de uma “segurança” distorcida. Tal acarreta obviamente a noção perversa de “defesa”, afinal transformada em ataque permanente aos direitos fundamentais. No entender de Moravcsik, a grande estratégia dos EUA está atolada num emaranhado de contradições, entre o declínio comercial e a escassez cada vez maior de recursos. Mas consagrando e ampliando um modelo ultrapassado de liderança global militarizada, sempre com a perspectiva de que não há alternativa concebível à liderança americana militarizada, apontando o exemplo ridículo do potencial perigo de um País cujo exército nem sequer consegue chegar a Kiev, quando mais a Berlim, Londres ou Paris. Refere ainda um documento de 1950, que testemunha a “maravilhosa diversidade, a profunda tolerância, a legalidade da sociedade livre”, que contrapõe à “sociedade esclavagista da União Soviética, que exigia poder total sobre todos os homens dentro do estado soviético, sem uma única excepção”, baptizado à época “National Security Council Paper (NSC-68)”. termina, dizendo, sobre a peça em questão, “...Inalterado pela passagem do tempo, a perspectiva maniqueísta tecida no NSC-68 persiste hoje, décadas após a Guerra Fria que o inspirou.”

Uma ideia muito simples e directa, bem ao gosto das “simplificações modernas” poderia ser que o Departamento de Defesa de um país, se dedicasse a defender os cidadãos. Das várias defesas possíveis, seria de elencar a defesa contra a agressão do capital predador sobre o trabalho, a defesa do ambiente contra a degradação do mesmo pelos grandes poluidores, a defesa do direito à habitação consagrado na Constituição da República, a defesa das espécies que “passeiam” nas águas territoriais portuguesas e que são “pasto” de caça e pescas ilegais, a defesa dos marginalizados desta sociedade injusta e desumana. Como aumentaria decerto a segurança das pessoas, dos cidadãos mais carenciados. Essa segurança daria decerto ao Estado uma força acrescida, nos sectores mais vulneráveis, como é o caso da Saúde. 

Como é diferente a visão dos responsáveis sobre as questões vertentes. Quando lemos no documento do Governo de Portugal, datado de 2013 e mais ou menos confirmado em 2020, designado “Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, que “Os EUA e a Europa são parceiros estratégicos fundamentais, nomeadamente no quadro da OTAN. A sua aliança é imprescindível não só́ para a segurança transatlântica, como para a estabilidade da ordem internacional, podemos inquirir-nos, ainda que ingenuamente, estão falar de quê? E, continuando, ainda que penosamente a ler, deparamos, a propósito de “prioridades”, que pelos vistos exigem, “...que os aliados europeus assumam maiores responsabilidades, tanto na sua própria segurança e defesa, como na sua contribuição para a segurança internacional. Portugal e a Europa devem acautelar, junto do aliado norte-americano, a dimensão crucial do eixo transatlântico, por forma a garantir uma complementaridade de ação e esforço a nível global.”

Não estamos em 1950, estamos em 2023. Em Portugal, parece que não.


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