17 outubro 2023

A POBREZA É (infelizmente) UMA ARMA CARREGADA DE FUTURO 

 

Um lamento muito especial por ser obrigado a parafrasear Gabriel Celaya, que escreveu um belo poema “La poesia es un arma cargada de futuro” ao qual o Paco Ibanez deu voz, nos anos setenta do século passado. Mas não será decerto por acaso. A certo passo do Poema, Celaya diz-nos, “É para os fracos que canto e em cada verso que invento//faço arma da poesia e grito ao meu próprio jeito...”

 

Hoje é, segundo reza o calendário das comemorações, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Um dia em que se cantam e proclamam as mais “profundas” declarações de circunstância sobre o mal-estar que a pobreza provoca na cabeça dos comentadores e outros biltres que nos brindam com a sua verborreia. É vê-los neste dia a vomitar os maiores disparates e a mais pura hipocrisia.  Não deveria haver hoje tanta pobreza, há pobreza em mais, em Portugal a situação de pobreza alastra, as estatísticas estão aí para o demonstrar. Entretanto, há organizações não-governamentais que fazem uma ginástica esquisita para protestar e há declarações de entidades governamentais que lamentam e prometem mais medidas. 

 

Hoje, neste dia, um Governo que se diz socialista, vê a situação dos seus concidadãos a piorar dia-a-dia. E o que faz? Propõe, ao que consta, um novo modelo de intervenção social, uma propalada “resposta integrada e personalizada”, com projectos-piloto centrados nas autarquias. Um “gestor social” para cada caso.

 

No ano passado, o Secretário-Geral das Nações Unidas, ao assinalar o Dia, disse, que estamos perante “...uma dura realidade: o mundo está a andar para trás.” Que se saiba e conheça, a situação de hoje será bem pior. Mas, vá lá, até poderá ter tocado num ponto sensível, ao afirmar a necessidade de passar à acção “...para transformar um sistema financeiro mundial moralmente falido...”

 

Veja-se então, face a isto, o parolismo lusitano. São as visitas papais, as uebsamits, os campeonatos do mundo e outras manifestações que fazem lembrar a mais descarada submissão aos grandes interesses, os piores interesses, precisamente alguns dos quais são particularmente responsáveis na criação das maiores desigualdades e, consequentemente, de mais e mais pobreza. 

Se olhassem, um minuto que fosse, para os estudos sobre a situação de pobreza em Portugal, poderiam talvez apreender qualquer coisa. Na verdade, o nosso País apresenta esta vergonhosa situação, que representa 1/5 da população em situação de pobreza ou exclusão social em 2022, a saber, 2 milhões de pessoas (19,4% da população). E veja-se, a submissão completa aos ditames de uma “união”, de um banco central, de um FMI e de tantas outras entidades não-eleita. E veja-se a subordinação de todas as políticas à moeda única e à “armadilha” da dívida e do défice. 



Gestor social", senhoras e senhores?

Se calhar é a melhor forma de “afastar” o problema, possivelmente do Estado-central para as Autarquias. Para não se falar no efectivo problema que é, nem mais nem menos, o que representa o verdadeiro assalto aos rendimentos dos trabalhadores, para o “aplicar” no aumento de renda para o Capital. 

Será que o “Gestor social” vai descobrir a pólvora e “aconselhar” o Governo a aumentar salários, a aplicar as reservas do Estado no investimento público, na Saúde e na Habitação? Será que vai dizer que é preciso acabar com o escândalo dos lucros desmedidos da banca e das grandes empresas? Será que vai investir na Justiça para todos, particularmente para os mais desfavorecidos, acabando de vez com os despejos? Será que vai dizer ao Governo que o País precisa de políticas completamente diferentes daquelas que estão a ser seguidas?

 

Claro que aquelas perguntas são completamente parvas e estúpidas. E apenas podem ser colocadas por quem está decididamente empenhado em destruir um sistema imenso, baseado na injustiça social e na hipocrisia generalizada. Ou se calhar, ainda bem, porque a pior ilusão é dos que não querem ver. Entretanto, inventam “gestores sociais” e continuam a dar voz a figuras mais ou menos execráveis como aquela do chamado “banco alimentar” que dizia que devíamos ajudar as pessoas para elas não ficarem completamente enraivecidas contra a falência total de um sistema.  

Pela parte que me toca, estou no pólo oposto, considerando que devíamos alertar (não ajudar) os cidadãos para realidade, na defesa da sua dignidade, para a sua insubmissão e revolta. Falando-lhe, ao mesmo tempo, em “coisas simples”, como, por exemplo, explorados e exploradores. Dizendo-lhes, como escrevi num artigo que tem exactamente 1 ano, mas que tem sempre actualidade: este é, cada vez mais, “...um sistema económico perverso que retira de uma classe o que falta lhe faz, para o distribuir de forma clara à outra classe, excluindo da primeira a possibilidade de usufruir dos instrumentos necessários para a mesma qualidade de vida que a outra detém.”

 

Para que a pobreza deixe de ser, como ainda é, (infelizmente) uma arma carregada de futuro.


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