25 maio 2024

SOBRE A CAPACIDADE DE APRENDIZAGEM

 

Provavelmente uma das maiores janelas de lucidez do ser humano, enquanto pensante e crítico de si e dos outros, é, sem sombra de dúvida, a capacidade de aprendizagem. Diz-se, do ponto de vista pedagógico, que pouco ou nada se ensina a um adulto, se este não mostrar alguma apetência e vontade para aprender. A vontade de aprender e de melhorar o seu estatuto social é uma determinante do ser livre e será meio caminho andado para a efectivação das transformações sociais que o libertem do jugo castrador, particularmente nas sociedades ditas avançadas, onde o “avanço” parece ser apenas no sentido da intensificação da propaganda e da castração mental.

 

Isto a propósito de uma sessão de campanha promovida ontem pela Cooperativa do Povo Portuense, respeitadíssima Entidade da Cidade do Porto e de que sou Membro. Por mais gratificante que tenha sido a ideia de juntar numa sessão, alguns Candidatos, o facto de se tratar de um debate sem direito à participação do público, acabou por constituir um factor de perturbação, ilustrado na circunstância de apenas ter havido uma pergunta de dois participantes e mesmo assim, com a condicionante de ter de ser “uma questão concreta e nunca um comentário”.

 

A sessão serviu essencialmente para mostrar a falta de capacidade da Direita para aprender alguma coisa. A Direita não quer aprender. A Direita não sabe aprender. A Direita embarca, faz parte dela, na onda reaccionária que perpassa nas sociedades ocidentais, convencidas de uma irritante superioridade moral, suportada na falsificação histórica e na ideia que existe uma democracia, baseada na “prosperidade” e na “liberdade”, como se estas asserções consistissem em si algo de concreto e sustentado. A Direita está na crista da onda e dedica-se à “nobre” tarefa de decidir, por exemplo, quem deve concorrer a este acto eleitoral. Deve, ou deveria, como foi claramente afirmado pelo representante da AD, “a estas eleições só deveria concorrer quem é europeísta”. Sendo que são naturalmente eles (os adês) quem decide quem é e quem não é, seja lá o isso for (ser “europeísta”). 

Ficou claramente demonstrado que apenas a Esquerda se preocupa com os reais problemas dos cidadãos. Que foram elencados e devidamente apresentados, perante a impotência (é este o termo preciso) da Direita, que apenas reagiu a tal, com ignorância e impreparação. E com provocações, como foi o caso do representante da IL. A incompetência da Direita ficou patente, de forma evidente, nas questões europeias e nacionais. A Direita tem somente a linguagem de glorificação do Império e do sistema neoliberal, que afunda cada vez mais os trabalhadores e os obriga a prestar vassalagem ao Capital, à banca e ao domínio imperial, do qual a dita “união europeia” é um servil vassalo e quer tornar os cidadãos dependentes, por vezes escravos, das benesses que vão sobrando e com as quais deveremos todos ficar contentes e felizes.

E o que não deixa de ser confrangedor é a posição do Partido, dito Socialista, que enche a boca com os valores de Abril e depois alinha completamente com as teses neoliberais e as práticas de enfeudamento total às directivas da “união”. Na sua incapacidade de aprender, demonstra assim como se verga perante o Capital. A sua postura centrista e “moderada” é aliás a prova sempre evidente de como a “moderação” é apenas um sinal de capitulação.

 

A capacidade de aprendizagem dos organizadores ficou também posta à prova. Não basta a pretensa boa-vontade da organização, nem muito menos servirá de desculpa para uma “moderação” fraca, impreparada e desequilibrada, sob todos os pontos de vista. Quando assim é, e foi na verdade o que aconteceu, a coisa descamba para uma direcção dos trabalhos musculada, por vezes eivada de falta de respeito e de educação. 

A capacidade de aprendizagem é muito mais bonita que o respeitinho...


20 maio 2024

SOMOS NÓS OS TEUS CANTORES (*)

 

Quando escreveu este tema, no ano de 1971, Zeca não poderia vaticinar o que hoje se passa na Palestina.  A Primavera tem monstros e canalhas e o rei vai nu. Mas nós cantamos, porque é preciso lembrar que não podemos esquecer. Hoje cantámos pela Paz, amanhã estaremos na rua, todos os dias se necessário for, para manifestar repúdio pela ocupação israelita e contra o genocídio do povo palestiniano.

 

Diz o Poema do Zeca para te livrares do medo “...Que bem cedo/Há-de o Sol queimar” e avisa, “E tu camarada/Põe-te em guarda/Que te vão matar”, vaticinando os sinais de desgraça que correm num mundo sem vergonha, que apoia, ou no mínimo, consente o terrorismo da ocupação e do genocídio. 

Nos últimos dias, soubemos que  são mais de 35 mil palestinianos assassinados por Israel em Gaza e na Cisjordânia, vítimas dos violentos e constantes ataques das forças de Israel, na maioria, mulheres e crianças. E que Israel matou 31 pessoas no campo de refugiados de Nuseirat, consequência da intensificação dos ataques aéreos e terrestres em Gaza. E ainda que a ocupação israelita cometeu 9 massacres contra famílias na Faixa de Gaza, causando 83 mortes e 105 feridos, entre 17 e 19 de Maio. E que, na semana passada, colonos israelitas armados atacaram um pastor palestiniano e roubaram várias das suas ovelhas na região de Masafer Yatta, localizada a sul de Hebron, na Cisjordânia ocupada. E também que um grupo de colonos armados atacou pastores na área de Hreiba Al-Nabi, em Masafer Yatta, pilhando e matando. E que dezenas de colonos cercaram uma casa na aldeia palestina de Bayt Sakarya, localizada ao sul de Belém, na Cisjordânia ocupada, segundo fontes locais e forçaram Abu Sawi a deixar a sua casa, mas acabaram por ser confrontados pelos habitantes locais e forçados a sair. 

Tudo isto em apenas 2 dias.

 

Entretanto, a resistência intensifica-se.   Em Bruxelas, estudantes da Universidade mudaram o nome de una sala para "Jabalia Hall", em solidariedade com o campo de refugiados de Jabalia, perante os ataques constantes das forças israelitas. As notícias dos mais variados países dão conta de manifestações e outras realizações que denunciam a ocupação e o genocídio, enquanto os seus dirigentes, burocratas comprometidos com o imperialismo norte-americano, fingem não saber de nada e, nalguns casos, ainda aplaudem, como por exemplo, no Reino Unido, apesar dos 800 mil que desfilaram em Londres a 11 de Novembro de 2023, onde as manifestações a favor do cessar-fogo, são qualificadas como “marchas do ódio”. Ou o caso do governo de Portugal, onde o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o próprio PM estão mais preocupados com os acordos que S. Tomé e Príncipe terá assinado com a Rússia...

A situação sanitária em Gaza agrava-se de dia para dia, perante a complacência internacional.  Existe uma enorme carência de medicamentos e material médico, para prestar serviços de emergência e cuidados primários em hospitais. A Agência de Obras Públicas e de Socorro das Nações Unidas para os refugiados de Palestina disse que mais de 630 mil pessoas foram obrigadas a fugir de Rafah desde que começou a ofensiva militar de Israel, nomeadamente desde 6 de Maio.

 

Se quem canta seu mal espanta e se a cantiga é uma arma, então que sirva, como no Concerto da Paz, para difundir o repúdio e a indignação. Não é possível admitir que hoje, em França, seja considerado perigoso exibir o lenço palestiniano, ou apenas apelar à Paz, sem ser visto como apoiante do Hamas. Mas, ao mesmo tempo, para promover uma sólida educação para a Paz. Divulgando e disseminando a canção do Zeca “Venha a maré cheia/Duma ideia/Pra nos empurrar/Só um pensamento/No momento/Pra nos despertar".

Assim, poderemos gritar bem alto “Somos nós os teus cantores”: Ergue-te ó Sol de verão/Da matinal canção/Ouvem-se já os rumores/Ouvem-se já os clamores/Ouvem-se já os tambores

 

---

(*) Referências expressas ao tema de Zeca Afonso “Coro da Primavera”, do Albúm “Cantigas do Maio” (1971)

 

 


09 maio 2024

A ESPIGA DA EUROPA NÃO DÁ PÃO



 

Associado a uma simbologia pagã, apropriada, como tantas outras, pela igreja católica, está um antigo ritual ligado à fertilidade e à abundância, que convoca à celebração do tradicional Dia da Espiga. Tradicionalmente, este dia era considerado como um verdadeiro dia santo, em que não se devia trabalhar e que estava reservado para as pessoas e suas famílias fazerem um passeio matinal pelos campos para colherem espigas e um ramo de flores silvestres, aprimorado com oliveira e alecrim.  Ainda existem aldeias portuguesas que celebram este dia, que antes havia sido feriado nacional. Acima de todas as crenças estará a consagração da Primavera e da natureza no seu esplendor. No plano prático encontramos similitude da espiga com o pão, essencial para o sustento.

 

Não se sabe o que o acaso nos pode mostrar, em celebrações como esta. Porque hoje também se celebra o Dia da Europa. Segundo consta do site da UE, o 9 de Maio serve “...para festejar a paz e a unidade do continente europeu”. E mais diz que a data “assinala o aniversário da histórica “Declaração Schuman”, que expôs a visão de Robert Schuman de uma nova forma de cooperação política na Europa, que tornaria impensável uma guerra entre os países europeus.”

Daquilo que sabemos do “projecto” de convergência e de união entre os povos, que teria estado na base da “construção europeia”, pode ser hoje motivo de chacota ler o que ficou atrás citado. Isso e mais a tremenda lavagem ao cérebro dos cidadãos feita pelas agências de informação ao serviço do capitalismo neoliberal, para os levarem a acreditar que há um projecto em seu apoio e ao seu bem-estar. O que vemos é a extensão dos privilégios aos senhores do dinheiro e expansão militar, ao serviço da empresas de armamento e da imposição de um regime colonial aos países da periferia. E o cúmulo de tudo isto é a Europa ser a face do mais profundo desrespeito aos desalojados e despojados, com políticas vergonhosas de discriminação e de humilhação aos chamados não-europeus, plantados em campos de refugiados, por força de políticas atentatórias dos direitos humanos. Uma Europa subjugada ao imperialismo americano, chefiada por um directório não-eleito e com um parlamento esvaziado de sentido e de poder, à mercê de burocratas e oportunistas, com uma linguagem e uma atitude destituídas de sentido humanitário, tendo como único propósito enganar, mentir, desprezar a cultura e reescrever a História. Com milhões e milhões que nunca faltam quando se trata de semear a guerra e a destruição, tentando (e conseguindo...) convencer os cidadãos de que estamos a “defender os valores do ocidente e da civilização”.

O actual primeiro-ministro português, na sua “simplicidade” de raciocínio e no seu conhecido primarismo, disse hoje uma verdade terrível: os portugueses deveriam sentir-se “contribuintes da UE”. Não cidadãos, mas sim “contribuintes”. Como que a preparar o terreno para o grande objectivo desta união desastrosa que é a Europa do século XXI:  o “contribuinte” deve ser “convidado” a “investir na defesa”, ir o mais longe possível na consagração de uma percentagem de 2% para tal desiderato.  Esse é primeiro objectivo, pois temos que nos defender dos russos, que vêm por aí abaixo para anexar o continente. Por mais estúpida que seja a ideia, a verdade é que ela parece prevalecer e é nela que querem que acreditemos.

 

Celebremos então o dia da espiga, com “jarros e perpétuos amores” e “pássaros estúpidos a esvoaçar”, como na canção do Reininho, onde se adora “...o campo, as árvores e as flores” e “todos os bichos do mato”. Mas, na celebração, não nos esqueçamos que esta Europa é uma farsa e uma mentira completa, onde “não há pão, não há sossego”, como na canção do Zeca. Onde o pão para quem precisa é sempre mitigado.

Ao “celebrar” o que querem que celebremos, demos contrapor que a espiga da Europa não dá pão.


05 maio 2024

UMA NOITE DE TERROR NO PORTO

 



 















A noite e a madrugada de 4 de Maio marcam o terror para os imigrantes do Bonfim, barbaramente agredidos por uma horda fascista e racista, na Cidade. São covardes que atentam contra a vida e os direitos humanos, indignos e indigentes, que apenas têm na cabeça excrementos da sua existência miserável. 

Quando encapuzados forçam a entrada em casa de emigrantes e os agridem com paus e sabe lá com que mais, como conta a reportagem do jornal Público, estamos perante (mais) um caso de violência intolerável, provocada por energúmenos que não merecem a Liberdade e que não são capazes de conviver com a diferença e com a tolerância. É absolutamente inadmissível que as polícias apenas consigam dizer que vão investigar, quando se conhece bem esta linguagem, que tolera e permite comportamentos daqueles. Aliás, diga-se de passagem, que as polícias estão quase sempre do lado dos agressores, basta ver a forma como reprimem as pessoas diferentes, nas suas manifestações pacíficas. E já agora, a forma como toleram, no seu seio, verdadeiros racistas e fascistas.

Quem conhece e lida com este tipo de gente, que nem merece que isso lhe chamem, sabe bem que estão dispostos a tudo, mesmo a matar. Querem e ostentam, no seu discurso e actos, a “limpeza”, que não é mais que, pura e simplesmente, sinónimo de eliminação.

Segundo o relato do Jornal, os cidadãos emigrantes fogem assustados pelo telhado e provocam barulho e estragos que alguém se apressa a perguntar “quem paga os prejuízos?”, aparentemente uma lamúria que encobre o sentimento racista e xenófobo de quem acha que “eles” estão a mais e que “...deveriam ir para a sua terra”. Alguém, na sua infinita estupidez, diz não acreditar que a casa tenha sido invadida sem motivo, “...alguma coisa devem ter feito”, a costumeira lengalenga de quem apenas pensa em si próprio e não faz a mínima ideia do que é uma sociedade solidária.

Ao dizermos que tudo isto tem que terminar, como o faz o Presidente da República, salientando que “...a violência racial e a xenofobia não têm lugar na sociedade portuguesa” deveria passar das palavras aos actos e pugnar pela igualdade de tratamento, numa sociedade profundamente desigual. Ao condenar “...veementemente, em meu nome pessoal e do Governo português, os ataques racistas desta noite...”, Montenegro diz exprimir solidariedade “...com as vítimas e reafirmo tolerância zero ao ódio e violência xenófoba”. E não deixa de elogiar “...o trabalho das nossas forças de segurança”. Aqui deve dizer-se, com toda a frontalidade, que aquelas forças são as mesmas a quem se deve atribuir a enorme responsabilidade de nada fazer, na maior parte dos casos, e noutros, de incentivar o “trabalho” dos nazis e racistas.

O principal e verdadeiro problema, é que as políticas que os “responsáveis” defendem e praticam, promovem e semeiam a injustiça e a desigualdade. 

E o medo de ser ... apenas um cidadão.


02 maio 2024

UM PRIMEIRO DE MAIO VERMELHO! 



Este sim.

Após "tantos anos a viver pela calada", ou simplesmente subjugados à ditadura mediática, eis que a rua de repente é invadida e ocupada por quem trabalha e luta, muitas vezes, pela sobrevivência. 

Assim foi no 25 de Abril, assim foi no 1º de Maio. A cor vermelha passou à frente do cinzentismo do Poder. Uma ofensiva necessária? Sim, porque estar à defesa significa recuar sempre, permitindo aos vampiros que continuem a comer tudo e a não deixar nada, alimentando-se do “sangue fresco da manada”. Sim, vampiros, como por exemplo a EDP e as grandes superfícies, Pingo Doce, Auchan, Sonae, Minipreço, Lidl. São estes que, ao mesmo tempo vêem o governo da Direita a baixarem os impostos, obrigam os trabalhadores a trabalharem Sábados, Domingos e feriados, muitas vezes sem receberem a dita “compensação”.

É disto que devemos falar, nomeadamente. Como é possível que se permita às grandes superfícies e hipermercados estarem abertas no Dia do Trabalhador?

A nova forma de escravatura passa (também) por aqui. Há que denunciar, há que impedir a tirania do Capital. É completamente falso que a abertura dos gigantes do mercado favoreça alguém. O que é verdade é que, pela obrigação forçada do trabalho aos fins de semana, se instalou o medo e a submissão. E que é também verdade é que, se andarem por esse mundo, encontram poucos, muito poucos, exemplos como o nosso, onde a parvoíce de ir fazer compras aos Domingos pegou de estaca, em prejuízo dos trabalhadores, cada vez mais explorados.  

Acordem, venham para a rua, o lugar onde a Esquerda deve estar permanentemente, na insubmissão que a deve regular e onde os poderes normalmente acabam sempre por cair.

E que viva o 1º de Maio e a luta internacionalista dos trabalhadores!


This page is powered by Blogger. Isn't yours?