13 outubro 2025

 O SÍNDROME ALEXANDRA 

 

Das eleições acabadas do resultado previsto

Saiu o que tendes visto muitas obras embargadas

Mas não por vontade própria porque a luta continua

Pois é dele a sua história e o povo saiu à rua...

Os Índios da Meia Praia”, Zeca Afonso (1976)

 

O resultado, previsto ou não, das eleições acabadas, estará provavelmente à vista, mesmo que não esteja. Acontece quase sempre, no final do acto, dizer que “foi uma vitória da democracia”, que o “povo decidiu”, ou que “o voto é soberano”, asserções cujo objectivo comum é “sossegar o povo”, agora está tudo bem, votaste e pronto. Por mais bondade que exista, aquelas afirmações representam apenas a face negra da democracia burguesa e pouco (ou mesmo nada) têm a ver com os interesses do dito “povo”. 

Hoje poderá ser uma boa oportunidade para elaborar um pensamento diferente, entroncado na realidade da política portuguesa, na pobreza relativa de grande parte das candidaturas, na diferença entre as vários tipologias de eleições, na atitude dos votantes, na crítica às “coligações”, na influência crescente da propaganda em detrimento da verdade dos factos, enfim, na assumpção de um pensamento crítico que recuse de vez o institucionalismo enquanto solução redutora e ardilosa da realidade.

É costume, no caso das autárquicas, argumentar que as mesmas nada têm a ver com outro tipo de actos eleitorais, como por exemplo, das legislativas. Que têm mais a ver com as pessoas “locais”, que os partidos têm importância relativa, em privilégio do “candidato”. Que os resultados não devem ser extrapolados ou projectados a nível nacional. Ou finalmente, que sim e que não, ao mesmo tempo, como ouvimos os diversos “protagonistas” e o respectivo séquito de “ajudantes” que, na dita comunicação social, fazem exercícios fantásticos de dizer, o mesmo tempo, a mesma coisa ou o seu contrário.

 

Vendo bem, quem são e a quem pertencem as “máquinas” que comandam as campanhas? De onde vem o apoio, o dinheiro, para montar as campanhas? Quem são as pessoas candidatas e quem as escolhe? Se pensarmos um pouco, facilmente concluiremos que a origem do “mal” das campanhas está mesmo na estrutura burocrática e centralizada da organização dos partidos burgueses e, se assim os designamos, é tão só porque é a única possível, atentando à institucionalização sistemática que ostentam e como consubstanciam a tomada de poder do estado que lhes está “associado”. Como toda a “ocupação”, o caso português transforma os dois partidos do “centrão”, PS e PSD, em donos à vez do aparelho de estado. Muito embora a extrema-direita racista e xenófoba, supremacista e mesmo fascista tenha crescido com base na insatisfação popular perante o tremendo falhanço neoliberal da sua actuação, conjunta ou separada, o certo é que o último resultado de ontem, vem dar razão a uma tese de difícil rejeição. 

 

As “coligações” entre partidos e entre estes e outros movimento de cidadãos ficam-se apenas por acordos “arranjados” entre as lideranças partidárias. São o espelho da organização partidária e da sua interpretação da democracia burguesa, uns lugares para ti, o “rosto” do arranjo para mim, porque há que ter em linha de conta o valor do meu partido em relação ao teu. Mesmo com zanga provável entre “comadres”, algumas (coligações) avançam completamente afastadas da realidade e do sentir dos cidadãos, que as vêm exactamente como “arranjos” e nada mais. O caso de “coligação de esquerdas” em Lisboa é um triste exemplo de como “não se deve fazer”: tudo programado de cima com a indicação da personalidade que a chefia, pertencente ao PS, claro, mesmo sabendo que a pessoa em questão estaria, com todo o respeito, desenquadrada da questão autárquica. Depois de estabelecida, o grupo estenderia a mão ao representante da CDU, oferecendo-lhe a vice-presidência. Um reconhecimento feito ao melhor autarca de Lisboa, na opinião da grande maioria, bastava ouvi-lo discernir e falar sobe todas as matéria relacionadas com a chamada “gestão autárquica”. Dada a recusa, natural e legítima, de João, a trupe de comentadeiros, encartados ou não, da direita e de muitos da esquerda, viria desancar o “melhor candidato”, como o verdadeiro responsável pela quebra da “unidade da esquerda” e, espante-se, como a melhor “passadeira” para a vitória de Moedas. A muito poucos interessa que os dois “centrões” (PS e PSD) estiveram quase sempre de acordo, tendo o PS caucionando a maioria das posições de Moedas, chamando por isso a si a responsabilidade pelo afundamento da Cidade, em praticamente todos os desmandos de uma governação perversa. Neste particular das designadas coligações, a única coisa que se poderia apontar à CDU é mesmo não ter sido o grande impulso de uma verdadeira coligação alargada da Esquerda, mesmo atendendo à relativa pobreza e, nalguns casos, a uma perfeita irrelevância dos eventuais protagonistas. No final, a noite de ontem, Alexandra foi mesmo o espelho da derrota, tendo a seu lado os rostos acabrunhados de uma Mariana e de um Rui (já para não falar de mais), perfeitamente rendidos a uma condição de dependência e de subalternidade evidentes. 

 

Se existir uma metáfora para campanhas que, apesar de terem elevada visibilidade mediática e protagonismo centralizado numa figura carismática, não conseguem traduzir essa exposição em resultados eleitorais concretos, temos definido o “síndrome Alexandra”. Como uma “verdadeira democrata”, Alexandra assumiu inteiramente a responsabilidade pela derrota, prometeu fazer uma oposição "rigorosa, firme e prepositiva". É isso que se espera, excluindo (ou incluindo?) os parabéns à vitória de Moedas.

 

O exemplo de Alexandra serve em toda a linha para a derrota do Partido, dito “Socialista”, a nível nacional. Poderá eventualmente cantar as vitórias de Bragança, Coimbra, Faro e Viseu, mas os militantes verdadeiramente socialistas nunca irão perdoar ao desastrado líder que “escolheram”, nem ao facto evidente de um campanha falhada e derrotada. Ao falar, como sempre, sem qualquer sentido do ridículo, Carneiro disse que “...o partido voltou como grande alternativa política ao governo e mostrou vitalidade.” Fantástico.

Poderá ter havido um excesso de personalização? Terá havido uma desconexão entre os temas da campanha e as preocupações reais dos lisboetas, seja lá o que isso for? Ao contrário de João, Alexandra nunca foi capaz de enfrentar Moedas, em apontar os podres da sua gestão, porque vendo bem, eles poderão ser os mesmos, e, segundo o que se costuma dizer, as pessoas preferem o original à cópia.

O síndrome Alexandra é um bom espelho à frente do qual o PS pode puxar as orelhas até ao chão. Mas obviamente que isso não vai acontecer.


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