12 setembro 2004

FANCY

Fancy é uma iraquiana de 38 anos. Vivia em Najav, antes da ocupação. Funcionária pública, casada com 2 filhos, um de 4 e outro de 13 anos. O marido, professor de 41 anos. Membros de 1 grupo de esquerda laica, não reconhecidos pela ditadura de Saddam, ocupavam quase todo o seu tempo livre na propaganda política, por uma país diferente, com riscos incalculáveis para a altura, dado que o regime não o permitia. Fancy é hoje, após a ocupação, uma de entre centenas de milhar de iraquianas, sem emprego, sem esperança, sem qualquer expectativa que não seja a sobrevivência do dia a dia. Perdeu a família mais chegada, marido e filhos; os filhos morreram nos escombros de uma das "bombas cirúrgicas" da aviação "aliada" e o marido morreu com mais quase 20 pessoas quando se dirigia para a Escola, num daqueles ataques da artilharia ligeira americana que procurava atingir e liquidar um qualquer perigoso terrorista numa camioneta cheia de civis. É neste momento uma de muitos potenciais candidatos a mártires da causa islâmica.

O exemplo (poderiam encontrar-se milhares deles...) é o espelho de um País destruído pela criminosa ocupação americana, inglesa e apoiada pelos respectivos lacaios do costume. Uma situação absolutamente incontrolável, com milhares de mortos, miséria generalizada, medo, insegurança, fome e destruição permanente, o caos provocado por políticas assassinas, ao serviço dos interesses inconfessáveis do dinheiro, do petróleo, do controle dos senhores da guerra, dos negócios do tráfico de armas e das influências do poder absoluto, mascarado de "democracia". Tudo isto para combater muitos daqueles que em tempos recentes foram os seus aliados principais na luta contra os "perigosos comunistas".

Do "outro lado", dia a dia se afirma um fundamentalismo islâmico cada vez mais cego, onde os direitos individuais não são reconhecidos, onde a mulher é subjugada e humilhada, onde campeia a mais absoluto desprezo pela vida humana, com apelos irados ao martírio e ao paraíso prometido (?). Para nós, que prezamos a liberdade, a verdadeira democracia, um estado laico, direitos e garantias individuais e qualidade de vida inerente aos direitos humanos e à evolução científica e tecnológica, é absolutamente impensável e incompreensível a linguagem suicidária destes indivíduos, organizações e alguns estados. Facilmente os apelidamos de terroristas, de fundamentalistas e os associamos ao Mal absoluto, ao terror e ao reino das trevas. É porventura mais fácil, mais imediato e mais prático.

Sabemos da história (desgraçadamente) o resultado de todos os fundamentalismos; as interpretações rigorosas dos textos religiosos, principalmente; desde o início da civilização que, em nome da Fé, se mata e destrói, sem qualquer problema. Se repararmos e pensarmos um pouco, como é possível por exemplo, que em pleno século XXI, a hierarquia da igreja católica, proíba o uso de um simples preservativo, quando o SIDA é uma das principais causas de morte no Mundo inteiro? É só um exemplo; só para demonstrar que há coisas que ultrapassam a compreensão do vulgar cidadão e que só se justificam pelo atavismo e pela mais elementar falta de lógica... E isto passa-se bem perto de nós...

Quantas coisas que não compreendemos, quantos atentados à liberdade assistimos todos os dias... Hoje recebi uma mensagem, chamando-me à atenção que pertenço aos 8% de privilegiados que tem emprego, casa, família e alguma qualidade mínima de vida… Não posso queixar-me, pois. Paralelamente talvez pertença também a uma minoria que, por ter acesso á informação, não se conforma com as injustiças, não suporta a ideia de viver num mundo cão onde 2/3 da humanidade passa fome ou vive abaixo do limiar mínimo de pobreza, onde a mortalidade infantil aumenta assustadoramente nos países do 3º mundo, onde ainda existe 3º mundo, à custa do acumular de riqueza sucessiva dos principais grupos económicos, que ditam as leis e paralelamente vão destruindo os recursos naturais do planeta, na ânsia do lucro fácil e da exploração. E são eles que fazem as guerras e têm as armas; há outros que só têm pedras para lhes atirar, não é verdade???

Para quem é minimamente sensível, é difícil aceitar que haja pessoas que sejam capazes de se meter num avião, desviá-lo e atira-lo contra um edifício, só para chamar atenção, sabe-se lá de que causa
Da mesma forma, não pode aceitar também que, em nome de uma democracia mais que duvidosa, se destruam estados, povos, pessoas, famílias inteiras, só para se apropriar (leia-se roubar ou pilhar!) os recursos e os bens e possivelmente, a esperança e o gosto pela vida.

É bom que haja pessoas (cada vez mais…) que não aceitem fazer parte de nenhum destes grupos. Decididamente! Seguramente!

Qualquer apelo num tempo sem esperança como este deve ser decisivo ao afirmar os direitos das pessoas, a cidadania, o livre pensamento, o gosto de viver, a possibilidade de poder apreciar e ajudar no crescimento de uma criança e de poder ver o Sol nascer todos os dias…

Se calhar é mesmo "só isso" que Fancy pediria neste momento! Será pedir muito???

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