16 maio 2010

Com papas e bolos se enganam os tolos…




Escreve, pois, o que viste,
tanto as coisas actuais como as futuras
.”
Versículo 19, “Livro do Apocalipse, Cap. I”, Novo Testamento“

"Fora os cães, os envenenadores, os impudicos,
os homicidas, os idólatras
e todos aqueles que amam e praticam a mentira
Versículo 15, “Livro do Apocalipse, Cap.XXII”, Novo Testamento







A diversão e o delírio da política portuguesa da última semana, deixam perplexos os habituais comentadores / comentaristas / colunistas, ou simplesmente curiosos e mais ou menos atentas(os) cidadãs(aos). A confusão instalou-se definitivamente em Portugal e a comunicação social continua a alimentar os mesmos interesses de sempre, deixando passar a imagem da desventura da famigerada crise em que nos obrigaram a entrar. O objectivo contudo é por demais claro: fazer crer que teremos que pagar pelos erros sucessivos das governações alienadas ao poder voraz do liberalismo económico mais primário de que há memória. E a que os Governos europeus prestam vassalagem, abdicando de princípios de defesa dos direitos elementares de quem os elegeu.
A chanceler alemã Angela Merkel (AM) “…saudou o esforço de contenção português e sublinhou a importância da consolidação das finanças públicas de todos os Estados-membros da Zona Euro(a) . E logo a seguir, num assomo digno de patrão ganancioso, afirmou que têm que ser os “grandes países europeus” a comandar a política e que esta crise sobre o futuro do euro não é uma crise como as outras. “É o maior desafio que a Europa enfrenta desde 1990 ou mesmo nos últimos 53 anos, desde a assinatura do Tratado de Roma. Trata-se de um desafio existencial(b) . O “desafio existencial“ a que se refere a dama da direita alemã, poderá ter a ver com a frustração própria de quem já perdeu a perdeu a maioria no Bundesrat, dada a maior derrota de sempre imposta à CDU e aos liberais do FDP, na Renânia do Norte. Na linha de raciocino de AM está, para além do desespero da derrota eleitoral, a defesa estrebuchada das medidas do Banco Central Europeu, que não acerta uma, desde que a confusão dos mercados se instalou.
Está portanto claro quem manda politicamente na Europa? Claro que não. E é precisamente por isso que o poder absoluto das ditas “agências de rating” e da especulação económica desenfreada se vai espalhando um pouco por toda a parte, deixando a nu a verdadeira face do liberalismo e do roubo descarado de bancos, agências financeiras, especuladores de todos os feitios, retirando sempre mais uma fatia aos trabalhadores e pagando sempre cada vez mais aos verdadeiros responsáveis pela dita “crise”. Tudo artificial, meticulosa e cirurgicamente construído, para fazer crer na inevitabilidade das medidas de contenção, de redução de salários, de aumento de impostos, de cortes nas regalias sociais, de protecção ao emprego, enfim dos tais direitos do estado social. O rotundo falhanço do “modelo social europeu” aí está, até para quem anda mais distraído.
Enquanto isso, temos papa, cerimónias, púlpitos majestosos em Lisboa e Porto, tolerâncias de ponto, uma imagem nunca vista desde o Estado Novo, em que o regime aclamava o ditador católico e se organizava para produzir um espectáculo legitimador da ditadura. As patéticas declarações de Cavaco Silva são uma cópia de … Américo Tomás. Nunca saberemos (?) se este “regime” também mandou “fretar” autocarros, comboios e barcos para trazer aquela gente anónima e crente que vem da província para aclamar o homem que encobriu as violações de crianças por padres pedófilos, quando era o perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé (Congregatio pro Doctrina Fidei), que assumiu a mais violenta cruzada de que há memória conta o uso do preservativo, da pílula, da interrupção voluntária da gravidez, da união e/ou casamento entre pessoas do mesmo sexo, defendendo cândidamente a “castidade”. Enfim, mais uma vergonha completa, que espezinha os Direitos Humanos. Voltando a Cavaco, lembro a Carta que lhe enviaram milhares de cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, “motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade”, que subscrevi e onde se pode ler, por exemplo: “Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade. Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas. ”
Vale a pena ainda recordar (é sempre bom recorrer a factos) que a dita “Congregação” é a mais antiga das nove congregações da Cúria Romana da instituição que dá pelo meigo e suave nome de “Santa Sé”; e ainda que a mesma deriva directamente da chamada Suprema e Sacra Congregação da Inquisição Universal da Idade Moderna e era responsável pela criação da Inquisição em si. Este papa é (ou foi, tanto vale…) o inquisidor-mor da hierarquia da Igreja Católica, Apostólica e Romana.
Para a história (ou para o caixote do lixo da dita…) ficam ainda as bajuladoras palavras de José Sócrates, falando sempre em “sua eminência”, mostram a verdadeira face de um político de meia-tigela, todavia sempre triunfalista, na sua posição de mentiroso compulsivo, agora que descobriu a sua alma gémea… para enganar os que quiçá julgará tolos.

Juntando um excelente bolo(s) ao papa(s), tivemos as tolerâncias de ponto que custaram ao País 37 milhões de euro por dia, qualquer coisa como perto de 100 milhões. Muito interessante para um PEC que não é, nem mais nem menos, que a outra face do bolo, o pacote amargo (há bolos que são assim…) das “medidas de contenção” á portuguesa: o aumento do IVA, o aumento do IRS mais o corte (disfarçado) de 5% nos vencimentos dos políticos. Para reduzir o défice para 7,3 por cento em 2010 e 4,6 por cento em 2011. Para “poupar”, o Governo reduz em 1%, o salário de quem ganha menos que 2.375,00 euro por mês, o que significa na prática um corte aos assalariados e reformados, ou seja, 90% da população. Medidas “vitais para defender a economia do país e reforçar a credibilidade” (c), diz o primeiro-ministro. Curiosamente, é exactamente o contrário: afundar ainda mais a economia do País, passando o investimento para os níveis de há 33 anos atrás, fazendo com que o peso do investimento público no PIB não ultrapasse os 2%. e reforçar a fidelidade canina aos grandes interesses do capital financeiro e aos ditames mais que duvidosos de AM e Sarkosy.


Mas o que José Sócrates e o seu lacaio da última hora não falam, apesar de o saberem muito bem (já que são responsáveis por isso), é o que Portugal é o 2º País mais desigual da Europa: no “coeficiente Gini”, quanto maior o valor, maior a disparidade entre os rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres; o valor era de 36% em 1997, continuava igual em 2008, 6% acima da média da União Europeia. Uma realidade que devia envergonhar os responsáveis; para ficarmos em 1º lugar, só restam 2 pontos percentuais. O PEC e as recentes medidas de emergência da última semana, terão decerto a intenção de igualar a Letónia, na tabela da classificação da vergonha europeia, uma União dos interesses dos ricos e poderosos.


Os tolos porém, não são de todo tolos. Há tolos que, embora o pareçam, não o são. Há tolos que não são tolos. Há tolos que são mesmo tolos. Há tolos que aprenderam a ser tolos. Há tolos que querem mesmo ser tolos. Os que ainda estão na fase de expectativa, entre serem e parecerem, irão decerto acordar, para não serem tomados por tolos de novo. A coisa parece complicada; não o é contudo, se atentarmos a que existem alternativas a “papas e bolos”. Para atirar à cara dos senhores do “centrão” que nos querem tomar, não por tolos, mas por parvos. Isso é pior.

(Fim da 1ª parte)
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(a) Agência Lusa, 13 Maio 2010
(b) Fonte: Euronews, 15 Maio 2010
(c) Agência Lusa, 13 Maio 2010


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