08 agosto 2010

Intimissi to me?


Um homem sonha acordado
Sonhando, a vida percorre
E deste sonho acordado
Só acorda quando morre


António Aleixo



Como tudo que acaba / como pedra rolando numa fraga / como fumo subindo no ar / assim estou quase indiferente / caminhando sem mais notar a gente / que por mim vejo passar(1), oh, oh, é pois o Verão da canção, rima e é quase verdade, as coisas acontecem sem que a gente faça nada, quase nada, por isso, os corpos e o resto ao sol para, dizem, recarregar as baterias, qual aparelho eléctrico ou electrónico, com o qual nos comparam, vá lá saber-se porquê. Na mui digna Vila Real de Santo António, fomos parar, não para pensar, como também se usa dizer, mas simplesmente para curtir uns singelos dias de merecidas férias, privilégio de alguns, nos tempos difíceis que nos cabem em sorte. No extremo sudeste do País, zona raiana, cidade do Marquês de Pombal, conquilhas e bolas de Berlim, licores e amarguinhas que haveríamos de usar apenas para servir de apoio a conversas da treta pela noite fora, algumas compras, ao que parece mais baratas, jantares em deliciosas esplanadas, outros em casa, porque isto de jantar fora custa dinheiro (…), ele que está cara à brava, muito embora os portugueses estejam ora mais satisfeitos que nunca, já se escreveu sobre o tema, valha-me deus, que alguns ainda acreditam nisso, mas enfim, férias. Há ainda que dizer que, nesta terra, como em muitas outras aliás, manda o meu Benfica, é uma delícia para o ego, refiro-me ao meu, fomos ver o torneio, golos a rodos, até quem não é, passa a ser, devaneio que arrogo, ora os do Sporting que têm por lá uma pequena barraca, onde imagine-se se pratica uma coisa nunca vista que dá pelo nome de “futebolim”, os “nossos” têm uma Casa com gabarito. Mas há mais, que esta cidade traz á memória a minha querida Lisboa, capital que foi do império, capital que é do nosso Portugal, onde todos, que dizer a grande maioria, trabalha dia a dia por dias melhores. Melhor ainda, a memória do grande poeta Aleixo, com um Centro Cultural instituído à memória do Poeta, ostentando numa das praças centrais um monumento onde se pode ler o poema de apoio desta crónica de silly season, que serve, entre outras utilidades mais ou menos parvas como a época, para evocar outras mais ou menos sérias, se tal for o caso, fica ao arbítrio livre de cada um, pois livre é o pensamento e o sonho, sendo que este “É uma constante da vida / tão concreta e definida /como outra coisa qualquer”, que o Freire diz na sua filosofia da Pedra.

As pedras da calçada. Como as palavras se soltam, tal como elas, vem ainda á liça, muito a propósito o “absolutismo esclarecido”, que do Marquês aqui fazem testemunho, mas que, no espírito iluminista revitalizado pelos governantes, ditos socialistas, bem assentaria porventura ao chefe (deles), nesta fase do campeonato, apesar de o dito só começar para a semana que vem…

Ficam para memória dos dias, que a têm sem qualquer dúvida, o sol, sempre o sol, o Caminho dos Paus, o senhor Lidl, as arenguisses gitanas, as suas cantorias de vão de escada, os sempre atentos e atarefados mosquitos, as caminhadas para a bica em Monte Gordo, as alforrecas, os esbeltos corpos das raparigas que sempre apreciamos, a areia que se vai entranhando como que fazendo parte de nós, os jogos da bola na dita, a imaginação ao poder pois claro que, num arrebato retórico nos transportam ao Táxi Driver onde, ao que consta, Scorsese terá dito a De Niro para improvisar e dizer o que quisesse, na célebre frase do espelho, ora transformada no título mais parvo escolhido, diria melhor recolhido, ao mirar uma loja de roupa interior: “Intimissi to me?”


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(1)Citada de: “O verão”, por Carlos Mendes, Pedro Osório e José Alberto Diogo, 1968

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