30 setembro 2010

A ignóbil ameaça

As medidas hoje anunciadas pelo Primeiro-Ministro confirmam as previsões dos analistas sobre o já designado PEC 3, ou seja, um terceiro assalto ao bolso dos portugueses mais desfavorecidos, em nome da “consolidação orçamental”, do “interesse nacional”, ou no limite, recordando tempos passados, “a bem da nação”. Convém desde já ler como deve ser, não esquecendo que tudo isto vem sendo devidamente preparado, nos jornais, na rádio e na TV, por comentadores políticos e económicos sobejamente conhecidos pelo seu horror aos trabalhadores. De facto, Medinas, Catrogas, Miras Amarais, Salgueiros, Cadilhes e outros da mesma laia, a quem é dado tempo de antena de forma vergonhosa, foram destilando a pouco e pouco a sua verborreia, induzindo medidas que agora são uma realidade. Esses embaixadores da desgraça, que recebem mais que uma reforma dourada, acabam por convencer a opinião pública da inevitabilidade de uma situação que ajudaram de forma velada a criar. E agora aí está: os cortes nos salários, o aumento escandaloso do IVA, os cortes nos benefícios sociais, tudo devidamente quantificado. Tudo, menos uma tímida medida, designada “imposto sobre os serviços financeiros”, decerto para ficar na sombra, numa névoa suficientemente light, para disfarçar o resto.

A “consolidação orçamental”, não passa de um mito. A obsessão pelo défice vai até ao limite de matar a economia pela raiz, destruir o aparelho produtivo, em nome de uma terciarização sem bases sustentáveis, seguindo as ordens de uma confederação de interesses de uma União Europeia verdadeiramente fracassada, enquanto projecto e vendida ao poder do sector financeiro especulativo, produtor da crise e protegido pelos Estados e pelos Governos centrais. Como interpretar, por exemplo a protecção oferecida à Banca, em Portugal, que pagou ao Estado 5%, em 2009, menos 20% que qualquer empresa? Quem dita o que se deve fazer é a OCDE: “O esforço de consolidação orçamental de que a economia nacional necessita é considerável e, por isso, o Governo português deve estar pronto para aumentar impostos” (27/Setembro 2010).

O “interesse nacional”, uma figura de estilo utilizada pelo Governo, para pedir sacrifícios ao povo, reforça a ideia da inevitabilidade. Mas o que é de facto o interesse nacional? O interesse de um trabalhador que ganha o salário mínimo nacional será o mesmo que o de um gestor da Banca, de uma grande Empresa, de um seleccionador nacional de futebol? Só mesmo um parvo, ou demente mental pode acreditar em semelhante alegoria. Mas é assim que se constrói mais um mito, ao tentar meter no mesmo saco tudo e todos. Por isso, é que esta treta é rigorosamente a mesma coisa que a figura abjecta, utilizada por Salazar: “a bem da Nação”. Um exemplo bem recente veio precisamente do Ministro dos Negócios Estrangeiros que defendia a imposição do limite do défice, na própria Constituição da República…

Por essa Europa, os governos aparentados com a designação “socialista”, são os melhor cumprem a tarefa de aprofundar a diferença abissal entre ricos e pobres. Utilizando uma linguagem “social” e “reformista”, vão levando a cabo uma vergonhosa política de submissão aos interesses do capital, desvalorizando o valor do trabalho, reduzindo a margem de manobra das organizações dos trabalhadores, promovendo de facto a precariedade e, no limite, o desemprego. Tem sido esta a linha do Partido Socialista no nosso País, sempre aliado à direita parlamentar, elegendo sempre os mesmo, como parceiros para aprovação de orçamentos, PECs e outras medidas penalizadoras dos trabalhadores. Aí sim, está a olhos vistos, uma conjugação de interesses, já que, na prática, são invariavelmente os mesmos: vão dividindo entre si os postos-chaves do aparelho de estado, da cúpula das empresas públicas e dos bancos, fontes propícias ao esbanjamento de recursos, espaços de partilha de regalias incomensuráveis e no limite, de escândalos sucessivos, alguns deles com resultados bem conhecidos.

A ameaça é mesmo ignóbil. Aos direitos dos trabalhadores, à sua dignidade pessoal e profissional. A redução progressiva do poder de compra e da estabilidade no emprego, induz o receio e o medo de represálias. O poder reivindicativo dos trabalhadores nestas condições é praticamente nulo. A sua inserção numa sociedade de liberdade e democracia é ferida de morte. Em Portugal, convém não esquecer, há 2 milhões de pessoas, perfeitamente arredadas de direitos, vivendo em condições de pobreza e/ou de pobreza extrema. Aquela que é apresentada agora pelo Governo como uma medida “patriótica e de interesse nacional”, o aumento do IVA para 23%, vai significar o aumento de preço dos bens essenciais, dos transportes, dos medicamentos, enfim de praticamente tudo, penalizando as camadas mais desfavorecidas da população.

A ameaça, para além de ignóbil, é também imoral. Estimula e amplifica as desigualdades. Merece repúdio generalizado. Implica uma resposta rápida e eficiente das organizações dos trabalhadores e outras organizações da sociedade civil. Como hoje já aconteceu em toda a Europa, nomeadamente em Bruxelas, com 100 mil manifestantes vindos de toda a União Europeia.

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