03 março 2013
O
povo é quem mais ordena?
Devia ser!
Não é, de facto e disso lamentamos,
sofremos, verberamos. O povo nada ordena, antes é ordenado de uma forma vil, aterradoramente
subjugado, como antes talvez não tenha acontecido. Atado a grilhões que
desenham a mais terrífica campanha contra o ser humano que, ao invés de ser
protegido, ao abrigo dos mais elementares direitos, é vilipendiado, sugado e
triturado numa poderosa máquina, construída precisamente para esse fim. Vai longe
o tempo em que curiosamente cantávamos Vila
Morena, Terra da Fraternidade. Com alegria, orgulho de ser português aqui. Cantamos
de novo, agora com a mágoa, a garganta presa, de raiva. De medo, ali ao virar
da esquina, o perigo espreita, não estamos preparados para tanta repressão,
disto se trata afinal, parece não haver regras para nada, no que toca a cortar na
dignidade mínima, na vida. De forma cega, cuidadosa e meticulosamente dirigida,
para os que trabalham e fazem enriquecer o País. E que agora, de novo, vão
enriquecer uma clique cada vais mais infame, mais bruta, disfarçada. Aqui e
além de laranja e cor-de-rosa foram pintando o mais cinzento panorama de que há
memória, ocuparam tudo que havia para ocupar e agora, de forma mais ou menos
enviesada, defendem o seu território, como hienas famintas de mais e mais. Sabemos
lidar com tanta ignomínia? Que direitos nos são sucessivamente sonegados, o
custo de vida aumenta e o vencimento diminui. Pagamos a factura mais cara da
Europa em impostos e não chega. Temos o salário mais baixo da Europa e não dá. Somos
o país mais desigual e a resposta é mais e mais desigualdade. Com a cabeça fria
da elite mais cretina e rasteira de que há memória, a mandar licenciados para
as matas, formados para a emigração, professores para a caixa do supermercado,
o saber e o conhecimento de uma geração, de várias gerações, para o caixote do
lixo, que eles é que sabem, desde que lhes esteja garantido a palavra, a declaração
sem sentido, a mais assustadora mediocridade, o lugar-comum mais estreito, a
estuporada máxima de servir o País, a pífia e abjecta frase feita, a
desprezível opinião formatada pela trela do insulto à inteligência. O ponto a
que se chega é o ponto donde se parte, nada se resolve, a não ser mais e mais
injustiça, aguentas não é verdade, se eu aguento também, a lógica infame de um
bando de ladrões, pior que ladrões em bando. O bando do banco, da banca, essa
sim devidamente protegida, adulada, acamada na doce reserva da protecção. O estado
do Estado a que estamos assistindo, onde um burlão descansa em Cabo Verde,
outro parte para negócios em Moçambique e um outro está de pedra e cal num
governo de símios inferiores. Agarrados ao poder, para um lado e para o outro
da miséria de um país, que sofre, que se deprime só de olhar para as imagens da
TV e ver como é possível que Grândola ainda esteja cá e não tenha sido
exportada para um qualquer paraíso fiscal, ou medida de alto a baixo pela polícia,
como no tempo do outro. No entanto,
dentro de ti, ó cidade, há ainda gente armada que te possa defender. A cantiga,
que de arma foi feita é agora evocada, renascida, trazida para um tempo amargo.
Em cada esquina se cruza e traz decerto outro amigo também. O povo acorda,
nunca é tarde, mesmo que não haja pequeno-almoço para tomar, já que pelos visto
é preciso começar de novo, com o pão, a paz, a saúde e a educação. Esta corja
não sabe o que isso é, porque nunca lhes foi necessário, tudo têm à mão, porque
o subtraíram a quem trabalha. Muitos delas e deles foram-nos alimentando sem
saber, fizeram-lhes a cama sem gorjeta, levaram-nos ao colo para onde agora
estão. Acordaram agora? Indignados, Indignai-vos!,
poderia dizer o Homem que partiu (a),
deixando o apelo mais digno, mais necessário, mais urgente. Como ele, afirmamos
seguramente, "A minha longa vida
deu-me uma série de motivos para me indignar".
Destruir. E construir o que é preciso. Em cada
rosto igualdade, isso é que está certo, foi para isso que fizemos a revolução. Para
então, ser de novo, O povo é quem mais
ordena!
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(a)
Referência a Stéphane
Hessel, Diplomata, ex-combatente da Resistência, que morreu em Paris, na semana passada