03 fevereiro 2014
Sim,
senhor doutor! |
Devo uma explicação.
Só hoje falo das praxes, dado que nos últimos dias estive a modos que
“raptado”. Acontece que, sem que fosse minha intenção, fui apanhado por um
grupo de doutores e caloiras, que me fizeram uma espécie de lavagem ao cérebro,
fazendo-me acreditar que o relógio do Portas tinha saltado no tempo e ainda
estávamos sob ocupação da troika e que o meu salário havia encurtado 36,32%, em
apenas 2 anos. Incrível, não é?
Na Academia onde vou ocupando o meu tempo, cruzo-me
diariamente com pequenos, às vezes mais grandes, de alunos, que dão pontapés
violentos na língua materna, vilipendiando costumes tão queridos a nossa
Pátria. Uma vez, ao passear numa praça pública, no fim do jantar, o chão de
terra batida no jardim completamente enlameado, um grupo de caloiros
arrastava-se pelo chão, gritando vigorosamente a frase do título. Parei para
ver esse lindo espectáculo e, comovido, lá me juntei a eles e a elas, puxando
as orelhas, havendo de jurar fidelidade aos doutores, que como eu, fazem as
venturas da Academia. Uma vez, numa reunião de um dos órgãos de decisão,
respondi a um colega, que me afrontava, sim senhor doutor! Apesar de ele ter ficado com cara de parvo,
foi uma maravilha.
Devo dizer, é tão bonito dizer isto, no meu tempo
não era assim. Em Coimbra, não me foi permitido ser caloiro a sério, era um
“caloiro estrangeiro”, nem vos digo porquê. Em vez da tradicional “rapadela” de
cabelo, apenas “apanhava nas unhas”, quando pela noite me aventurava na
“baixinha”. Serei pois, deixem que vos diga, um tremendo apaixonado pelos
rituais académicos mais ilustres, como por exemplo, almoçar na cantina, com o
tabuleiro em cima das pernas cruzadas, cu no chão, limpando o soalho para não
dar trabalho às senhoras da limpeza. Sim
senhor doutor!
À entrada do anfiteatro acumulam-se meninas e
meninos, nem dá para tentar entrar. Não faz mal, a faculdade não é só aulas, a
queima é muito mais importante e, que pena, ainda faltam uns meses… Acostumado
ao barulho ensurdecedor, mas decerto estimulante, nem dou pela passagem do tempo, hoje é mais
cedo que ontem, que baralhada.
Há quem diga, há sempre gente assim, que a praxe a
que sujeitam os caloiros é uma forma de iniciar a submissão, em termos sociais.
Que nada, faz bem que os universitários, futuro de um país, se habituem ao
lugar que vão desempenhar. Se não for cá dentro, que seja lá fora, também o
País é tão pequeno, que se ficássemos todos em casa, era uma tremenda confusão,
o dinheiro não chega, vivemos tanto tempo
acima das nossas possibilidades, assim nos ensinam os que governam que, com
grande sacrifício pessoal, se entregam a tão nobre tarefa.
Finalmente, há sempre gente maldosa a dizer, que o “sim, senhor doutor” é uma manifestação
de cariz fascizante, pelo que engloba de aceitação tácita de autoridade. Que
exagero, apenas vejo nisso um sinal de respeito. E, o respeitinho é muito
bonito, disse já não sei quem. Ontem, a propósito, um aluno atirou-me a porta
na cara, tropecei , dei com as fuças no chão, espalhei a papelada toda, ele nem
deu conta, coitado, ia com pressa certamente, é a vida.
Cheguei ao
gabinete, porra que frio!