29 agosto 2014
Um
Alien revivalista, aqui…
Aterrado no cruzamento, o personagem ressuscitava Azimov [1],
transportando-o debaixo do braço, sob a forma de livro, unido a ele pelas leis
da física que conhecemos. O mentor haveria de supor, há 50 anos, um ano de 2014
com casas debaixo de terra e cidades no mar. E, curiosamente, a acentuação das
desigualdades entre ricos e pobres. Nos 4 caminhos, o personagem rodava quando
o automóvel se aproximava, escondendo dos terrestres a sua verdadeira face. Um
fenómeno que Azimov bem poderia ter imaginado, quando dedicou a sua vida a
nobre causa da bioquímica, temperada com a ficção científica, circunstância que
o levaria até a ser considerado um mestre, equiparado a Artur C. Clark [2]. Bem
vistas as coisas, a maldade de esconder a face acaba por ser uma constante dos
tempos que correm, em que um rosto invisível e de contornos mal definidos
domina as vidas daqueles que ainda sonham com a luz. Ingrata, a passagem das
horas, remete-nos para uma realidade sinistra, que renegamos inconscientemente.
O personagem, em vez de nos convidar a entrar na sua nave, roda 180 graus sobre
si próprio, apenas permitindo ver o autor do livro que transporta. Que, por sua
vez, nos remete para um afastamento da natureza, quiçá um Império Galáctico [3], sob
a égide de uma qualquer Goldman Sachs.
Assim, o dia em que personagem passou por aqui, ficará marcado pela certeza e
pela incerteza. Quanto a primeira, dificilmente se poderia imaginar o fim de
tarde atribulado que provocou. No que concerne a segunda, daremos como
adquirida a dúvida legítima “estivemos realmente lá?”. “Sentir tudo de todas as maneiras / Viver tudo
de todos os lados / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo
tempo…”[4], sentenciou o Poeta, na
sua fase decadentista. Comungamos com ele porventura, ao deparar com o
personagem? Ou, por outro lado, “matamos” o personagem, simplesmente por
incomoda a nossa débil existência? De qualquer forma, pelas dezassete horas e
trinta minutos do tempo que conhecemos, no cruzamento assinalado no mapa, haveria
de ocorrer um fenómeno. Fica o registo de um protagonista ansioso, mesmo sem
saber muito bem de quê…
[1] Azimov, Isaak
Yudavich (1920/1992), escritor e
bioquímico americano, nascido na Rússia, autor de obras de ficção científica e
divulgação científica.
[2]
Clarke, Arthur Charles (1917/2008), escritor
e inventor britânico, autor de obras de divulgação científica e de ficção
científica
[3] Referência a uma série de contos
de ficção científica, com esse nome, do autor Azimov
[4] Excerto de “A Passagem das Horas”, Álvaro de Campos, 1916