22 setembro 2014


 
 
 
 
 
 
 
 
Às vezes é bom rever a história do nosso País.
No final do século XXI e inicio do século XX, podemos encontrar belos exemplos de patriotas e democratas que, sem papas na língua, brandiam na decrépita monarquia e depois, nos traidores da Pátria, no alvorecer da I República. Não existia o politicamente correcto, não havia o famigerado “centrão”, despontava o ideal socialista na sua pureza, os revolucionários não tinham medo de o ser, a política ganhava estatuto, os cidadãos começavam a compreender a cidadania.

Guerra Junqueiro (1850-1923), poeta revolucionário, autor também de bela e inspirada prosa, foi uma dessas figuras, tendo contribuído com a sua acção cívica e politica para o derrube da monarquia. O texto que se segue é uma colagem de palavras integralmente suas, vai devidamente citado e datado, dá ganas de o tomar por actual, e como tal faço, com a devida vénia, a minha:

 PROCLAMAÇÃO 

Caros Concidadãos,

O que há de mais baixo no homem, a imbecilidade, a vaidade, a inveja, a hipocrisia, a cobiça –gula de porco,, veneno de réptil, cinismo de macaco, rancor de fera – eis o governo da nação, eis a norma da Pátria. Quem nos governa, quem nos tem governado? Ladrões! Mas, nem só ladrões, também idiotas vulgares, ambiciosos medíocres, a farsa além da infâmia, a estupidez além do crime.
Mas, uma ordem social, que eleva criminosos a martiriza justos, é a negação das leis humanas, e cumpre-nos arrasá-la de alto a baixo, a ferro e fogo, até aos alicerces[1]. “A sociedade portuguesa está organizada para o mal. Não é já o mal esporádico e fortuito, em casos isolados que rapidamente se combatem. Não, é o mal colectivo, o mal em norma de vida, o mal em sistema de governo. Porque o mal são eles e querem conservar-se. Um regímen corrupto só na corrupção subsiste. Mantém-se na corrupção, como alguns bacilos na porcaria. A filosofia de vida de um tal regímen é a filosofia do porco: devorar. O regímen, pelos homens que o exercem, denota um fim: viver estupidamente, clinicamente, a vida bruta da matéria. Os deputados são, ordinariamente, os lacaios do regímen. Dão-lhes decretos a aprovar, como dão botas a engraxar. Regímen sinistro! A tua sombra esterilizou o nosso campo; os teus frutos gelaram o nosso coração. Quebrar-te um ramo ou espezinhar-te um fruto, para quê? Deitarás mais ramos, deitarás mais frutos, o que é necessário, árvore tenebrosa, é arrancar-te pela raiz, e fazer contigo uma fogueira.” [2].

Há tiranias dominadoras e fulgurantes, de olhos de águia, e tiranias lívidas, oblíquas, de olhar de hiena. Ambas trágicas.” [3]
A tirania de engorda e de vista baixa, uma fase indecorosa? Jamais! As palavras são indecorosas, quando há mentira nas palavras. A nossa língua é indecorosa, quando segrega embustes e veneno. E se é temível o veneno da serpente, porque mata um homem, que veneno infernal o de um homem, quando perturba ou mata milhões de almas.” [4]

Viva a República! Viva Portugal!
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Fonte: Junqueiro, A.G., “Horas de Combate”, Lello & Irmãos Editores, Porto 1978


[1] Extracto de Discurso pronunciado num Comício do Partido Republicano, a 27 de Julho 1897, onde estavam presentes personalidades como Manuel de Arriaga, Teófilo Braga e Afonso de Lemos, in:
[2] Extracto do Manifesto “O Regímen”, publicado no Jornal Voz Pública, a 25 de Novembro 1899
[3] Extracto do Discurso pronunciado a 2 de Dezembro 1906, no Porto, na Rua da Alegria e que foi publicado no Jornal Voz Pública, em cabeçalho desse dia.
[4] Extracto da defesa em Tribunal, a 10 de Abril 1907, de Guerra Junqueiro, acusado pelo Ministério Público de ofensas a el-rei D. Carlos, feitas na Câmara dos Deputados, em Abril do ano anterior.

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