17 abril 2015
Seria a 28 de Maio de 1969 que a Academia de Coimbra decidia em Assembleia
Magna a Greve aos Exames. Seriam mais de 5000 estudantes a votar favoravelmente
a proposta da Direcção da Associação Académica de Coimbra. Os acontecimentos
seriam precipitados, dia após dia, num frémito constante, num desafio a Salazar
e ao poder de uma ditadura castradora e anquilosante. Dizer quando tudo começou
seria eventualmente um exercício possível, historiando factos e acontecimentos
que o ano de 69 deu à política portuguesa. Mas para muitos, como eu, significou
a entrada na Universidade, na cidade onde tudo aconteceu, numa dimensão épica. Costumávamos
dizer que só nesse ano viríamos a descobrir que havia ocorrido o Maio de 68 em
França. Sim, exactamente 1 anos depois, tal era o nível de conhecimento das
coisas naquela época.
Poderíamos
então recorrer ao 17 de Abril. Já lá vão 46 anos e havermos de o recordar como
se fosse hoje. A mobilização da malta para o edifício das Matemáticas seria
trabalho de muitos dias e muitas noites. Sabíamos que viriam os odiosos Hermano
Saraiva e Américo Tomás. Um como o outro representavam o pior de um regime
caduco e podre. O primeiro, à época Ministro da Educação, era pela Academia
chamado “Hermano I, o Firme”, título que obteve de uma famosa intervenção na
Televisão, onde declarava “firmeza”, perante a luta estudantil. Seria uma manhã
fantástica, com a imensa turbe a dirigir-se para as Matemáticas, mesmo ao cimo
da escadaria monumental, um símbolo da Universidade. Tanta gente, tanto empenho,
tanta e tamanha luta, um desafio à temível polícia e um regime que agonizava e
ao qual demos um valente pontapé. A chegada da comitiva, primeiro em silêncio,
depois na tremenda pedrada no charco, quando o Celso Cruzeiro incentiva a nossa
entrada no edifício das Matemáticas. Depois lá dentro, os discursos pífios de sempre,
a tremenda provocação de ver um estudante levantar-se e muito respeitosamente
pedir para falar. Era o Alberto Martins, o nosso líder, o Presidente da
Associação Académica, a cara de parvo do Tomás a dizer, “Bem, mas agora vai falar o senhor Ministro das Obras Públicas”. E,
quando nos preparávamos para a provocação seguinte, eis que toda a mesa se
precipita para a porta, sem qualquer explicação, fugindo dos estudantes,
naquela que seria a suprema humilhação do regime. Lembro bem o sítio onde
estava, ao pé da porta, eles passaram bem ao lado, uma revolta imensa que não
tem descrição em palavras.
Deixamos
sair a fantochada de governantes, pides e congéneres. Reentramos na Sala 17 de Abril
e aí “inauguramos” o novo edifício. O dia continuaria depois nos jardins da
Associação Académica, com intervenções, convívio, um mar de gente, uma imensa
onda de solidariedade e ao mesmo tempo de revolta contra a situação.
Bertolt Brecht dizia “Apenas quando apreendemos
a realidade é que seremos capazes de a mudar”. Naquele dia percebemos muita
coisa. Hoje, 46 anos depois compreendemos o quanto falta mudar…