21 junho 2015
UM TERMO GREGO PARA VARIAR
“Lavar as mãos em face da opressão
é reforçar o poder do opressor, é
optar por ele”
Paulo
Feire
Alexitimia
é um termo grego, que diz da dificuldade em expressar, nomeadamente sentimentos
ou emoções. Introduzido por Peter Sifneos[1] nos
anos 60, fala de uma perturbação que afecta o processamento emocional, da qual
resulta a incapacidade de exprimir as emoções, sob a forma de sentimentos.
Resume provavelmente um comportamento ou um padrão de comportamentos, ao qual
poderíamos, estendendo o conceito, juntar determinadas componentes sociais, uma
vez que todo indivíduo se move num cenário desse tipo, mesmo que
involuntariamente. Encontraríamos decerto alguém que receia qualquer coisa,
porque teme não se saber exprimir, porque outros já disseram o que ela/ele
tinham para dizer. Ou porque simplesmente tem medo, de perder o emprego, de
fazer greve, porque teme o patrão…
Estaremos
a produzir pessoas, potencialmente pacientes, que mostram dificuldades em falar
sobre as suas emoções e sentimentos, porque terão atingido um ponto máximo da
sua capacidade de compreender, pelo menos aquelas emoções? E que daí pode
resultar um atrofiamento humano e social, numa vasta camada da população que
perdeu a sua capacidade de atingir a felicidade ou sequer de a procurar. Seres
amorfos, como convém ao regime do pensamento único? Zombies sociais que
vagueiam pelas cidades, servindo apenas para produzir, ou para “render” até não
serem capazes de fazer mais nada. Mas, o mais tarde possível, porque dar-lhe
uma reforma aos 65 anos é cedo demais, o estado dirá sempre que não tem
dinheiro para lhe pagar. O pagamento é, fórmula perversa, exactamente ao
contrário, uma vez que é a pessoa que paga o “exagero” de viver mais tempo,
circunstância prescrita pelo sistema, na definição da esperança média de vida,
que “determina” tal capacidade.
A
percepção que a Direita tenta impingir de que o País está melhor é porventura a
falácia mais iníqua que enfrentamos. Como podemos aceitar tal dislate, quando
dia a dia verificamos uma coisa tão simples quanto isto: ganhamos menos que há
4 anos, sem um aumento mínimo que fosse correspondente a inflação.
Sistematicamente, no início de cada ano, aumentam os preços dos transportes, da
energia, das telecomunicações, da água, dos bens essenciais, tudo sujeito as
regras de um mercado que se quer rei e senhor, para regular a actividade
económica e financeira. Entretanto, apesar de todos os sacrifícios, a dívida
aumenta e aumentará sempre, com esta politica de devastação, até se chegar ao
“ponto de equilíbrio” imposto pela ditadura do pensamento único que significa
na prática um estado mínimo, com tudo a sua volta nas mãos dos privados que
irão gerir a coisa pública a seu belo prazer, deixando esta de ser pública,
porque quase tudo será privado e submetido a uma estratégia de obtenção de
lucro máximo, pelo serviço mínimo.
Parece
entretanto que esta lógica resulta, a avaliar por sondagens que são
ardilosamente fabricadas. Passa a mensagem que valeu a pena fazer sacrifícios,
que a austeridade embora “desagradável”, foi necessária para acertar as contas,
para baixar o défice, para ”pagar o que devíamos”, porque “andávamos a viver
acima das possibilidades” e porque é preciso “honrar os compromissos”. Seria
interessante que aqueles que aparentemente assimilaram este discurso soubessem,
por exemplo, que em 2010, uma grande maioria da população portuguesa (63%) nada
devia aos bancos ou a qualquer instituição financeira[2]. Ou
que, quem de facto deve é quem mais rendimentos tem, ou seja, que a dívida
média das classes de rendimentos mais altos é cerca do dobro da classe de
rendimentos mais baixos e que dívida média da riqueza mais alta é cerca de 6
vezes maior do que a classe de riqueza mais baixa. E ainda que no grupo dos 10%
das famílias com maiores rendimentos, quase 58% das famílias eram devedoras, no
grupo dos 20% das famílias com menores rendimentos, somente 18% das famílias
eram devedoras[3].
Não
admira pois que a busca de felicidade, consubstanciada numa pretensa melhoria
de qualidade de vida, seja um paradoxo permanente. Uma legítima pretensão,
perfeitamente inatingível, para 90% de uma população devastada pelos efeitos
destas políticas de miséria. Como pode a grande maioria das pessoas sujeitas a
medidas ditatoriais (o termo é este, tão simples quanto isso…) aceitar tal
circunstância e ainda por cima dar o seu voto aqueles que os colocaram nesta
situação? Só mesmo em estado de bloqueio permanente, uma qualquer alexitimia,
que comprime a pessoa e a impede de manifestar, de forma sadia e salutar, o seu
ponto de vista, as sua verdadeiras emoções e sentimentos.
Na mesma
lógica, os que atacam a Grécia esquecem-se sempre que, quando o fazem, estão a
transferir esses ataques para os anteriores governos, chefiados pelos
partidários das políticas alinhadas com eles. Mas o que verdadeiramente lhes
interessa neste momento é atacar. Para mobilizar trunfos e baterias sobre um
governo legítimo, que defende o seu Povo e que faz resistência ao pensamento
único e à miserável exploração do capital internacional, prestando também um
excelente serviço à política europeia na defesa dos direitos humanos e
universais. Quando se diz,”“Não queremos
a Grécia fora do euro” significa, por esta ordem, “queremos derrubar o governo do
Syriza”, “queremos o Syriza humilhado a morder o pó das suas promessas
eleitorais”, “queremos os gregos a sofrerem mais porque votaram errado e têm
que ter consequências””[4].
Não
será porventura despiciendo nos tempos que correm, aparecer um termo de origem
grega, com esta dimensão. A alexitimia pode configurar simplesmente um dos
resultados da … opressão.
[1] Psiquiatra e pesquisador grego (1920-2008)
[2] Dados
do Relatório Preliminar do Grupo Técnico, da Iniciativa Auditoria Cidadã à Dívida, sob o título “Conhecer a Dívida para Sair da Armadilha”,
Lisboa Dezembro 2012
[3]
Idem, ibidem
[4]
Transcrição da crónica de José Pacheco Pereira, Jornal Público, 20 de Junho
2015