31 julho 2015

APÓS A CAPITULAÇÃO (2)


A paz é uma trégua para a guerra
V.I. Ulianov (Lenin)
Os acontecimentos de 12 de Julho continuam a marcar a agenda política, na Grécia e por toda Europa. Analisam-se e discutem-se algumas teses, que vinculadas por uma comunicação social prisioneira dos interesses económicos instalados, parecem condenar aqueles que tentaram mudar o curso da história europeia, atribuindo-lhe ainda por cima a responsabilidade e o ónus da culpa, sempre a culpa e, como se não bastasse, ainda a traição ao povo e a consequente irresponsabilidade política e também social. Erram aqueles que pensam finalmente que a Esquerda europeia sai fragilizada desta “batalha”, por não valorizarem o contexto global, bem como os pontos que foram marcados durante 5 meses seguidos contra o “adversário”. Talvez seja de alguma utilidade prática atender a factores estruturantes que condicionam a estratégia, elemento fundamental para o prosseguimento de uma luta que se impõe, em nome de Justiça, da Dignidade e da Democracia. E obviamente devem ser tiradas lições, sem qualquer espécie de constrangimento, pois só assim será possível equacionar o que se pode, o que se deve fazer, no futuro próximo.
  1. O verdadeiro significado do “acordo”. Dias depois de firmado, o governo grego disse ter sido coagido a assinar um acordo que obrigava a contradizer o essencial do seu compromisso eleitoral. Tsipras haveria de declarar que o povo grego fugiu da prisão da austeridade para depois ser atirado para a cela solitária, afirmando mesmo que na “vitória de Pirro” dos poderes da UE, “… ficou bem à vista o beco sem saída das políticas que defendem[1], deixando bem claro que tal se deve à posição da Grécia durante os meses de negociações promovidas sob asfixia financeira.
  2. A máscara do directório europeu e dos seus verdadeiros “braços armados”, o MEE[2] e o Tratado Orçamental[3]. Para quem eventualmente ainda mantinha alguma ilusão sobre uma pretensa humanização do capitalismo, personificada (na realidade) em alguns documentos e textos da Comissão e do Conselho Económico e Social, onde pontificavam referências a coesão social, igualdade de oportunidades, distribuição equitativa da riqueza, bem-estar social e outras que poderiam ser subscritas por uma imensa maioria social, toda esperança em alguma mudança caiu de facto por terra. Existe sim uma nova ordem económica anti-social, onde a designada austeridade ultrapassa as fronteiras da decisão das nações e se impõe como política, adoptada num plano supranacional sem qualquer controlo democrático [Loff, M].
  3. As conquistas do governo do Syrisa. O governo grego, no espaço de menos de 6 meses, reabre a televisão pública, publica a lei dos despejos, promove a empregabilidade de alguns sectores do Estado e fecha os centros de internamento para estrangeiros. Inicia o processo de auditoria da dívida soberana, para determinar a sua legitimidade e ainda a sua legalidade. Nada disto tem a ver com o actual “projecto europeu”, cujo principal, diria único objectivo, é estabelecer protectorados económicos, sobretudo nos países da periferia, sujeitando os Estados a regras de disciplina orçamental rígida e a maioria da população, os trabalhadores, ao abaixamento de salários e pensões e a completa desregulação do mercado laboral, acompanhando esse objectivo com um discurso de culpabilização (viver acima das possibilidades, designação de PIGS,…). Tsipras promoveu de facto algumas leis progressistas e diz que esse esforço irá prosseguir, com a aprioridade no “ataque à oligarquia”. A lei de regulação para a comunicação social, que se encontra em fase de discussão pública, é um dos próximos passos nesse sentido.
  4. O que se desenha, após o colapso, por parte do governo grego? Segundo Alexis Tsipras, “O assunto é sério. A nossa estratégia deve ser clarificada com tranquilidade e maturidade, através de processos coordenados que envolvam o conjunto das forças do partido. Por isso, deve ser marcado desde já um Congresso do Partido, tal como prevêem os estatutos. A nossa obrigação comum é a de proteger a unidade do partido”. E ainda, “Houve algum plano realista e sustentado que não foi adoptado? O que seria hoje essa solução alternativa e sustentada? Deve [a esquerda] entregar o governo aos representantes de um sistema político falido ou fazer a batalha nas condições agora surgidas?”. Não há de facto num horizonte próximo, outra medida que encaixe na actualidade e na conjuntura.
  5. Uma janela de oportunidade. A brecha provocada no dito “projecto europeu” pelos 6 meses de governo Syriza é possivelmente neste momento a mais importante arma que temos à mão. Seja pelo lado das (naturais) reservas da social-democracia europeia a um ataque cerrado do directório, comandado pela Alemanha, seja nas aparentes contradições (no mínimo de linguagem) entre EuroGrupo e FMI (…). É de facto uma brecha decisiva. Por um lado, poderá significar o fim da TINA[4] e, por outro lado, o cair da máscara do dito projecto europeu.
  6. Virão novas exigências, novos ultimatos? Muito provavelmente, uma vez que o “empréstimo” da troika, aumentando a liquidez à banca grega, são apenas uma ínfima parte do verdadeiro objectivo dos credores, cujo é destruir qualquer vestígio do que representou a vitória do Syriza nas eleições e não resolver a crise. Não só é um plano sem qualquer sentido, como foram os anteriores, como ainda representa uma ameaça sobre a economia grega.
Será que paira sobre a Europa uma guerra, cujos contornos não são propriamente fáceis de definir, mas para cujos limites existe já pelo menos uma aproximação? A resposta poderá ser dada pela sucessão dos acontecimentos que precipitaram a actual situação e que tem a ver com o tratamento que foi utilizado para responder a chamada crise das dívidas soberanas. Em vez de ter sido seguido o princípio da consulta aos Povos, da conjugação de esforços entre Comissão, Parlamento Europeu e Banco Central, optou-se pela via do EuroGrupo, à margem dos Tratados e sem qualquer formalidade legal que o enquadre devidamente na arquitectura do espaço europeu e pelo seguimento cego e implacável dos conteúdos quer do MEE, quer do Tratado Orçamental. Configura-se então um ataque cerrado a economia dos países, que passa pelo empobrecimento forçado da grande maioria das populações, portanto e de forma clara, uma guerra. Com a banca privada como suporte. E enquanto esta situação se mantiver, isto é Enquanto a banca for privada, qualquer governo é refém do capital financeiro”, como afirma Lafazanis[5].
A questão que se coloca hoje na Grécia é muito capaz de ser a paz como trégua para a guerra…


[1] Entrevista na rádio de 26 Julho
[2] MEE: Mecanismo Europeu de Estabilidade, um  “…mecanismo político e económico da União Europeia que assegura a estabilidade da Zona Euro a partir de 2012 e faz parte do conjunto das medidas elaboradas para o resgate do Euro. Fonte: Wikipedia.
O novo Tratado que cria o MEE foi assinado a 2 de Fevereiro 2011, pelos embaixadores em Bruxelas dos países da área do euro O MEE, que deverá entrar em funcionamento em Julho de 2012, será uma instituição financeira internacional, sediada no Luxemburgo, que apoiará os países da área do euro sempre que tal se afigurar indispensável para salvaguardar a estabilidade financeira”. Fonte InfoEuropa: https://infoeuropa.eurocid.pt/registo/000048144/            
[3] O Tratado Orçamental O Tratado reconhece a urgência da estabilização da Zona Euro e estabelece um patamar de menos de 3% de défice orçamental geral do produto interno bruto (PIB) e um défice estrutural de menos de 1,0% do PIB se o rácio da dívida em relação ao PIB é significativamente inferior a 60%. Foi assinado em Março de 2012, pelos Estados-Membros, com excepção do Reino Unido, da Croácia e da República Checa.
[4] TINA: There Is No Alternative (by  Margaret Thatcher)
[5] Panagiotis  Lafazanis, Ex-Ministro da Energia do Governo grego

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