20 julho 2015

APÓS A CAPITULAÇÃO


Assistir ao espectáculo do homem que assinou o “acordo” dizer que não concorda com ele, mas pede o voto para a sua aprovação, será porventura o lado patético da coisa política. Uma transformação cénica e conceptual, que dificilmente encaixa nos cânones tradicionais. Ver a praça Syntagma a ferro e fogo em violento protesto contra a situação e pensar que os intérpretes visados são os mesmos que há bem pouco tempo a ocupavam para exigir Liberdade, Democracia e Dignidade, é um volte-face demasiado rápido para ser entendível contra toda a lógica interpretativa.
Tsipras teve porventura tudo na mão na noite do Referendo, quando 62% dos gregos negava de forma rotunda um pacote de medidas bem mais macias do que as que constam agora do dito “acordo”. Como foi possível então, da noite para a manhã do dia seguinte, ter-se eventualmente desbaratado tamanho capital político? E aqui, das duas uma, ou Tsipras não sabia como capitalizar o resultado, ou interpretou de forma deficiente o próprio resultado. A demissão de Varoufakis estará decerto no centro da análise, pela carga simbólica que encerra, quer ainda na consideração da brecha que as suas posições determinadas provocaram no Governo. É bem verdade que tudo o que se passou nos dias seguintes foi uma demonstração inequívoca e lamentável das posições alemãs e, por arrasto, do designado Eurogrupo. Fazendo aliás ver como todo o designado projecto europeu foi por água abaixo, emergindo um directório de burocratas comandado pelo “maestro” Schauble que, não tendo a magia dos seus conterrâneos da música ou da literatura, tem o saber de um ditador hábil e perigoso, como os seus confrades dos anos 40 do século passado.

Tsipras agiu então de forma deficiente, ao apostar (forçar) na demissão do seu Ministro das Finanças? Porque de facto era ele o rosto da verdadeira e substantiva contestação. Porque era ele a face visível e credível do NÃO, consubstanciado no resultado do Referendo. Porque finalmente era ele o obreiro da luta contra o pensamento único. O esvaziamento completo da posição do Estado grego, a irrelevância a que foi votado pela “orquestra” europeia, mostrando a verdadeira face de um projecto em que as regras apenas existem para justificar o Mecanismo de Europeu de Estabilidade e impor o Tratado Orçamental, acima das convenções e dos tratados conhecidos. A lógica da negociação de Varoufakis assentava na premissa de “desgastar” o próprio Eurogrupo. Ele conhecia, desde o início, a predisposição do presidente Dijsselbloem: ou a aceitação da lógica do resgate com uma suspensão de qualquer tipo de reestruturação da dívida, ou a “destruição” da banca grega. Sendo que o Governo grego tinha sido eleito com mandato para pôr fim a essa espiral de austeridade, não fazia qualquer sentido negociar em sentido oposto, ou permitir que a dita “negociação” chegasse ao ponto que chegou. Mesmo com a pistola apontada à cabeça, como Tsipras terá admitido. A punição política chegaria ao seu extremo, a ideia base de destruir um Governo eleito e humilhar um País sairia então vencedora na madrugada de 13 de Julho.

Apenas 3 dados que podem ajudar a perceber o rotundo golpe que irá ser dado sobre o Povo grego.
  1. A adoção de medidas imediatas para melhorar a sustentabilidade a longo prazo do sistema das pensões, no âmbito de um vasto programa de reforma das pensões”, como diz o “acordo”, vai produzir uma redução das pensões mais baixas, ignorando que a razia no capital dos fundos de pensões se deveu ao PSI da troika em 2012 e aos efeitos nefastos da queda no emprego e do trabalho não declarado[Varoufakis];
  2. A racionalização do sistema do IVA e o alargamento da base de tributação para aumentar as receitas”, significa um golpe profundo na única indústria em crescimento da Grécia, o turismo;
  3. “O Governo grego precisa de se comprometer formalmente a reforçar as suas propostas numa série de domínios identificados pelas Instituições, com um calendário claro e satisfatório para a adopção de legislação e a sua aplicação”, significará a sujeição da Grécia ao afogamento orçamental, mesmo antes de ser garantido algum financiamento.

Não há qualquer dúvida que Tsipras não teve outra hipótese senão assinar o documento. Aliás, é Varoufakis quem o afirma, "Foi-nos dado a escolher entre ser executados ou capitular. Decidimos que capitular era a melhor estratégia". Contudo, nem a melhor estratégia está isenta de ter defeitos. O caso é precisamente este.
Após a capitulação, apetece dizer que o é poder da doxa contra o conhecimento, a velha e eterna disputa que, na Caverna[1], está de facto à porta.

Este “acordo” imposto a um Estado Soberano tem sido comparado a humilhação do Tratado de Versalhes, que terá aberto o caminho para a ascensão do nazismo após o fim da Primeira Guerra Mundial. Só se pode compreender uma situação deste género quando existe um aperto significativo das liberdades, condicionadas a políticas de excepção, como as que determinam as posições do Eurogrupo. Bem vistas as coisas, esta Europa do Tratado Orçamental, do Mecanismo de Europeu de Estabilidade, ambos datados do ano 2012, não passa de uma farsa gigantesca que tem um único objectivo, a criação de um clima de terror com base numa monstruosidade antidemocrática que significa a transformação dos pequenos países em protectorados alemãos. Serão porventura os seus adeptos aqueles europeístas convictos, “…gente de pergaminhos que invocam sempre o argumento de autoridade de ter estado desde o princípio com a Europa para assim legitimar o seu acordo com todos os caminhos para onde a Europa vai”[2]?

Talvez valha a pena ouvir os resistentes, gente da Esquerda que não verga os seus ideais e que nas alturas devidas procura ter uma voz diferente, contra a corrente, contra o pensamento único. Como por exemplo o fez Jean-Luc Mélenchon[3], ao afirmar “O Governo de Alexis Tsipras resistiu de pé como nenhum outro na Europa. Agora tem que aceitar uma trégua na guerra que está a travar. Devemos-lhe solidariedade”, destacando, contudo, que “nada nos pode obrigar a participar na violência que lhe estão a infligir”.



[1] Referência a Platão e sua imagem e alegoria (República, Livro VII)
[2] Citação de J.M Pureza, no livro “Linhas Vermelhas”, Ed. Bertrand, Coimbra, Julho 2015
[3] Deputado francês no Parlamento Europeu, líder da Frente de Esquerda  e co-presidente do Partido de Esquerda

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