10 setembro 2015

O SALTO

Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. 
                                                                                                         Apenas pela razão de nos fatigarem.
Vergilio Ferreira



Na tentativa desesperada de promover um fenómeno telegénico, as três TV que temos lançaram no ar o Programa. Que as empata, a bem dizer, em termos de share, desta vez é assim mesmo. O belo Museu, que lembra os tempos em que o edifício da Central Tejo foi pioneiro no domínio da produção de electricidade, seria o cenário, assim como neutro, para ilustrar o “fenómeno”. Embora hoje, ou seja no dia a seguir, um jornalista pergunte “o que raio estavam os jornalistas a fazer ali?[1]”, o certo é que, para o bem ou para o mal de todos os nossos pecados, elas e ele acabam por mostrar ao País a triste mediocridade do jornalismo que se faz por cá, para além do habitual servilismo que prestam e que alimentam ao arco, chamado da governação. Pese embora a simpatia que quiseram (elas e ele) demonstrar, pelo menos ao nível bem pimba do fútil e mau-gosto iminentes. Dado então de barato que o conteúdo destas cenas interessa pouco a quem vê o ouve, seria no mínimo sensato colocar algumas questões diversas, que não as costumeiras coscuvilhices “…vai visitar o Sócrates?”, “…como vai agradecer o apoio do Sócrates?”, como se o homem fosse algum deus pudibundo de uma qualquer civilização perdida. Recordando o Fausto, “…e assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal[2], apetece dizer que, após o Programa, tudo ficou na mesma, os que estão bem assim irão continuar e os que mal estão não terão encontrado motivos para sorrir a Costa e muito menos a Passos. De qualquer forma, acabamos por ver este absolutamente cilindardo por Costa, que jogou ao ataque, quer na “posse de bola”, quer ainda na “organização defensiva”. Até terá sido penoso, sobretudo para quem ainda acredita na tal “coligação para a frente”, ver o homem andar para trás, descurando a defesa e “marcando na própria baliza”. E então, o Costa dá o salto em frente e enterra definitivamente o adversário, convidando-o a debater com o Sócrates, agora que este está em casa e pode ser visitado.
Então e as questões da Educação, a tentativa de destruição da Escola pública e a asfixia do sistema de investigação científica, as sucessivas concessões ao privado? Bem, quer dizer, hoje não. E a Europa, as dividas soberanas, um tratado que se diz orçamental e que significa o garrote ao investimento público e perpetua a dominação alemã? Sim, mas quer dizer, hoje não. E a venda de um País a retalho, com repetidas irregularidades denunciadas pelo Tribunal de Contas? Talvez, mas quer dizer, hoje não. E as derrapagens nas PPP, rodoviárias e não só, que obrigam o Estado a um sistema rentista, uma vassalagem aos privados, sempre a ganhar mais e mais? É, mas quer dizer, hoje não.
A denúncia de Costa relativa ao aumento inacreditável da dívida para 130% do PIB, depois de andarmos 4 anos a pagar para que fosse diminuída, colherá frutos no eleitorado, apenas porque é feita por quem é? Afinal não verdade que desde 2011 uma imensidão de gente, que não tem voz na comunicação social, dizia e disse exactamente o mesmo e tal não se traduziu aparentemente nas diversas sondagens até agora publicadas, salva umas pequenas migalhas? É de facto com alguma tristeza, “…Ai que tristeza, esta minha alegria/Ai que alegria, esta tão grande tristeza[3], que rejubilamos, apenas por não poder aspirar a mais que não seja a Direita perder a maioria, ainda que o salto do Costa possa não ser suficiente para atingir os mínimos olímpicos…

Temos que entender, assim aliás nos querem fazer querer, a suprema missão da informação dos tempos modernos. Ela nos conduz sempre a bom porto, sem que precisemos de dar o salto. Porque tal poderia significar que queríamos ir mais além e tal não convém à formatação que desenharam para nós. Ilustres ou míseros peões de uma realidade que nos ultrapassa, estaremos sempre “guiados” pelos media, sempre propriedade criteriosa de grupos económicos ou mesmo financeiros, os mesmos que de facto governam os Estados.
Para quê portanto dar O SALTO?


[1] Referência ao comentário do artigo de Ferreira Fernandes, DN 10 Setembro 2015
[2] Poema de Fausto Bordalo Dias “Uns Vão Bem e Outros Mal”, álbum “Madrugada dos trapeiros”, editado em 1977
[3] Extracto do poema “Desfado”, Pedro Silva Martins, cantado por Ana Moura

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