23 setembro 2015
Restaurar a DIGNIDADE
A mudança
é uma das características das sociedades. Era-o na antiguidade e é de novo no
presente. Na realidade, “…mesmo quando
tudo parecia parado, existiram movimentos, para muitos imperceptíveis, de
mudança e de pensamento para o futuro” [Rodrigues, 2013]. No
presente muito concreto, pese embora a resistência que tradicionalmente se lhe
opõe, a mudança é agora sentida pela grande maioria das pessoas.
Num
momento particularmente importante da vida das portuguesas e dos portugueses, a
campanha eleitoral em curso para as Eleições de 4 de Outubro 2015 representa
uma oportunidade significativa para afirmar a necessidade e a emergência de uma
mudança. Particularmente afectadas por um conjunto de políticas hostis, as
populações sentem o peso da carga de austeridade a que foram sujeitas, para
liquidar os solver uma dívida que não pára de aumentar, apesar das promessas
que lhes foram feitas no sentido contrário, como forma de explicar que valeriam
a pena os sacrifícios. O certo é que foram só alguns, a grande maioria, a fazer
sacrifícios, enquanto mais uma vez uma pequena maioria ia enriquecendo sobre a
pobreza e a miséria. E o resultado? Segundo dados recentes do INE, registam-se
no nosso País dois milhões de pobres (19,5% da população), com particular
incidência nos mais jovens (entre os menores de 18 anos a pobreza chega a
25,6%). Mas há mais, uma vez que estes dados são parcialmente camuflados pela
redução do nível de vida da população no seu conjunto, porque a “linha da
pobreza” é uma medida estatística definida por 60% da mediana dos rendimentos
de todos, e se estes baixam por causa da recessão, então muitas pessoas deixam
de entrar na classificação mesmo que continuem pobres[1].
Como nos
avisa Edgar Morin, o pensamento
político está reduzido à economia, como se tudo pudesse ser calculado e, desta
forma, parece passar despercebido à elite que se sente como poder instituído de
forma permanente, pese mesmo a alternância habitual, que há vida para além da
“sensibilidade” dos mercados e que bem mais importante seria olhar para a
sensibilidade das pessoas e para o direito que lhes assiste de viver com dignidade
e felicidade. Portugal foi o país que mais cortou nas prestações
sociais. O investigador e professor universitário Carvalho da Silva afirma[2]“O salário médio dos portugueses caiu umas
dezenas de euros e mais de 50% ganham apenas até 8000 euros por ano. Mais de
20% dos trabalhadores dispõem no final do mês de apenas 450 euros líquidos (o
SMN) e há milhares e milhares que ganham muito menos que o salário mínimo…
Nestes quatro anos os portugueses perderam condições de acesso à justiça, à
saúde e à educação, perderam qualificações e capacidades profissionais, em
resultado do desemprego de longa duração e porque a grande maioria dos
trabalhadores qualificados que emigraram não vão regressar. Um estudo de
investigadores da Universidade do Porto, conhecido esta semana, mostra-nos que
perdemos mais de 8 mil milhões de euros com a emigração dos jovens qualificados”.
Num momento em que se tentam mascarar pela via
oficial os números do desemprego em Portugal e na Europa, será necessário
colocar na agenda política novos temas que possam abordar nomeadamente a
questão de um rendimento garantido, que significaria distribuir por todos os
membros da sociedade a riqueza resultante das forças produtivas da sociedade no
seu conjunto. Uma questão de justiça e de democracia, um sinal de confiança das
pessoas nas instituições governamentais, num momento em que, de facto, a
miséria priva as pessoas dos seus direitos fundamentais, naquele que será
porventura o maior retrocesso civilizacional de que há memória, nos tempos recentes.
O
papel das organizações governamentais e das organizações não-governamentais é
diferenciado nas sociedades actuais. O papel das primeiras deriva do papel do
Estado, definidos nos princípios constitucionais de cada país e confere-lhes a
prática e a administração do poder e da justiça. Às segundas compete a promoção
das populações, na sua proximidade natural com as mesmas e com a defesa de
causas e princípios universalmente aceites e inscritos nas convenções e fóruns
internacionais. Pugnando por causas, as organizações
não-governamentais, enquanto organizações da sociedade civil (OSC), defendem a
dignidade da pessoa humana, como principio ético primeiro Este princípio
orientará a defesa de outras causas, como o direito ao trabalho e a um salário
digno, o direito à informação e à justiça, o direito a um serviço nacional de
saúde eficiente e condigno, o direito a um sistema de segurança social que
assegure a solidariedade inter-geracional e o direito a um serviço nacional de
educação gratuito e assente em valores democráticos e inclusivos. As OSC são,
ou deveriam ser, apartidárias. Mas não são de forma alguma apolíticas, como por
vezes é subliminarmente entendido. Antes pelo contrário. A política, a sua
concepção e práticas estarão sempre inscritas em cada intervenção, em todas as
iniciativas, conferindo desta forma às populações o estímulo para o exercício
das políticas, nas suas mais variadas formas. Compete-lhes em última instância
a defesa dos direitos das populações e, naturalmente com um pendor mais determinante,
aquelas franjas da população que são mais desfavorecidas. Mas não lhes compete,
em caso algum, substituir o papel do Estado, que deve ser em última instância,
o garante dos direitos e deveres dos cidadãos.
O direito ao voto não esgota de forma alguma a participação democrática.
Não há, nem nunca houve, qualquer neutralidade em política. “Neutro é quem já
se decidiu pelo mais forte”, afirmava Max
Weber. A realidade demonstra claramente esta tese, nomeadamente no que reporta
aos sectores da comunicação social dependentes e coniventes com o poder dos
grandes grupos económicos que, a pretexto de uma qualquer “neutralidade”,
alinham claramente com o sistema, apostando na sua eternização. “A política passa incessantemente pelo conflito entre
realismo e utopia” [Morin, 1965]. Assumindo esse
conflito, participaremos nas decisões, fazendo valer as nossas utopias. Não
sendo a única arma democrática, nem se esgotando nele a cidadania, o direito ao
voto é inalienável e pode significar e induzir a mudança: pela restauração da
Dignidade.
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Fontes e Referências:
·
Morin, E. e J. Baudrillard,
(2007), “A Violência do Mundo”, Ed.
Instituto Piaget
·
http://www.jn.pt/opiniao/default.aspx?content_id=4787550
·
http://www.publico.pt/opiniao/jornal/retropia-em-educacao--a-utopia-a-olhar-o-retrovisor-26603032
[1] Adaptado do artigo “Mais oitocentos mil pobres na era da
austeridade e da dívida”, da coluna do Jornal Público “Tudo Menos Economia”, por Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo
Cabral
[2] Entrevista ao JN de 20 de Fevereiro 2015