06 outubro 2015

O MEU PERÍODO DE REFLEXÃO

Este será porventura o verdadeiro “período de reflexão”. Depois de ter acontecido assim, analisamos, estudamos, por vezes concluímos, emitindo uma (ou várias) opiniões, como resultado lógico da reflexão. Não será fácil, nunca é fácil, quando os argumentos oficiais declaram e proclamam a sua “verdade”, assente nos conhecidos pressupostos daquilo que chamam a governabilidade e que assenta na mesma lógica que conduz (sempre) a inevitabilidade. A ideia que se pretendeu passar foi uma e só uma: a coligação ganhou, porque teve mais votos e agora será legítimo que sejam governo, mesmo sem uma maioria significativa no parlamento eleito.

O que na realidade aconteceu está expresso em números. A coligação governamental, perdeu 730 mil votos e mais de um quarto do seu eleitorado (26%) em relação a 2011. A coligação nem sequer conseguiu atingir a votação simples do PSD em 2011, tendo deixado “fugir” 78 mil votos. E do CDS nem vale a pena falar, pura e simplesmente desaparece. A confortável maioria de 132 deputados, passa agora a ser minoria, com apenas 107. Dos partidos à esquerda do PS, foi o Bloco de Esquerda a protagonizar um aumento espectacular de 110%, passando de 8 para 19 deputados. E mesmo a CDU cresceu mais um pouco, aumentando de 16 para 17 deputados a sua representação. E curiosamente, também o PS cresceu aproximadamente 12%, equivalentes a mais 182 mil votos.
Mas como os números são tratados pelos “especialistas”, os mesmos que declaram e proclamam quem deve ou não deve governar, as conclusões que aparecem afastam qualquer possibilidade de entendimentos à esquerda, porque só a dita coligação e o PS estarão em condições de governar. A coisa é tão explícita quanto isto: no DN de ontem (5 de Outubro) o director Nuno Saraiva escreve “…não reconhecer que a formação de um governo legítimo cabe ao PSD e ao CDS é faltar ao respeito a quase 39% dos eleitores ”. E ainda, no mesmo jornal o comentador encartado André Macedo, o mesmo que está também na TSF e aparece em vários canais da TV, termina a sua crónica desta forma “…o BE consegui um resultado muito acima do habitual. Em 2012, o Syrisa na Grécia conseguiu uma percentagem ainda mais expressiva, que depois subiu para 27% e mais trade para valores que lhe permitiram liderar o governo. É isto que uma parte de Portugal quer? É este o caminho, de radicalização, de protesto? ”.

O politicamente correcto estabeleceu há muito tempo o designado “arco de governação”. A mediocridade por um lado e a mais espatifada desfaçatez dos comentadores da treta, por outro lado, acabariam por conduzir e espartilhar uma análise cuidada e minimamente honesta da situação politica em Portugal, passando sistematicamente a mesma mensagem e “impondo” um  dictak que não merece sequer ser questionado. E quando o é, o destino é já conhecido: uma posição radical que pura e simplesmente não pode ser. E não pode ser, porque não agrada aos mercados, afasta os investidores, pondo em causa a credibilidade do País. E desta forma, qualquer hipotética solução que seja diferente, é automaticamente excluída, porque infectada pelo vírus da incerteza, no mínimo.

Os eleitores portugueses foram na sua generalidade fustigados por um violente assalto aos seus direitos e a sua dignidade. Como se não bastasse, foram violentamente agredidos na sua inteligência por uma campanha malévola, de cariz ditatorial, sempre ameaçados pelo medo de uma mudança, pela sombra de um fantasma, pelo peso tremendo da ameaça. Assim mesmo, a somar com uma campanha fraquíssima do PS, sempre entalado nas suas contradições e preso ao “arco”, os eleitores foram capazes de mudar alguma coisa. Que está à vista e desarma agora os “responsáveis”, porque a lógica lhes não é favorável. Mas mesmo assim, a suposta tese da ingovernabilidade continua a ser defendida pelos ditos analistas, uma vez que é suposto, nas suas mentes distorcidas, uma solução no “arco”. E o “arco” é a solução para todas as dúvidas. E mais uma vez, quem olhar para trás e constatar com alguma razoabilidade a experiência do “arco”, facilmente concluirá do falhanço completo em termos de resultados.


Mesmo considerando que a maioria de esquerda no Parlamento seja apenas uma maioria social e não uma maioria política, a verdade é que uma interpretação que se queira rigorosa tem que entrar em linha de conta com esse dado que é novo. E que passa por considerar que a nova composição da AR incarna uma nova realidade que, no mínimo, será contra a austeridade e pela preservação dos princípios da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde. Uma nova realidade que merece, pelo menos, a atenção daquelas e daqueles que foram eleitos e que se devem empenhar na aproximação e na construção de um diálogo minimamente consequente. Naquilo que poderia ser, ainda que tímida, uma reedição do confronto político legítimo nas sociedades verdadeiramente democráticas. O contrário significará, com todas as consequências, mais do mesmo: mais austeridade, mais dependência, mais pobreza, mais corrupção. E sempre e ainda, mais medo.

Não deixa de ser significativa no entanto a delicada situação no PS. Vítima das suas próprias contradições, enfeudado numa perigosa linha de rumo que só favorece a direita, prisioneiro de uma política seguidista face a União Europeia, o PS corre o risco de uma “pasokeização”, que determinaria fracturas bem prováveis nos próximos tempos.

Tudo tem o seu tempo, Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora”[Eclesiastes 3:6]. Provavelmente este é o tempo de afirmar, sem medo, o que outros tentam varrer do tapete, tempo de buscar as alternativas que podem existir, tempo de guardar trunfos para serem jogadas mais além, tempo de lançar fora ideias pré-concebidas. Tempo então de partir para caminhos que nos querem fechar. Tempo de perder o medo.

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Nota final: Se alguém tinha dúvidas para que servem afinal as sondagens, a resposta está dada. Ontem, dia 5 de Outubro, um “estudo de opinião” elege já o próximo Presidente da República, um nome que ainda nem sequer disse que seria candidato. E a percentagem “diz” que será mesmo á primeira volta. Assunto arrumado portanto, isto que é a mais descarada distorção da realidade.




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