11 outubro 2015
POTÊNCIA DE AGIR
“A
diferença entre solução e direcção é esta:
a solução é
sempre um remédio passageiro para disfarçar a desgraça.
Ao passo que a
direcção é a própria dignidade
posta nas
mãos do desgraçado para que deixe de o ser…”
“Ensaios”, José de Almada Negreiros,
Lisboa, 1932
Um conceito que data do século XVII, atribuído a Espinosa[1], pode
ser, devidamente adaptado, o mote para os dias que correm, em que o cinzentismo
da política actual pode ganhar eventualmente alguma cor, uma outra cor, e que
possa significar alegria e um estado de espírito algo melhor. A “potência de
agir” é apresentada por este filósofo progressista, por uma lado pela via da
libertação e, por outro lado, pela necessidade de agir pela superação. Dois séculos depois, Nietzsche[2]
haveria de recuperar e amplificar o conceito, para a chamada “felicidade”, dada
como “…relacionada ao sentimento de uma
potência que se eleva devido a uma resistência superada” [Cf. 6, AC/AC
§ 2]. Tem isto a
ver com um “pensamento” de Passos Coelho, ditado ao jornal on-line Observador,
de Dezembro de 2014[3],
“Ninguém está certo de conseguir produzir
uma política que garanta a felicidade seja de quem for, não acredito em coisas
dessas. De resto, nem acredito na felicidade”. Sem querer dar muita atenção e
valor a esta declaração, aliás típica de uma mente medíocre e quiçá perturbada
por uma (tecno)forma de ver a vida e o mundo, não deixa de ser significativa a
lembrança, agora num período deveras estimulante da política portuguesa. A sociedade
moralista a que Espinoza tanto reagia, parece agora reeditada pela grande maioria
da comunicação social, expressa e falada por uma plêiade imensa de
comentadores, analistas, politólogos, paineleiros de cambiantes diversos, porém
todos unidos na fórmula loquaz e bafienta do “arco da governabilidade”.
- “Façam o
favor de ser felizes!”, pedia-nos o Solnado[4],
de boa memória, no século passado. E agora, esta espécie de gente menor,
pede-nos exactamente o contrário. Não, não lhes faremos a vontade, porque
precisamos mesmo de ser felizes, é uma necessidade da vida, que queremos
sempre melhor que ontem. E para isso, temos que restaurar a esperança,
imaginar e prescrever que somos capazes de protagonizar a mudança, para
nós e para os nossos filhos e netos, que não nos iriam decerto perdoar por
ficarmos indiferentes. Aliás não é mais possível ficar indiferente num
momento como este. A Direita está deveras alarmada com a possibilidade,
ainda que remota, de uma concertação das Esquerdas, que significaria um voltar
de página, no momento e, num futuro próximo, de uma nova atitude, no País
e até nessa Europa, que tanto nos ensombra a felicidade.
- Nem todos são iguais, repudiemos assim a tese
costumeira de um qualquer axioma, erroneamente atribuído a um Povo que
tem, apesar de tudo, alguma memória. Todos são diferentes, todos podem “ascender”
a possibilidade de ser alternativa e até de governar um país. Queremos então
dar oportunidade a quem nunca esteve no poder, nos últimos 40 anos, a ter
uma palavra, um gesto diferente, uma esperança renovada.
- “Uma
geração com um Dantas a cavalo é um burro impotente”, clamava o Almada
e bem podíamos substituir o Júlio(Dantas) por um cavaco qualquer, que o
Manifesto ainda ganhava dimensão maior. E haveria mesmo de assim ser,
quando o Viegas[5] decidiu
dar corpo, no ano de 1995, a um idêntico escrito[6],
para uma outra figura menor, mas que, para todos os efeitos ainda se
passeia em Belém. E é este personagem que tenta desesperadamente puxar
para o lado da dita coligação, qual burro teimoso, sem rédeas, nem freio. Oxalá
se engane, ele que nunca(…).
- Cresce a incerteza, mas também alguma esperança. O
aumento da nossa potência de agir, poderá ser um sinal de felicidade. A avaliar
pelos escritos de alguns influentes socialistas, com ou sem aspas, poderá estar “completissimamente excluída uma coligação entre PS e PSD/CDS”.
Foi João Cravinho que o disse, a 7 de Outubro. Outros, como o Assis,
assustados com o “terror”, dizem exactamente o contrário.
- “Vamos
fazer o que ainda não foi feito”. O Pedro[7]
canta, a gente gosta e acha que faz todo o sentido, porque como diz Jerónimo[8], “É intolerável que,
perante a segunda maior derrota eleitoral de sempre desses dois partidos e
ignorando a condenação política que sofreram com a perda de 700 mil votos,
o Presidente da República, à margem das regras da Constituição, queira
impor a renovação de um Governo PSD/CDS”
- Estamos a viver uma ameaça ou uma oportunidade
histórica? A resposta poderá ser conhecida muito em breve e irá determinar
uma segunda vida, ou a “morte irremediável” do Partido Socialista. Uma coisa
sabemos, não é mais possível tolerar os que têm governado e se consideram
donos do país e dos portugueses. Como é possível que possamos esquecer que
conduziram o País, através das suas políticas de miséria, ao estado de
tristeza absoluta e a mais despudorada traição de que há memória?
Há que reactivar a potência de
agir. Ela é força que deriva da vontade colectiva, ainda que por vezes seja difícil
para muitos de nós compreender como foi possível chegar até aqui sem um
movimento forte de contestação, como os que existiram há bem pouco tempo. Mas essa
potência de agir é, e está por certo, latente. Despertar é preciso. Mas é
preciso também saber que o caminho não é fácil e depende cada vez mais de nós
todos. Não falta muito para decidir de novo nas urnas e, desta vez, será para
eleger um Presidente da República que represente um corte definitivo com o
actual inquilino de Belém. No fundo a mesma luta, a mesma necessidade de agir,
o mesmo desejo de restaurar a dignidade perdida. Alguém vai dizendo “Este é o tempo do futuro. Não
podemos aceitar retrocessos no caminho feito depois de Abril. Não podemos
aceitar que os nossos filhos viverão, inevitavelmente, pior do que nós. Não há
destinos marcados. Precisamos de ousadia, de criatividade e de nos prepararmos
para enfrentar, já hoje, os grandes desafios do século XXI”[9].
Elevemos ao expoente máximo a
nossa POTÊNCIA DE AGIR! Pelo direito a ser FELIZ!
[2]
Friedrich Nietzsche (1844-1900),
Weimar, Prússia
[3] http://observador.pt/2014/12/06/passos-coelho-nao-acredito-na-felicidade/
[4]
Raul Solnado, (1929-2009) Lisboa, Portugal
[6]
Manifesto Anti-Cavaco”, Lisboa, 1995
[7]
Pedro Abrunhosa, (1960) Porto, Portugal
[8]
Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
[9]
Extracto da Declaração de Princípios de António Sampaio da Nóvoa, Porto, 25 de
Maio de 2015, in: http://www.sampaiodanovoa.pt/principios/