09 novembro 2015

O DISCURSO - 3

Se esperas pelo dia claro, deixa sempre a janela aberta...”
Do Livro Dos Conselhos

Há razões para termos esperança?
Socorro-me da interrogação de Teixeira da Mota(TM), desabafada no Jornal Público da passada 6ª feira. Embora a reflexão que é produzida não mereça a mínima credibilidade, vale a pena constatar o discurso, “…Neste momento em que o nosso país está sob a ameaça da instauração da ditadura do proletariado, em que as hordas do bolchevismo já não são uma ameaça no horizonte mas uma realidade facilmente constatável, em que o único partido que constituía um dique ao avanço dessas forças dissolventes e antipatrióticas já se encontra capturado pela esquerda radical…”[1], para perceber do que é capaz quem quer analisar … a liberdade de expressão na Finlândia. Como consequência do discurso produzido, TM declara do alto da sua menoridade, “…vem aí a legalidade revolucionária, os códigos serão rasgados, os contratos não serão para cumprir e os fins revolucionários justificarão todos os meios”. Embora com um formato em que se mistura o virulento e o patético, é este o discurso da intimidação e do medo que nos foi passado durante os últimos 4 anos, ainda por cima a pretexto de uma política de saque e de ataque à dignidade pessoal e profissional de cada um de nós. Alinhando pela via ansiolítica da esperança deste senhor, estão ainda (pelo menos) outros dois articulistas. Vejamos o que nos transmite Sousa Carvalho, na sua sapiência de táxi, “…o PCP e o Bloco de Esquerda deram a António Costa um automóvel para conduzir que só tem acelerador, mas não tem travões. Se for preciso austeridade para consolidar as contas públicas, o país vai capotar, porque o acordo à esquerda não admite austeridade sobre salários, pensões e impostos. É por isso que os comunistas mostram grande resistência em integrar um governo PS[2]. E finalmente, este maravilhoso exemplar, de fino recorte literário, do senhor Alvim, “…Agora e com a cumplicidade activa de um candidato a primeiro-ministro socialista derrotado de forma eloquente nas eleições legislativas, um país incrédulo e que quer avançar vê-se remetido à força e antidemocraticamente para uma espécie de putativa convenção da Internacional Comunista, aplaudida de pé pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP[3]. Com tudo isto, bem poderia dizer-se que só faltou, nesse dia, a sempre avisada crónica do Pulido Valente[4], para rematar tanto ódio e tanta cretinice junta. Num dia, assinala-se em que Francisco Assis publica o seu “pensamento” sobre a matéria em questão, a saber-se, a hipotética formação de um governo das Esquerdas.

Será que é de equacionar uma tremenda e intrincada contradição entre liberdade e moral neste tipo de discurso? Se atentarmos a Kant, para quem o exercício da liberdade em sua plenitude é inseparável do conceito da moral, poderemos ter parte da resposta. Todavia é a elaboração de uma justificativa racional[5] que fundamenta a validade objectiva de enunciados, que, segundo Habermas, consubstanciam determinados padrões dominantes. Aqui se poderá então encontrar um paradigma constante em praticamente toda a retórica da direita, neste momento, sem qualquer dúvida, histórico, em Portugal, e nesse tremendo equívoco que será a Europa dos dias que correm. 

É com alguma expectativa que aguardamos o final da tarde de Domingo. Chegam as 7 da tarde e sabemos já da posição do Comité Central do PCP, relativamente ao acordo para um Governo do Partido Socialista, para uma legislatura. Um desfecho mais que previsível, a que as declarações de Costa e Jerónimo, só vieram confirmar, acima de tudo pela afirmação mútua de esforço, muito trabalho e muita seriedade.
Então, como evidente se torna, a resposta a pergunta inicial, ganha agora uma nova dimensão. Não só há razões para termos esperança, como há esperança que uma nova razão emirja da sujidade e obscurantismo com que nos brindaram estes últimos anos. O discurso tem forçosa e obrigatoriamente de mudar. Para que se torne possível, viver melhor, sonhar um pouco também, descobrir que há motivos para participar na vida política, por uma democracia efectiva, pela dignidade amordaçada, pelos direitos espezinhados.
Poderíamos ainda dizer que, contra ventos e marés, valerá a pena desfrutar do momento. E lembrar o Almada, para quem as pessoas que mais admirava eram precisamente aquelas que melhor divergiam da sua pessoa.  

Há razões para termos esperança!
É uma afirmação. Libertada no dia em que se sabe que tudo pode ser diferente, que não estaremos já capturados pela inevitabilidade. Que podemos de novo olhar em frente e vislumbrar um pouco de luz e de cor. Poesia? Sim, decerto, com certeza!








[1] Retirado do artigo “A liberdade de expressão na Finlândia”, por Francisco Teixeira da Mota, Jornal Público de 6 Novembro 2015, pág. 47.
[2] Retirado do artigo “A diferença entre um programa e uma resma de papel”, por Pedro Sousa Carvalho, Jornal Público de 6 Novembro 2015, pág. 48
[3] Retirado do artigo “O governo de Portugal é dos portugueses”, por Miguel Alvim, Jornal Público de 6 Novembro 2015, pág. 48
[4] Referência a crónica de Vasco Pulido Valente, todas (excepto esta…) as 6ªs feiras
[5] Conceito defendido por Jürgen Habermas, em “O Discurso Filosófico da Modernidade”, 1990


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