30 janeiro 2016
Devíamos estar a falar de coisas mais importantes…
Como por exemplo. De saber
como podemos aumentar a produção nacional. De como poderemos aproveitar melhor
os recursos nacionais. De como poderemos melhor distribuir a riqueza que
produzimos. De como equilibrar os rendimentos, erradicando de vez a pobreza. De
como devemos melhorar o ensino público. De como deveremos oferecer melhores cuidados
de saúde a população. De como trabalhar menos e produzir mais e melhor. De como
preencher o lazer, porque a ele temos direito. Não, o que discute é o
famigerado Orçamento de Estado 2016. Reformulo, porque nem 0,1% da população
está interessado nisto, o que nos querem fazer discutir. A comunicação social
predadora faz deste tema um alarido permanente. Como nunca se viu. Quem se
lembra de discutir o Orçamento de Estado? “Fruto
de uma cultura obesa e que fabrica a conformidade e o consenso”[1],
como bem diz A. Guerreiro, o séquito voraz de comentadores, analistas e painelistas
atira-se ao Governo como nunca havia feito aos anteriores, fazendo passar a mensagem
que a Comissão Europeia “chumba” o Orçamento. A histeria é de tal ordem que
chega ao cúmulo de albergar frases como “Costa
sob fogo, Bruxelas pressiona”, “Comissão
chumba Orçamento”, “Governo apertado
entre Bruxelas e PCP”, numa clara intenção de reinventar a malfadada
inevitabilidade. A histeria desta comunicação social é a pedra de toque cavada
pela Direita. Desta vez é o Orçamento, como antes foi a tese da fragilidade dos
acordos. Bafejados pelos favores da Direita, que deles por sua vez se alimenta,
escrevem e postulam com a arrogância que os define. O objectivo é sempre o
mesmo. Criar um clima de suspeição permanente na opinião pública, que mais cedo
ou mais tarde, estará disposta a atirar a primeira pedra a um Governo que
tenta, contra a corrente, devolver ao Povo o que lhe foi roubado. Curiosamente,
parece que as pessoas já se terão “esquecido” das malfeitorias a que foram
sujeitas, às vezes a memória é curta…
Proust disse, “A sabedoria não se transmite, é preciso que
nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e
que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas”[2]. Ser
sabedor implica, nos momentos difíceis, ser capaz de pensar do lado discreto
das coisas. Não fazer ondas desnecessárias, descobrir nesta caminhada a melhor
forma de levar às pessoas a mensagem certa no momento oportuno. Este será
porventura o momento de o Governo se aproximar daqueles que renegam a política,
porque se afastaram pura e simplesmente das decisões. Ou porque delas foram
afastados.
Os acordos celebrados
pelas Esquerdas são em muitos anos um sinal de mudança. Há quem não queira
mudança alguma. Ou porque não lhe convém, ou porque lhe convém manter os seus privilégios.
Haverá porventura uma última razão, que tem a ver com a circunstância de não
acreditar em nada, porque já perdeu a esperança. Tão simples quanto isto. Pela primeira
vez existe uma maioria parlamentar que pode virar a página. No nosso País há
tanta coisa para fazer, que alimentar as querelas dos que não aceitam que é
possível, é simplesmente perder tempo. Faz bem pois o Governo que tem mantido
uma atitude de recato aconselhável perante as investidas antipatrióticas dos
que desejam de facto o regresso ao passado.
Quem fala dos benefícios
sociais até agora revertidos? Quem se preocupa com as camadas desfavorecidas da
população, marginalizadas durante os últimos anos? Que fala, por exemplo, de felicidade?
Quem quer que ainda tenhamos medo?
Já agora, lembro
David Bowie, quando dizia,“Viver com medo
é a manifestação da miséria mais profunda”.
[1]
António Guerreiro, “Escritora, Princesa do Espírito”, Público/Iplison, 29 Jan
2016
[2]
Marcel Proust, in “Em Busca do Tempo Perdido- Do Lado de Swann”.