03 abril 2016
A IMPORTÂNCIA DA TRAVESSIA
Da
leitura de um artigo de revista retiro um ensinamento. O autor diz, na sua aparente
simplicidade, “…para mim, passar o rio já
era um acontecimento”, uma asserção modesta e soberba ao mesmo tempo. Diria
que redundante, não fora (para o autor) a principal e crucial medida da sua
existência. Um artista, jovem, que marca o tempo na arte de rua, transportando afinidades
e cumplicidades para os muros e praças, com rostos de gente que trabalha e luta
na azáfama dos dias sem tempo. Cruzo com ele (fazemos sempre o mesmo quando nos
agrada a sentença) a travessia que faço diariamente, a caminho do trabalho. Ele
falava precisamente disso, quando atravessava o rio, o outro lado da cidade
grande era sempre o destino. Ao mesmo tempo, um apelo terrível a criatividade,
é de um artista que trata a matéria. Ao engenho de rever corpos e coisas
misturadas nas ruas e avenidas, a procura de um mimetismo, muitas vezes escuso.
Paro a pensar se a travessia, invariavelmente a mesma, tem significado diverso
consoante o estado de espírito ou a marcha do tempo, que sempre soma. Procuramos
qualquer coisa que marque o ritmo de forma constante e sem saltos ou, ao revés,
esperamos algo que diariamente nos surpreenda? Provavelmente cada um encontrará
para si o sinal correcto, a medida mais ou menos exacta, diletando para si uma qualquer
fuga em frente, simplesmente para não querer pensar.
Vale
sempre atravessar em vez de ficar no mesmo sítio, paráfrase da retórica interpretativa
a que cada um tem direito, na liberdade do acto e na disponibilidade para a
acção. Por mim, prefiro a travessia, mesmo contando que do outro lado pode
estar o inesperado. Aí, vale mesmo a pena.