17 abril 2016

O ABRIL DA NOSSA MEMÓRIA







Da memória colectiva se escreve um país, se constrói uma identidade, se afirma uma vontade imensa de Liberdade. Crescemos de certa forma com Abril, no ano 74 do já passado século, que contudo é a nossa referência de conceitos, princípios e determinação pela mudança. Fizemo-nos adultos, formamo-nos cidadãos, afirmando valores de contestação de uma sociedade podre, castradora e ruim. E, convém não esquecer, repressiva e asfixiante, na vertente fascista nacional protagonizada por lacaios de uma ideologia nefasta da crueldade e da miséria. Passamos por tudo isso, privamos com todos os que sempre acreditaram. E “Foi então que Abril abriu/as portas da claridade/e a nossa gente invadiu/a sua própria cidade”[1]. O exemplo de uma tribo que emergiu quando necessário, tornando dia a longa noite, acordando para a dignidade.

Passaram tantos anos, tantas desilusões, tanta água que, ao invés de limpar a sujidade e a miséria, parecia alimentar a fonte da iníqua injustiça. Nunca se deixou de lutar, é verdade, mas parecia sempre uma luta desigual, uma frente que avançava num ritmo tão lento que exasperava. Alguém teria dito “Temos fantasmas tão educados/que adormecemos no seu ombro…”[2] . Eles que porventura nos tolhiam o espírito e nos toldavam a memória? E nos dificultavam o raciocínio lógico que permitiria vislumbrar mais longe do que a varanda do sótão? Se pudéssemos enterrá-los, explodiriam as consciências e libertaríamos a tribo de Abril para a sua verdadeira vocação, rejeitar os dogmas e afrontar o poder, restaurando a dignidade perdida, promovendo a esperança.

Escrevemos hoje 17 de Abril, porque não podemos esquecer o mesmo dia do ano 1969. Em Coimbra, lançaríamos nesse dia um firme e violento golpe no regime fascista, que iria continuar nos meses seguintes com acções de luta, na academia e junto das populações. E levaríamos a Lisboa a 22 de Junho, na final da taça de Portugal uma das manifestações que mais abalou o regime e que levaria a substituição do ministro Saraiva, um dos pilares do fascismo marcelista.

A circunstância de a Esquerda ser agora maioritária no Parlamento e apoiar um Governo que reverte os malefícios de 4 anos de chumbo e de mais de 30 de compromisso, em nada afecta o apelo irresistível da rua para ocupar um espaço de luta permanente, a 25 de Abril e no 1º de Maio. Assim pugnaremos sempre por uma sociedade que aposte nas pessoas e não nos malfadados mercados, fonte de desigualdade, exploração e corrupção.

Na imensa vaga passadista que atravessa a Europa, o poeta no Governo, poderá ser a afirmação da benignidade da política, levando a imaginação ao poder, ou pelo menos a Cultura a um lugar que perdeu durante anos a dignidade a que tem direito.

Abril abre portas na nossa memória…

 [1] Extracto de “As Portas que Abril Abriu, José Carlos Ary dos Santos, 1975
[2] Extracto de “Queixa das Almas Jovens Censuradas”, Natália Correia, 1957

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