14 outubro 2016
“Hey, Mr. Tambourine Man, play a song for me”
Longe vão os tempos da revolução cantada, tocada e
brandida pela animosidade de uma burguesia acomodada, mas firme no seu posto. As
guerras do Vietname e da Coreia traziam os vozes, no vento, do protesto e da
insubmissão.
Dylan foi, provavelmente sempre, um insubmisso. A sua voz
foi mudando ao longo de um tempo que mudava também. Mas como se sabe, mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades, assim como a vontade de mudança parece mudar
também. Dizia ele que os tempos estão a mudar, antecipando quiçá a adaptação
que o tradicionalismo burguês ia fazendo a novas formas de conhecimento e de
discurso formal.
Agora Dylan é Nobel de uma literatura, que vai conhecendo
novos e improváveis intérpretes. Se soubesse cantar, Dario Fo, que recentemente
nos deixou, talvez conseguisse melhor “questionar
a autoridade e o apoio à dignidade dos caídos”.Ou que a voz sempre surda
dos oprimidos fizesse chegar à Academia Sueca mais e melhores intérpretes da
Revolução inacabada, mas sempre e cada vez mais, Permanente. Se pudera falar
dela sem lhe dizer o nome, diria o grande Mustaki.
Misturaram-se em Dylan todas as contradições sociais. Todos
cantávamos nos anos loucos, algumas das suas canções, sabíamos as letras de cor
e salteado, ao som dos acordes da viola que nos acompanhava para todo o lado, “Knock, knock, knockin' on heaven's door”,
as portas de um céu em que não acreditávamos e que a outros parecia então
sorrir.
Sentados agora as portas de um outro céu em que todas as
respostas estão soprando no vento, sentimos que se calhar também fomos
laureados. Tenho para mim, lembrando o “Em Órbita”, que passava as 7 da tarde
no antigo Rádio Clube Português, no final dos anos 70 e onde Dylan passava à
margem das classificações para os melhores do ano, que a nomeação vem
precisamente desses anos.
Para o Poeta vai a glória. Para nós, a secreta lembrança,
a cumplicidade assumida.