28 novembro 2016
DECLARAÇÃO (28 Novembro 2016)
Declaro por este meio que nasci há 7 horas atrás.
Nestas horas de vida, já aconteceu muita coisa,
nomeadamente muitas chamadas telefónicas, muitos emails, muitos posts facebook,
coisas que percebo agora são essenciais a sobrevivência da espécie. Lá fora
está um bonito sol de inverno que nos dá calor e alimenta animais e plantas. Assim
mesmo parece que há quem prefira viver na sombra. De outros, claro. Da janela
aprecio a vida, nas suas formas mais estimulantes. Efectivamente, “Adoro o campo, as arvores e as flores, jarros
e perpétuos amores”[1] e
já aprendi, como diz a canção, a moralizar. Conheço
outras canções, que me transportam para um mundo diferente, que entretanto devo
vir a conhecer também. Quero, por exemplo, “…The delight alone or in the rush of the streets, or along the fields
and hill-sides/The feeling of health, the full-noon trill, the song of me
rising from bed and meeting the sun.”[2]
Declaro ainda que já nasci outras vezes.
De umas vezes gostei, de outras talvez nem tanto. Existi
por aí, corri montes e vales a procura de coisas diferentes, algumas encontradas,
outras nem por isso, a busca continua, de vida em vida renovada, renascida.
Aprendi.
Em outras vidas percorri e corri e terras e
lugares que conservo na memória. E onde volto sempre que tenho tempo, que dizem
que é sempre curto. Ou breve. Em breves momentos percebi que outras gentes,
outras sensibilidades e outras vivências são demasiado importantes, para que as
esqueçamos. Fazem parte de nós, mexem connosco, arrepiam-nos às vezes. Aquecem-nos
no frio e confortam-nos a noite para não ficarmos sozinhos. Dão-nos o alento
que precisamos para continuar a nascer. Fazem parte dos nossos dias, falam connosco,
brigam também, riem e choram ao nosso lado, crescem connosco. Nascem de novo
também.
Declaro finalmente estar pronto a assumir todos os
compromissos que esta declaração acarreta, ou seja, nenhum.
Declaro que nasci para ser livre e selvagem, no
sentido poético do termo. Tal e qual, como na canção. Vim de uma terra
provavelmente assombrada e “…do ventre de minha mãe / não pretendo roubar
nada / nem fazer mal a ninguém”[3].
Não me comprometo pois em quaisquer actividades ou
iniciativas que possam de alguma forma colocar em perigo a minha frágil existência
(apenas 7 horas), bem como todas aquelas que me impeçam de ter em mim “…todos os sonhos do mundo”[4]. Bem
sei, ou penso que sei (é ainda cedo para saber) que tenho deveres sociais a
cumprir, mas quero saborear a ideia de não fazer nada que me perturbe ou me
prejudique. O meu primeiro dia vai ser assim.
Sei entretanto que vou estar com quem gosto de
estar e que gostam que eu esteja com eles. Mas sei também que gostaria de estar
hoje com muito mais Amigos, embora de facto esteja mesmo, porque nunca os
esquecerei.
Declaro, e com isto termino, afirmando que estou
cá.
Atenção, estou mesmo!
Alf.
[1] Extracto de “Efectivamente”, álbum “Psicopátria”, GNR, 1986
[2] Extracto de “Song of Myself”, Walt Whitman, 1892
[3] Extracto de “Fala
do Homem Nascido”, António Gedeão, 1958
[4] Extracto de “Tabacaria”, Álvaro de Campos 1928