14 novembro 2016

UM ESTRANHO NO MEIO DE NÓS?

Uma estranha revolução cinzenta, um pestilento odor, uma paralisia completa, uma muda revolta, poderiam ser a chave para abrir algumas consciências. Um mundo esquisito, onde o poder do voto completamente agrilhoado, ostenta uma vitória que pode significar tudo ou simplesmente nada. Mas será porventura ainda cedo para avaliar o tremendo pontapé que levamos. Ou que nos quiseram dar. No século onde tudo parece ser possível, brilha uma estrela podre, balofa, triste e quiçá repelente. Dizemos, em primeira mão, que não temos palavras, que não é possível, que parece mais um pesadelo do qual queremos acordar depressa. Mas ele lá está, o símbolo da intolerância, da mais boçal intransigência, da linguagem rude e seca, contra os mais elementares princípios de cidadania. Que despreza todas as minorias, que o século XX timidamente a princípio, de uma forma expressa depois, vieram conquistar. Ele aí está, proclamando muros e expulsões em massa, em nome da “defesa intransigente” do estado americano. Levou uma significativa margem de votantes a aderir a um discurso primário, arrebatado e pueril, muitas vezes obsceno e doentio.
Existem muitos trumps por aí. Escondidos quiçá num discurso pacífico alguns. Outros, porventura mais ousados, envoltos numa capa de nacionalismo radical. Muitos, são hoje, os lídimos representantes de uma direita passadista, que encontraram um lugar nas chamadas “democracias ocidentais” e que representam a franja lúmpen de uma pequena e média burguesias desencantadas com o “progresso” do capitalismo agonizante.
O discurso oficial é porém hoje muito mais poderoso. O discurso da subjugação ao poder da finança é amparado e confortado por uma elite da comunicação social, entretanto agrilhoada pelo poder férreo de empresas privadas que foram crescendo à medida que se desenvolvia uma teia de interesses confessados. Se tal não bastasse, a circunstância de uma pérfida manipulação de consciências, levada sistematicamente a peito durante aproximadamente as duas últimas décadas, acabou por traçar o cenário ideal para o esvaziamento completo do esquema formal de funcionamento dessas “democracias”. Vale tudo para esses agentes infiltrados do capital. Redacções completamente acéfalas produzem diariamente em programas de rádio e de televisão a mais rasteira informação, eivada de pequenos factos, subjugada ao poder do futebol, interessada na pequena intriga e , muitas vezes, na mais despudorada mentira. Que alimentam nos cidadãos, no mínimo, a convicção da inevitabilidade, a mais poderosa das armas que invoca, subtil ou expressamente, a indiferença.
Os dados estariam potencialmente lançados para colocar no poder uma besta. Não difere em nada de um Pinochet, ou de um Obiang, ou até de um Erdogan que, de forma subtil, caminha a passos largos para uma ditadura feroz, a pretexto da luta contra o terrorismo. Aparenta semelhanças com todos os representantes da extrema-direita, na França e no Reino Unido. Significativamente ou não, o seu primeiro gesto político foi precisamente com estes últimos. E continuará decerto com todas e todos aqueles que, em qualquer parte do mundo, se dedicam à “doce tarefa” do extermínio de todas as resistências. Acaso será inocente o apoio desse grupo abjecto que dá pelo nome de Ku Klux Klan e a festa que fizeram após a “eleição”?
A ilusão aparente de que seria um anti-sistema apenas cai nas consciências vazias da ignorância a que foram reduzidas algumas franjas do eleitorado do seu País. A fantochada, idiota de tão evidente, que significa uma eleição nos EUA, produziu o resto. Está para se saber se o pretenso falhanço de todas as sondagens não foi senão mais uma das encenações em que o sistema é pródigo. O anti-sistema é então uma máscara, um embuste completo, que apenas representa a tábua de salvação possível para uma “causa” que parecia perdida. O personagem não passa de um testa de ferro do sistema mais corrupto e indigno, que é no fundo o sistema financeiro, que gera crises em seu próprio proveito, semeando crimes impunes e desigualdades permanentes.

Ana Sá Lopes diz hoje, na sua cronica do Jornal i, que o “… trumpismo sempre esteve no meio de nós, glorioso mundo ocidental. Está no meio de nós e basta olhar para o lado”. Nada mais certo então que olhar mesmo para o lado e estar atento.  


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