09 maio 2017
“En Marche”, Europa?
O tema da “Europa
connosco” remonta há 30 anos atrás, quando do Partido Socialista inventou
aquilo que se poderia designar como um dos slogans propagandísticos de Mário
Soares e do próprio partido, e representaria (na altura) a passagem do País
para um patamar civilizacional que até então lhe era vedado, ou mesmo
simplesmente desconhecido. Deu para tudo, incluindo sempre o eleitoralismo
fácil das vantagens dos fundos estruturais, que haveriam de mudar radicalmente
a face do País, malgrado naturalmente a enorme fragilidade, pelo menos em
termos económicos. Na altura ainda não se falava, como agora a todo o pretexto,
em populismo; de contrário poderíamos encontrar com muita facilidade indícios
do dito em muitas proclamações oriundas sempre do centrão político-partidário,
do qual Soares foi o maior protagonista e que viria a renegar nos anos de
chumbo.
O “mal” porém já estava feito e durante anos e anos
a prometer a chamada “convergência”, a mesma viria a esfumar-se por completo,
dando lugar ao policiamento da Comissão Europeia, com o Tratado Orçamental à
cabeça de uma séria de medidas restritivas do desenvolvimento, sempre em
prejuízo dos estados e das regiões mais carenciadas. Segundo um estudo de Setembro
de 2005, das Universidades de Porto e Lisboa,
“…a partir do início dos anos 90,
verificou-se um abrandamento no processo de convergência e o desempenho das
regiões mais pobres, mesmo que significativo ao nível da criação e
reestruturação do emprego, não foi suficiente para atingir os níveis de
desenvolvimento das regiões mais ricas, tendo-se acentuado o gap entre elas”[1].
Se fosse possível viajar no tempo seria decerto
interessante um “Regresso ao Futuro”,
com a máquina do Doc[2] a
transportar-nos, por exemplo, de 1995 a 2015”. Daria decerto para verificar
in-loco como vai a dita União. É bom recordar também que no já longínquo ano de
1975 foi elaborado um relatório onde se afirmava, logo na introdução, "Se o
pleno emprego, e uma melhor distribuição de recursos e de lucros para
investimento não podem ser salvaguardados, medidas que apenas restrinjam a
procura vão chocar cada vez mais com as expectativas sociais de uma melhoria na
qualidade de vida." Foi elaborado pelo cidadão belga Robert de
Maldague, um democrata-cristão, que
integrava um grupo restrita, onde estava o socialista Jacques Delors,
conhecido como “pai” da EU e que viria a ser presidente
da Comissão, entre 1985 e 1995. O relatório, baptizado
com o seu nome (Relatório Maldague) avisava, “A não ser que sejam levadas a cabo reformas de longo alcance há um
grande risco de que métodos autoritários - aberta ou dissimuladamente - possam
gradualmente controlar as nossas sociedades democráticas". E o que fez
então a Comissão? Nada mais, nem menos, recolheu todos os exemplares em que
podia pôr as mãos, trancou-os numa cave do Berlaymont e destruiu-os. E porque o
relatório dizia textualmente, referindo-se à liberalização dos mercados de capitais
e à forma como aquela estava a minar a autoridade dos governos democráticos, “Estes fenómenos são manifestações claras de
uma transformação profunda na forma como a democracia funciona nos nossos
países".
Uma profecia? De todo. Apenas a constatação da realidade,
a colagem das “famílias” centristas, a saber, os “sociais-democratas e
socialistas” e toda a direita conservadora, liberal e defensora da desregulação
dos mercados. Há quem lhe chame outra coisa, quiçá esclarecedora, a traição da
social-democracia. Por cá, nem dá para contar os exemplos, estão à vista de
todos e foram um pântano desde finais de 1975.
Tivemos o grato prazer de ouvir ontem, no fórum
da TSF, o senhor Moedas[3],
que se recorda como agente da Goldman Sachs
e no Deutsche Bank/Eurohypo
Investment Bank e que Passos Coelho escolheu como representante de
Portugal na Comissão Europeia e a quem Juncker[4] entregou
a pasta de Comissário para a Investigação, Ciência e Inovação, para a
gestão do maior programa-quadro de sempre de investigação e inovação da UE. Diz o senhor Moedas
que é a favor da Europa, ao contrário dos outros que são contra, um raciocínio
linear e bacoco, todavia conveniente para esconder todas as investidas da EU
contra os direitos e liberdades das pessoas e dos Estados. E todos os
falhanços, desde a incapacidade
manifesta em lidar com o problema dos refugiados, nomeadamente ao
inqualificável acordo de 2016 com a
Turquia, até ao apoio aos regimes ditatoriais, fascistas ou fascistóides da
Hungria e da Polónia, passando pela gestão da crise
das dívidas soberanas e pelo chamado "ajustamento estrutural",
transformado em austeridade permanente pelas regras do euro e que aprofundou o
fosso entre o centro e as periferias. Apenas para citar estes, a lista é de
facto interminável e levou, ano após anos, dia após dia, ao (re)nascimento de
movimentos nacionalistas, que espelham o descontentamento generalizado das
pessoas, sobretudo as mais desfavorecidas. A celebração dos 60 anos do Tratado de Roma, mostra que, ao
contrário das promessas de coesão e democracia, as instituições europeias
sobrepuseram a lógica liberal e autoritária de Maastricht, aprofundada pela
União Económica e Monetária. O ser contra, na opinião do Moedas, é ser da
esquerda radical, ele é a favor. Só não diz de que é a favor, embora toda a
gente saiba o que ele defende. Não o querendo dizer, utiliza a tese habitual,
para industriar consciências, de “mais Europa” e do seu apoio incondicional a
Macron, agora que este é já o Presidente da França. Claro que, como diz o chefe
Juncker, “…a França é a França”., que permitiu e caucionou a hegemonia
alemã, que domina o euro, através de uma política de asfixia das outras
economias, incluindo a francesa. A França de Hollande que “ajudou” na falência
completa da moeda única como instrumento de coesão social, transformada agora
em mais uma forma de dominação e submissão. O “distinto” Moedas fala no “perigo
dos populismos” e compara sempre a extrema-direita à extrema-esquerda (o que é
isto?), “esquecendo” que é ele afinal um populista barato, que fala do alto de
uma cátedra que lhe foi oferecida e que não sabe minimamente o que é a vida
real de milhões de cidadãos. O inefável Acácio[5]
deu-lhe toda a cobertura, como é seu apanágio, em mais de metade de tempo de
antena.
“En marche“, a voz
de Macron que é somente um sucedâneo da elite burocrática francesa formada
na École Nationale
d’Administration, misturada com a experiência na gestão de fundos de
investimento (Rothschild). Entretanto, para conseguir formar o seu
“movimento”, Macron reúne à sua volta, donos de grupos de comunicação social,
banqueiros e financeiros e as maiores fortunas de França. Para uns, uma réplica
do trabalhista Tony Blair, para outros a redenção dos falhanços e trapalhadas
do Partido Socialista Francês. A tempo, porque é oportuno, Manuel Valls já lhe
deu o devido apoio.
A Europa das democracias
entra em mais uma derrapagem. Os franceses, aliviados do espectro Le Pen,
voltam-se para as eleições legislativas. A crise dos refugiados continua, os
atentados também. Os “sociais-democratas” e os conservadores parecem ter um
objectivo comum: manter o défice zero inscrito no Tratado Orçamental. As
excepções são para salvar bancos e a pele dos banqueiros. A moeda única, criada
à imagem e semelhança do marco alemão, obriga o nosso País a negociar numa
moeda 50 mil vezes mais forte do que a sua economia. O brexit é um mistério,
que esconde uma total incapacidade de resposta.
Há alternativas, apesar
das conhecidas resistências. A elas estaremos atentos, nunca desistindo da
Luta.
[1]
Marques C. e Fonseca P., (2005), “Convergência
económica e coesão social e territorial da Península Ibérica na União Europeia”,
Universidades de Lisboa e do Porto)
[2]
Referência à personagem Doutor Emmett
Lathrop, ou simplesmente “Doc”, um dos personagens principais da série de
filmes Back to the Future,
realizados por Robert Zemeckis, 1985 a
[3]
Carlos Moedas
[4]
Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia
[5]
Manuel Acácio, Jornalista TSF e responsável pela rubrica “Forúm”