14 junho 2018

Intervenção: Apresentação da Revista MANIFESTO

Alfredo Soares-Ferreira
13 Junho 2017






Procurarei focar, na minha intervenção, A POLÍTICA DE ALIANÇAS DA ESQUERDA (ou, DAS ESQUERDAS) EM PORTUGAL E A NECESSIDADE DE UMA NOVA LINGUAGEM NO DISCURSO POLÍTICO.

Irei centrar a minha particular atenção, na entrevista de Noam Chomsky, nos artigos de Ricardo Paes Mamede, “Era bom que trocássemos umas idéias sobre o próximo Governo”, de Isabel do Carmo, “Quem é o Povo de que se fala?” e de Nelson Santos, “O caminho até 2015: o Governo de esquerdas em Portugal”. E ainda, na recensão de Henrique Sousa, “A revalorização do político no legado de Gramsci”, com o objectivo de tentar uma abordagem sincrética (ou de fusão) de diferentes contribuições, que possam contribuir para a finalidade em apreço.

Chomsky faz uma análise e, consequentemente também, uma interpretação do modo de funcionamento do capitalismo actual, na sua mais recente ligação ao neoliberalismo, ou, naquilo que poderá ser designado apenas, por uma faceta moderna das teorias liberais do século IXX, com as conhecidas variantes, no decurso do século XX. O autor dos “10 Princípios Básicos de Acumulação de Riqueza e Poder”, que enuncia na sua obra REQUIEM FOR THE AMERICAN DREAM, responde a questões de actualidade política, a partir da análise da situação actual nos EUA e da sua eventual projecção. 
Se temos, como afirma Chomsky, “...o poder para nos movermos, para desmantelar e dissolver os sistemas de controle e dominação...”, não temos instrumentos suficientes para exercer esse mesmo poder. Nem sequer, a consideração de um hipotético controle das redes sociais, é suficiente para inverter a situação. Chomsky parece querer recuperar algumas das teses de Gramsci, vertidas nos célebres “Cadernos Da Prisão”, no que remonta à suposta aceitação de dominação. Recorde-se a propósito, recorrendo inclusivamente ao texto de Henrique Sousa, a “preocupação” do filósofo e dirigente comunista, do designado “consentimento popular institucionalizado”, ao domínio do capital. Talvez se as duras condições inerentes à prisão nos cárceres do fascismo e uma certa obsessão contra aqueles que denunciavam a degenerescência do Estado Soviético, não tenham de certa forma contribuído para a sua complacência com o estalinismo e as suas práticas. De qualquer forma, não deixa de ser curioso, que a designada (por Gramsci) “guerra de posição” na sociedade civil (essa excrescência, que a tenta opor à sociedade política, ou Estado), tenha uma certa incidência na ordem do dia, nalgumas situações concretas, nomeadamente no que reporta ao nosso País.
Poderíamos ainda acrescentar aqui, alguns contributos para a análise e discussão, na esteira da designada “Biopolítica” , vindos por exemplo do filósofo italiano Giorgio Agamben, na linha de Walter Benjamim (da Escola de Frankfurt), que vem construindo uma obra extensa que visa, entre outros aspectos, o conceito de “estado de excepção” e das suas implicações, a nível das liberdades individuais. A propósito, o autor Agamben, tem uma frase demolidora sobre o capitalismo: “O capitalismo é uma religião e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu porque não conhece nem redenção, nem trégua, celebrando o culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objecto é o dinheiro”.

Os analistas Ricardo Paes Mamede (RPM) e Nelson Santos (NS), chamam a atenção para dois aspectos particularmente decisivos, para o futuro das Esquerdas e dos entendimentos a levar a cabo e ainda de possíveis plataformas a desenvolver. Enquanto RPM afirma que o Partido Socialista revela o essencial da sua natureza, quando mostra indisponibilidade em avançar em domínios em que entraria em rota de colisão com poderes instalados, NS interroga-se sobre as prioridades dos agentes políticos, muito concretamente sobre as agendas dos partidos à esquerda do PS.

Lembramos, a propósito de poderes instalados que, apesar de alguns avanços que contrariaram a troika e os seus agentes, nomeadamente na reposição de salários e pensões, continua instalada a submissão á dominação de Bruxelas, quer no aspecto das desastrosas políticas econômicas e sociais, quer ainda à submissão a uma moeda única, que acaba na prática, por condicionar e limitar qualquer tentativa de reestruturação da economia. E esses condicionalismos devem ser analisados e discutidos à Esquerda, mesmo levando em linha de conta, uma definição pontual de política de alianças, no quadro por exemplo, da uma nova composição da futura Assembleia, que saia das próximas eleições legislativas.
E daí a emergência da necessidade de um discurso político diferente. Com uma nova linguagem, que o linguísta Chomsky decerto poderá ser um dos apoiantes. 
Há então que: (1) Desmontar códigos de linguagem da classe dirigente, adquirida, entretanto por alguns sectores da população, graças ao papel cúmplice da chamada “comunicação social” do regime. Trata-se apenas da constatação de uma realidade bem presente, por exemplo, no nosso País, através da sobrevalorização do escândalo, do terror, da intriga e da calúnia, da exploração até ao extremo do fenómeno do futebol, no fundo de uma organização da informação (rádios, jornais e TV), baseada na notícia mesquinha e por vezes, falsa, com critérios editoriais de baixa qualidade e finalmente, (como não podia deixar de ser...) em salários baixos, senão mesmo, miseráveis. Esta asserção (conhecida) de Chomsky, não deixa de ser impressionante, de tão redundante: “A imprensa pode causar mais danos que a bomba atómica. E deixar cicatrizes no cérebro.” (2) Desmontar mitos. Também, por exemplo, sobre a própria interpretação de o que é o Povo, porque a utilizamos de forma por vezes abusiva. Começou por ser aquele que “unido jamais seria vencido”, de que temos ainda memória breve e acaba por ser estigmatizado agora, em fenômenos estranhos de apropriação indevida e com consequências imprevisíveis, a nível europeu e mundial. Destaco aqui, particularmente o artigo da Isabel do Carmo, onde se pode ler esta deliciosa passagem, acerca de alguns daqueles (e daquelas) que falam sobre o povo: “Destacam-se os que têm pena dos pobres em geral e abstracto, mas que são contra o salário mínimo no concreto, em relação ao qual são capazes de discutir cada cêntimo. Estes não hesitam em encher um saco com viveres suficientemente calóricos, para o entregarem à saída do supermercado para feitos do Banco Alimentar”.
Alguns mitos e códigos de linguagem, estereótipos, a descodificar e outros a erradicar: “Impacto orçamental”, “Reformas estruturais”, “Medidas impactantes”, “Ajustamento”, “Coesão”, “Produtividade”, “Desenvolvimento sustentável”. E, naturalmente, estes, que contibuem para a confusão e a mitificação:  “Europa”, “Eurogrupo”, “Euro”.
Para facilitar e sistematizar a minha intervenção, deixo 3 questões que entendo podem ser colocadas, para análise e debate aqui e agora, bem como no seio da Esquerda (ou, se quiserem, das Esquerdas): (1) Está o Partido Socialista a posicionar-se mais próximo dos partidos e organizações à sua Esquerda, nomeadamente PCP, PEV e Bloco? Ou, pelo contrário, continua na prática enfeudado numa social-democracia europeia, fiel a todos os compromissos de um gigantesco bloco central, que em Portugal já não existe? (2) Afinal, somos nacionalistas ou internacionalistas? (3) Que condições importa reunir (partindo do reconhecimento da importância do princípio) para a aquisição de uma nova linguagem no discurso político, oposta à novilíngua da TINA, no Portugal e na Europa, do século XXI? (partindo do pressuposto de que estarão criadas já algumas condições subjectivas...)

Finalmente, aclamo a originalidade na Revista, da alegoria do João Guilhoto, no seu conto “Os homens que caminhavam a dois ritmos”, pode eventualmente apelar para a relatividade do sentido do desenvolvimento e da velocidade do pensamento e do raciocínio. Entre o ficar e o voltar, entre o partir e o chegar, entre o depressa e o devagar, a evocação da música e do silêncio, a saliência na Educação e na Formação, e claro, em Marcel Proust.

Para terminar, devo salientar uma parte do Editorial da Revista, “Com novos problemas e outros desafios, certamente continuamos interessados nos debates plurais à esquerda, nas discussões sobre o seu futuro e o seu papel no contexto português, e nos possíveis processos de convergências entre as diferentes sensibilidades que a constituem, incluindo pessoas e movimentos que não integram nenhuma formação partidária”. 
E talvez seja oportuno, e pode ser este o momento, de seguir a recomendação do Ricardo, que parafraseia o Mário de Carvalho, “Era bom que trocássemos umas idéias sobre o assunto”. Está mesmo na hora de o fazer e de introduzir alguns elementos diferenciadores na discussão pública, e particularmente no seio da Esquerda, onde nos inserimos.
Muito obrigado!


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