17 agosto 2018

ESCREVER NA (ou da) ÁGUA









Caravelas, caravelas/
mortas sob as estrelas/
como candeias sem luz...”
João Gil/Luís Represas, “Xácara das Bruxas Dançando”, 1984





Por estes dias visitamos os sítios que nos lembram, reproduzem e vivem na e com a água. E na água encontramos matéria suficiente para pensar, reflectir e perorar sobre a vida que nos cerca, nesta época parva, a que alguns chamam sealy season. Num ápice metemos o pé na água (bolas, está gelada), a temperatura sempre a subir, como aquela música maluca do concerto do Rivoli (quem se lembra?), ouvem-se balelas e trapalhadas, daquelas espécies autóctones que pululam nas redacções a zelar pela (in)tranquilidade da pátria. Pudera ser peixe e morder o isco saboroso da mesquinhez, e estaria a milhas, sem nada para fazer e com um livro interessante na mochila. E à noite, passear em Amarante e curtir o jazz do Hudson[1] 

(Assim como)
Deixei de ler os pasquins da parvónia, ocupados com as frivolidades do costume. Para ser franco, emocionei-me mais com a morte da Madalena Iglésias do que com as asneiras que verteram tanta tinta sobre o envenenamento do Skripal [2]  que, juntas à atitude subserviente dos governos “ocidentais”, fizeram as delícias das mentes normais.

(Falemos de rendas)
Não sei, não. Porque afinal é um assunto tão tabu quanto a virgindade da senhora de Fátima (ou de outra qualquer). Acaba de ser penalizado em mais uns trocos no final do mês, na conta da luz, ou da água, ou seja lá do que for, porque há uns quantos senhores (e senhoras) que têm que manter os lucros das empresas privadas que “investem”, mas que, caso tenham prejuízos, é o Estado que os cobre. E assim vamos alegremente vivendo, com auto-estradas por tudo quanto é sítio e que vazias de nada, esvaziam os bolsos de nós todos. E com a energia e as telecomunicações mais caras da Europa.
Não sei porque estou a falar de futebol. O campeonato ainda mal começou e a rentrée partidária está a parir as dores do verão, para voltar em breve ao centro das ribaltas e dos palcos, que dizem, são mediáticos. Alguns são talvez, pediátricos.

(Alerta)
O meu psiquiatra proibiu-me de falar sobre os professores. O prestimoso médico disse STOP [3]  e eu fiquei aterrado. Mas creio poder falar de enfermeiros e outras profissões, ao que consta, desprezadas pelo poder, mais atento a outras coisas importantes, como por exemplo, a NATO e a defesa não sei bem de quê. E também o défice, claro. 
E, pelo nosso Porto, aquela figura arrogante que ocupa (ainda) a presidência do burgo, vai-nos deliciando com mais (sempre mais) mentiras e inverdades (aprendi em tempos que não são exactamente a mesma coisa), vomitando vulgaridades sobre tudo e mais alguma coisa, mostrando o que é na realidade a leveza insustentável da estupidez.
(E viva a maconha!)
Assim mesmo, a 20 de Junho passado, o Canadá torna-se o segundo país (depois do Uruguai) a autorizar o uso recreativo da maconha. O projeto-lei de regulamentação, foi aprovado pelo Senado canadense, por 52 votos contra 29. O uso medicinal já estava legislado desde o ano 2001. Espera-se agora que o nosso País acorde mais bem-disposto, pensando que daqui a uns tempos, poderemos curtir a cannabis, como qualquer uruguaio ou canadense.

(Os que partem e deixam muita saudade)
Gente boa que nos deixa, o que nos entristece a alma, porque simplesmente nos fazia falta. As breves referências não esgotam a lista. Ao Amigo João (Semedo), ao Arnaut, ao Manuel Martins, ao Tengarrinha, ao Júlio Pomar, à Guida Maria, uma saudade imensa. E ainda à Dolores O'Riordan, aquela que cantava com a alma na boca. E hoje mesmo, a Aretha Franklin, rainha da soul music e activista dos Direitos Humanos.

(As pontes do nosso imaginário)
Enquanto cai uma ponte em Génova, ficamos sem saber que segurança temos e para que pagamos tanto dinheiro para ela (a segurança). A ironia suprema, em pleno século XXI.

(Ainda se fazem bons filmes)
A surpresa (ou não) do verão, chama-se “No Coração da Escuridão", o último filme do Paul Schrader, que já nos deu obras-primas imensas, tantas que já lhe perdemos a conta. Absolutamente imperdível, talvez a melhor “coisa” deste verão.

(Água para quem não precisa)
Ou simplesmente uma rasteira. Havia quem quisesse trazer a fascista Le Pen a Lisboa. Apesar de avisado, o nosso Governo portou-se (outra vez) muito mal, ao alinhar pelo famigerado politicamente correcto. Meteu água, mas não se afunda, que a gente não deixa. E continua a meter água em outras coisas, reformas, carreiras. Mas disso, eu não posso falar agora. 

(Enquanto as bruxas dançam...)
E nós vemos e (pelos vistos) gostamos.
O pintor de Olhão cobraria 130 reis, há precisamente 165 anos, para “Renovar o céu, arranjar as estrelas e lavar a lua” [4]. As coisas agora estão consideravelmente mais caras. Ou melhor, o sistema faz as coisas simples, mais caras, não porque o sejam de facto, mas porque assim tem que ser, para que ele sobreviva. Contudo, acham mesmo que vale a pena “renovar o céu”? Já “arranjar as estrelas”, seja uma forma de nos mantermos atentos às galáxias, onde poderemos ter alguma liberdade, mesmo com a Lua suja da poeira que o planeta Terra produz. É uma questão que não se define, provavelmente. 
A Clarice Lispector escreveu um dia, “Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome”.
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[1]  Grupo Hudson: Jack DeJohnette, John Scofield, John Medeski e Scott Colley
[2] Sergei Skripal, ex-espião russo
[3] Duas significâncias para este termo: (1) interjeição que significa “Exclamação usada para ordenar a paragem”, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; (2) iniciais de “Sindicato de Todos os Professores”, criado aqui há uns dias atrás
[4] Parte de uma factura de um santeiro de Olhão, chamado Joaquim Manuel Alfarrobinha, apresentada em 1853 por um conserto nas capelas do Bom Jesus de Braga, hoje arquivada na Confraria do Bom Jesus do Monte, naquela cidade, in: http://www.olhaocubista.pt/Humor/factura_santeiro.htm




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