30 agosto 2018

O ESTÁDIO E A REVOLUÇÃO


  



                                           
A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente” 
Albert Camus










                            
                                  

              “Love Is in the Air”, Banksy  (Reprodução/VEJA)[1]



No longínquo ano de 1918, Vladimir Ilitch Ulianov (Lenine) escreveria “O Estado e a Revolução”, retomando teses de Marx e Engels, refutando Hegel e propondo a abolição do Estado, enquanto tal. Já antes, Max Weber havia definido o Estado "uma entidade que reivindica o monopólio do uso legítimo da força física". A Revolução ganhava foros de atenção mundial e haveria de consolidar na então União Soviética, um regime que iria abolir o czarismo caduco. 
O termo “estado” dá um pouco para tudo. Desde forma do verbo estar, até à solene significância que lhe advém da pose majestática do termo, passando por diferentes formas de conferir substância, nas acepções física ou química, existe ainda a possibilidade de ser associado ao termo “estádio”, quando e se, o contexto semântico da frase assim o permite. Muito embora não sejam sinónimos, os dois termos estão próximos, quando falamos, por exemplo, em período, ou época.

O final esperado da silly season
Mesmo que não possamos associar o estado da situação política, sempre em termos restritos de actualidade, a um estádio, o certo é que algumas arenas (estádios) podem preencher os requisitos mínimos para se considerarem dignos de um estado de atenção. Apenas e só isso, justifica assim que se possam gastar algumas linhas à dita “Aliança”, no contexto da Direita portuguesa, fustigada de há uns tempos a esta parte, pelo flagelo populista e primário de um putativo acerto de contas, ao que se pode saber, com o País. Muito embora este não precise daquela para outra coisa que não seja a destruição progressiva da dignidade mínima da cidadania, o certo é que ela (Direita) existe e tem fervorosos adeptos, particularmente aqueles que anseiam porque nada mude, para manterem intactos os seus privilégios de sempre. E assim, de quando em vez, nomeadamente em estádios de desespero, surgem uns epifenómenos, como a dita Aliança, destinada a emular sentimentos de pertença a uma casta especial de betos, à semelhança perfeita do seu criador.  Seria despiciendo perguntar, mas aliança com quem (?) uma vez que se sabe da cisão com os seus pares e também da concorrência com aquela senhora que anda a passear de comboio de uma companhia que ajudou a destruir. Talvez, aliança consigo mesmo, uma síntese perfeita do ego exacerbado do líder. Também poderia ser, aliança para destruir o partido do Rio, mas tal não parece necessário, tão próxima que aparenta estar uma implosão, muito embora a permanente agitação dê sinais de acalmia, nesta época festiva. É vê-los a multiplicarem iniciativas artificiais de pura demagogia e nenhuma eficácia de oposição.

Love is in the air
Certo. Parece até uma exaltação dos anos 60 do século passado. O arremesso (ainda que de flores se trate) é essencialmente (neste caso concreto) um acto provocatório, que o seu criador utiliza na intervenção política que leva a cabo, por muitos países. Uma forma de intervenção possível, que chama a atenção, que produz quiçá um efeito multiplicativo em algumas consciências, para que despertem. Uma delas avisa todos, "Lamentamos. O estilo de vida que encomendou encontra-se esgotado"[2]. A feliz asserção, produzida para ironizar sobre a recessão económica no Reino Unido, transporta-nos para um mundo (este mesmo...) onde se exploram de forma exagerada os recursos naturais, desencadeando prejuízos ambientais e sociais, e colocando em risco o planeta e a população. 
Podia ser quase um manifesto anti-tudo, porque parece por vezes estar tudo ao contrário. O estádio não é apenas um local onde se pratica o lançamento do dardo. Lançar um ramo de flores, poderia ter um significado revolucionário, semelhante, por exemplo, aos cravos na ponta das espingardas do 25 de Abril.

E afinal,“A que horas começa a Revolução?
Às três. Na praça central[3]
Há pois que estar preparado. É bom levar qualquer coisa para arremessar, para além do ramo de flores, há quem apenas entenda outro tipo de “linguagem”. Retornando a alegoria de Weber, há que a encaixar na moda actual de dominação. Em vez do uso legítimo da força física (que ainda se mantém, em certas situações), estará seguramente a força brutal da dominação da finança de casino, legitimada naturalmente pela versão moderna do capitalismo, uma selva de predadores nada naturais e propagandeada por agentes de comunicação pagos (e bem pagos) para promoverem lavagens ao cérebro, com notícias falsas e comentários orquestrados. Bastará porventura um sinal para acordar, não sendo suficiente um qualquer despertador. De qualquer forma, parece mais que evidente que é necessário começar a nova temporada, marcando pontos em todas as jornadas de luta, somando-os para conseguir a vitória final, a qual, não dando acesso a uma liga milionária, pode significar uma época diferente, no mínimo, com mais consciências despertadas. 
O Estádio é, sem qualquer dúvida a rua. Sabe-se que, estando sempre cheia, é o tal décimo-terceiro jogador, cuja importância ninguém deve subestimar. 
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[1] Este graffiti (também designado de “O Atirador de Flores”), apareceu pela primeira vez em 2003, em Jerusalém, logo após a construção do Muro da Cisjordânia, (760 quilômetros que separam a Cisjordânia palestina de Israel). Banksy voltou em 2005 para pintar uma série de 9 trabalhos de intervenção política, apoiando a liberdade e a igualdade.
[2] No original, “Sorry, the lifstyle you ordered is currently out of stock”, um mural concebido em 2011 e colocado no bairro financeiro Canary Wharf, em Londres, ao lado de um prédio vago dentro de um espaço retangular para anúncios. 
[3] Excerto da obra “O torcicologologista, Excelência”, Gonçalo M. Tavares, Ed. Caminho, 2015 

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