17 outubro 2018






O objectivo do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) a 22 de dezembro de 1992, é mobilizar esforços no combate à pobreza, que continua a provocar vítimas, não obstante a humanidade conseguir produzir a quantidade de alimento necessário para responder às necessidades de todas as pessoas do mundo. Esta iniciativa, data de 17 de outubro de 1987, por iniciativa do padre católico francês Joseph Wresinski, de quem é conhecida a declaração, “Não é de alimentos nem de roupa que (os pobres) mais precisam, mas sim de dignidade. Precisam, sobretudo, de não estarem dependentes do que querem ou não querem os outros, dependentes dos caprichos da boa vontade alheia.”

Desde essa data até à actualidade, múltiplas iniciativas têm surgido, no panorama internacional, com idêntico objectivo. Todavia, é na Agenda das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, de Setembro de 2015, que é explicitada a erradicação da pobreza, devidamente registada no ODS(1) número 1. 
Os números das estatísticas mostram que no ano 1990, haveria 1,9 biliões de pessoas no mundo, a viver em situação de pobreza extrema. Em 2016, registaríamos 836 milhões de pessoas; o sul da Ásia e a África Subsaariana são as regiões onde reside a esmagadora maioria das pessoas que vivem em situação de pobreza extrema.

No nosso País, registava-se em 2008, uma percentagem de taxa de pobreza de 17,9%. Mas, apesar das melhorias económicas dos últimos 3 anos, esse valor é agora de 18,3%, que representa mais de 1,8 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema. A PORDATA regista aliás nesse ano (2016) para o que define como “Taxa de intensidade da pobreza”(2), um valor de 27%! 
O professor Associado do ISEG, investigador Farinha Rodrigues, assinalou em entrevista à agência Lusa, que “Apesar das melhorias significativas que se verificaram nos últimos anos, continuamos a ter uma situação de pobreza e exclusão social e de desigualdade social que é extremamente preocupante”. Apontou ainda que, como houve nos “últimos dois, três anos alguma recuperação dos principais efeitos da crise em termos de indicadores de pobreza”, isso como que “adormeceu” a necessidade de discutir esta questão"

O que conta afinal, é que, neste momento, há 1,8 milhões de pessoas em Portugal, em situação de pobreza. O que na realidade não abona o discurso oficial e demonstra que há certamente muito mais a fazer, quer na esfera das políticas económicas de uma maneira geral, quer ainda nas da saúde, da educação, da justiça e de todas as que dizem respeito aos trabalhadores e à melhoria das condições de trabalho e de bem-estar social.
E demonstra ainda que, a submissão às políticas do directório europeu, é o maior travão à recuperação de condições dignas de vida, de trabalho decente. Para além disso, será necessário levar em linha de conta uma realidade que, a nível nacional e à escala europeia, é assustadora: actualmente ainda existe uma percentagem significativa de pessoas que nascem pobres e continuarão pobres ao logo da uma vida.
Neste preciso momento, na União Europeia do Euro e da NATO, “...uma em cada quatro crianças estão em risco de pobreza ou exclusão social; são no total, 25 milhões de crianças, sendo que a maioria cresceu em famílias pobres, que lutam cada vez mais para lhes proporcionar uma vida digna(3) . Num comunicado datado do dia de hoje, a Rede Europeia Anti-Pobreza, diz “Para uma UE que se orgulha do seu modelo social, estes números, confrangedores, deviam configurar um crime, um ataque aos direitos fundamentais e um fracasso no investimento feito nas pessoas e no nosso futuro”.

As declarações oficiais do PR e do Ministro do Trabalho situam-se infelizmente dentro da habitual retórica que, todos os anos, por esta altura, dominam a cena mediática. Todavia, quando se trata de legislar contra os privilégios daqueles que são os culpados verdadeiros da situação, recuam e cedem a esses mesmos privilégios. Mas, para que tudo fique na mesma e tenha algo que ser feito, fala-se em “estratégia nacional coordenada de combate à pobreza” e de “visão de conjunto que que falta no nosso país”, entre outras mais ou menos redundantes, que eventualmente satisfazem algumas consciências que defendem medidas mais ou menos assistencialistas, porventura os tais “caprichos da boa vontade alheia” de que falava Wresinski.

Lá fora, na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade, há 1,1 milhões de portugueses que trabalham, mas são pobres, uma realidade que não passa na comunicação social, nem é sequer notícia de telejornal, porque é um “espectáculo” que eventualmente não vende. Contudo é um número que nos deveria envergonhar, dado que representa 10,8% da população e que demonstra que não basta ter um emprego para sair da pobreza. “Mas a verdade é que ainda continuamos com 18,3% de pobres de rendimentos e chegam aos 23,3% os excluídos”, afirma o mesmo comunicado a que atrás aludimos. Por isso, continua, “Não basta ter emprego, é preciso qualificar as pessoas para elas poderem ter acesso a empregos mais bem remunerados e terem mais rendimentos”.

A pobreza extrema é considerada um crime contra os Direitos Humanos, e todos os governos devem assegurar que os seus habitantes vivam com qualidade de vida e dignidade. De acordo com dados da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), mais de 840 milhões de pessoas continuam a passar fome excessiva, em todo o planeta.

Na altura em que Wresinski, reuniu cerca de 100 mil pessoas para celebrar o primeiro Dia Mundial para a Erradicação da Miséria, na Praça dos Direitos Humanos e Liberdade, em Paris, foi colocado um enorme cartaz diante da Torre Eiffel que dizia: “Onde homens e mulheres estão condenados a viver em extrema pobreza, os direitos humanos são violados. Unir-nos para que sejam respeitados é um dever sagrado”.

Há precisamente cento e setenta anos, alguém(4) escrevia assim “A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas.”
Que gritante actualidade!

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(1) ODS: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma agenda mundial adotada durante a Cimeira das Nações Unidas, em Setembro 2015, composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030; o ODS número 1: “Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares”
(2) A Taxa de Intensidade da Pobreza mede a distância entre o limiar de risco de pobreza e o rendimento mediano das pessoas que estão abaixo desse limiar. Ou seja, a taxa mede o nível de pobreza. Quanto maior é a taxa de intensidade da pobreza, mais pobres são os mais pobres. Entre 2010 e 2015, na União Europeia, a taxa de intensidade de pobreza subiu de 22,9 % para 24,9 %. Em Portugal, no mesmo período, a taxa aumentou de 22,7 % para 29 %
(3) Fonte: EAPN Portugal. A EAPN - European Anti Poverty Network (Rede Europeia Anti-Pobreza) foi fundada em 1990, em Bruxelas, a EAPN está atualmente representada em 31 países, nomeadamente em Portugal. A EAPN Portugal foi criada em 17 de Dezembro de 1991, a é uma organização, reconhecida como Associação de Solidariedade Social, de âmbito nacional, obtendo em 1995 o estatuto de Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD).
(4) Engels & Marx, no Manifesto do Partido Comunista, (1948)




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