24 novembro 2018

OS NOVOS RITUAIS















Arquitectados na base do preconceito ideológico infantil ou infantilizado e alimentados pela economia de casino, eles existem e comandam de tal forma a vida de milhões de pessoas, assumindo por vezes a figura patética, que os próprios, os que adoptam, ou aceitam os novos rituais, nem sequer se apercebem do logro, da mentira, ou de uma lavagem ao cérebro, na sua faceta mais perfeita.
Vêm quase sempre do mesmo sítio, passam o Atlântico e instalam-se, criam raízes, sob a hipotética capa de uma moderna aculturação pelo decadente e pelo mais puro banalismo. Tendo começado pela famigerada festa do halloween, sem qualquer raiz cultural por estas bandas, estende-se agora às chamadas sextas-feiras negras, ou black friday, a manifestação mais rasca do consumismo desenfreado, mas que encaixa muito bem na sociedade capitalista do século XXI, que nasce sob a égide da tentativa desesperada de um regime de pós-dominação, pela informação negativa e pela manipulação grosseira da consciência colectiva. E ainda pela cultura do consumo obsessivo, numa sociedade que cria desperdício e lixo, que vão entupindo as cidades e arrastando um autêntico exército de excluídos. 

Todos os dias e a toda a hora, somos inundados de propaganda. Seja ela qual for, muito embora aquela a que nos habituamos tenha a ver com anúncios de produtos e serviços que precisam de ser nomeados, para captarem a nossa atenção, mesmo que não precisemos deles, nem nos façam realmente falta, ou porque passamos bem sem eles, ou porque são perfeitamente inúteis para a nossa existência. A reacção das pessoas a este tipo de propaganda pode ser a mais diversa e depende do estado psicológico e até mental, podendo assumir as mais diferentes atitudes, dependentes também do estado emocional.
E é precisamente no apelo aos sentimentos mais básicos que estão as campanhas que encharcam a sociedade de produtos supérfluos, mas em que as pessoas são levadas a participar, a quererem ser as primeiras a chegar, sujeitando-se muitas vezes a imensas filas e digladiando-se por vezes por uma singela peça de roupa. A irracionalidade podia ser a nomeação para o negro da coisa, a coisa aqui está preta, na conhecida asserção do poema. Todavia, a cor negra era apenas uma imagem para a crise financeira que atingiu os Estados Unidos em 1869.  Adquire, porém, nova vida, no ano 2005, em Filadélfia, associado ao período de compras de Natal, aparentemente com preços mais baixos.

Apesar de sucessivos avisos de entidades que alertam para a defesa dos direitos dos consumidores, transformados por vezes em alertas para os preços fabricados umas semanas ou mesmo uns dias antes da negra sexta-feira, o facto é que o apelo é mais forte, uma vez que é intencional e bem arquitectado. Quase que se podia sintetizar na ideia, mesmo que não precises, compra, porque é mais barato.
Assim se constrói, destruindo. Porque é mesmo de aniquilamento que se trata, imagem patética de um mundo despersonalizado, potencialmente idiota e desprovido de sentido existencial.  Um mundo que cria artificialmente novos rituais, baseados no superficialismo e na falsidade. Um mundo baseado na exploração e na destruição, na manipulação e na desinformação, na mentira e na inação. Os novos rituais desenham perfis de escape, comportamentos recorrentes que afectam a saúde física e a saúde mental, a imagem pessoal e profissional e, basicamente o relacionamento interpessoal.

Se repararmos e pensarmos um pouco, encontramos a imagem do consumismo autoinfligido, nos centros comerciais que parecem surgir em toda a parte, alimentados pelo terrorismo publicitário e pela degradação completa do ambiente das cidades. O próprio ritual da “visita” ao centro de consumo, aos fins de tarde e aos fins de semana, é possivelmente o exemplo mais triste da degradação das relações entre as pessoas. Em vez de estarmos a criar cidadãos com autonomia, parece estarmos a potenciar indivíduos dependente a acéfalos. Sempre a bem do sistema e da sua manutenção e perpetuação.
Até ver.


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