04 maio 2019


















































Tentar perceber a posição de António Costa, ao ameaçar demitir-se, caso seja aprovada a votação final global positiva da reposição das carreiras dos professores, sem a enquadrar 
na filosofia das restrições orçamentais e que o próprio Partido Socialista (PS) se auto-impõe, é um exercício de retórica política sem qualquer sentido.
Na realidade, o PS é (e sempre será) refém das políticas de austeridade impostas pelos ditames europeus, ligados á execução do Tratado Orçamental, cuja responsabilidade primeira é do Conselho Europeu e que o auto-intitulado Europrupo, cujo presidente (é sempre bom lembrar) é Mário Centeno, interpreta como um mecanismo de protecção da moeda única e de uma propalada “estabilização da zona euro”. Assim e desde que o Ministro das Finanças do Governo da República se tornou seu par, o nosso País ficou ainda mais refém (se tal é possível dizer) da sua própria política conceptual. Normalmente não se fala disto, mas acontece que é mesmo assim. Lembramo-nos decerto das declarações desastradas e comprometedoras de Mário Centeno, em relação à Grécia, no ano passado

Daí as posições que alguns se “lamentam” sobre as rendas (entre as quais as das eléctricas), sobre os recuos (após alguns “avanços”) nas políticas de saúde pública, com as cedências às pressões dos privados, para citar apenas os mais recentes.  Contudo, essas posições apenas demonstram a submissão do PS às políticas de constrangimento do euro e do directório europeu. Com as consequências já sentidas ao estrangulamento progressivo do investimento público. No fundamental, nada de estranho, porém: o nosso País, não tem moeda própria e, como consequência, não tem possibilidade prática de executar uma política orçamental soberana. Porque não a tem (soberania), está sujeito a todos os condicionamentos que temos conhecido e outros que viremos a conhecer, caso a situação de dominação se mantenha. Esta é a realidade.

Mas existe também a ficção. Quer uma, quer a outra podem eventualmente determinar (ou não) as condições subjectivas para a mudança. Então das duas, uma. Ou o PS, aprende de vez que não basta "retribuir rendimentos e pensões" e que é preciso ir mais além, para colocar os trabalhadores portugueses ao nível dos seus parceiros na Europa e terem o que lhes é devido, ou é "engolido" pela Direita que diz rejeitar. Ou abandona de vez a retórica social-democrata que só serve para enganar a classe trabalhadora, ou é "substituído", como os seus "camaradas" europeus foram e irão ser, num futuro próximo.
O problema é, contudo, sempre o mesmo: o Partido Socialista é mesmo assim e a sua propalada retórica de esquerda, combina e convive com a tese “trabalhista” e reformista, que o próprio António Costa diz ter “desde o berço”: reformas para “salvar” um sistema que não tem qualquer hipótese de salvação possível.
Não é por acaso que parece existir alguma dificuldade em compreender a política actual, em termos de economia global. Um bom exemplo é dado por Jorge Bateira (3 Maio 2019), quando pergunta “...gostam da integração europeia, com moeda única?”. E responde à sua própria questão, “Então sejam compreensivos com o Governo. O problema não é Costa/Centeno/PS (+ os hipócritas do PSD e CDS). O problema é o europeísmo que vos impede de ver o buraco em que estamos metidos.”

A questão dos professores e da contagem de tempo de serviço efectivamente prestado, nem sequer devia estar em discussão. É um direito e, como tal, deveria ser (ou estar a ser) cumprido. Tão simples, como isso. Da mesma forma, que a contagem (ou simples requalificação) de outros trabalhadores do Estado. Todos têm o mesmo direito e merecem o mesmo respeito do Estado, que é afinal o seu empregador. E, ao mesmo tempo também, a entidade que os deveria defender, promover e acarinhar. 
Porém, todas estas considerações não passam de retórica. Têm, portanto, o significado estrito que merecem ter, o seu reconhecimento é meramente insignificante, se não lhe acrescentarmos a verdadeira essência, que passa pela defesa da dignificação do trabalho e da sua qualificação. 

A questão do Estado ganha, em alturas como esta, uma relevância maior. E a questão como cada entidade política (partidos e outras organizações) interpreta a sua definição, os seus limites e a sua função. Como afirma Lazzarato[1], referindo-se ao actual “estado social”, a “...organização da vida a partir das dinâmicas da dívida produz um tipo muito particular de “liberdade”, em que a população fica à deriva dos humores do financeirismo.” Todavia, a realidade mostra (ainda) um estado liberal, que visa em última instância, assegurar o funcionamento de uma economia de mercado, em que todos os sectores de atividade ficam sujeitos às regras “sagradas” da concorrência e em que o mercado regule tudo, incluindo a vida das pessoas, se for afastada a intervenção do próprio Estado.  
Impõe-se então, aqui e agora (e mais além...), uma reavaliação do papel do Estado, enquadrada não propriamente na perspectiva reformista, de que este Primeiro-Ministro tanto gosta. 
É que acontece que há quem não goste...



[1]Maurizio Lazzarato, Itália (1955), Sociólogo, filósofo e investigador social


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