09 setembro 2019

O PROGRAMA DO BE (BLOCO DE ESQUERDA): 

UM PEQUENO CONTRIBUTO DE INTERPRETAÇÃO

































Há porventura dois aspectos fundamentais nesta análise. 
O primeiro tem a ver com a circunstância de um partido situado à Esquerda partidária, apresentar o seu programa eleitoral, aberto à crítica e à discussão pública, com todas as vantagens que daí advêm para o sector político onde nos inserimos. Haver discussão política é um acto “heróico” de cidadania e até certo ponto, neste momento, uma manifestação de resistência.
O segundo aspecto é o conteúdo deste programa. E da sua possível interpretação factual e contextual. 
Na realidade, compete à Esquerda defender a transformação social. A posição de “pedir” mais ou menos, de “obrigar” a travar a investida capitalista, ou de reivindicar “melhor economia”, ou até de exigir mais e melhor saúde, educação ou direitos laborais, pode ser perfeitamente aceitável, do ponto de vista formal e que tem a ver com as naturais reivindicações de uma população supostamente mal-informada e que interpreta pela rama, o que se vai passando à sua volta. Para elas e eles, que constituem uma enorme massa humana, que se situa entre o trabalhador assalariado e a pequena burguesia urbana, e para a qual o mundo gira no pequeno ecrã, tipo SIC Notícias, TVI 24 e CMTV, é aparentemente fácil e de pouco trabalho, a interpretação de um mundo circunscrito e limitado. 
A outra posição, muito mais difícil de defender (e de praticar), implica uma outra visão do mundo. Exige esclarecimento, informação e formação política. E, quando algumas e alguns aí chegam, percebem que este quadro em que nos movemos, quer a nível nacional, quer a nível europeu, não dá qualquer saída a transformações, nem respostas seguras para a exploração a que nos sujeitam. Não esperem os trabalhadores, melhores condições e um trabalho digno, de um salário justo e uma habitação condigna, enquanto o nosso País estiver sujeito ao espartilho orçamental, da União Europeia e da moeda única. Não esperem, que não vale a pena, só mesmo o desengano e a ilusão contínua. 
Contudo, se dizemos que não é fácil, tal não significa que não seja possível.
E aí, no campo concreto das ideias, ou no imenso charco de políticas enganosas, é que a Esquerda tem o ingrato papel de desmistificar, de contrariar, de apresentar alternativas. 
Mas, acima de tudo sem admitir quaisquer espécies de concessões, que induzam a dúvida.
A Esquerda tem que ser clara e concisa e dizer o que não é costume dizer. De denunciar o que deve ser denunciado, a começar pela desmontagem do discurso mais perigoso que existe nos tempos modernos e dá origem (que já deu origem) ao aparecimento dos fenómenos de abandono e de recusa dos sistemas democráticos e da sua substituição por regime de excepção, quando não, perfeitamente totalitários, fascizantes, ou mesmo, fascistas. E aquele discurso a que reportamos é precisamente o das “novas ou terceiras vias”, de uma “social-democracia” corrupta e decadente e que alimenta de teses, como a da conciliação e da concertação.

A leitura do programa do BE, proporciona-nos, por exemplo, “Este programa assegura a continuidade do combate à austeridade, empenhando-se no combate às desigualdades numa economia para toda a gente, estabelecendo as condições para a revolução energética no combate às alterações climáticas, defendendo quem
vive do seu trabalho e da sua pensão.”[cf, pág. 6] Nem se entende o que é a “economia para toda a gente”, nem quais são as “condições para a revolução energética no combate às alterações climáticas”.
Por outro lado, também não se entende o que é “Democratizar a economia para vivermos sem medo...” [cf, pág. 6]. Primeiro, porque o modelo (económico) não é susceptível de ser democratizado, tem é que ser erradicado, precisamente para afastar o tal “medo”. Que existirá sempre, com este modelo, porque assim o determina a sua perspectiva de dominação. 
Não é portanto sustentável a “Outra ideia de Portugal”, baseada em “...uma democracia económica para toda a gente...”[cf, pág. 32], que vai reduzir a desigualdade. Será, pelo menos, a erradicação do modelo económico que suporta a economia de casino em voga na europa.
Também não é totalmente certo que “À medida que se desenvolve este programa económico, assente no aumento dos salários e pensões e do investimento, e com a criação de emprego que implica, será possível aumentar a poupança interna” [cf, pág.55]. Primeiro, porque não é verdade que “este modelo” seja assente no “aumento de salários e pensões”, apenas a conjuntura do apoio concreto da esquerda parlamentar o permitiu. Segundo, porque não é possível “aumentar a poupança interna”, com a política seguidista às regras do eurogrupo, antes pelo contrário.
Apenas para ficar com uns ligeiros apontamentos sobre contradições que encontramos no programa do BE, deixamos este, “A alternativa da esquerda parte do problema do fundo da nossa inserção na União Económica e Monetária. A única estratégia sustentável é uma política que investe nos setores determinantes para a nossa dependência externa, retendo os as trabalhadoras e trabalhadores qualificados que estão a abandonar o país.” [cf, pág 122]. De facto, o problema de fundo da dita União, é a subjugação à dívida e ao euro, para favorecer a Alemanha, essa a realidade a que não se pode fugir. Não existe qualquer hipótese de “democratizar” esta situação de dependência. E, como consequência, a única saída possível é o abandono da coligação europeia de dominação, que conforme se diz (e bem) logo a seguir implicam “..o atraso económico e o ciclo da dependência.”.

O programa do BE contém inúmeras e valiosíssimos contributos para medidas concretas. Que contudo, têm pouco a ver com os princípios conceptuais do mesmo. Que tal possa contribuir para a maioria absoluta do PS, até é capaz de resultar, muito embora tal não signifique um conceito em si mesmo, mas apenas uma estratégia.

A Esquerda tem ir mais além. Muito mais além!

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