10 novembro 2019

A TAL CIDADE (sempre) MARAVILHOSA 

A Favela da Rocinha
10 minutos a descer, vinte minutos a subir
Podia ser a imagem, de tantas vezes repetida pelo nosso guia Leopoldino, um local, morador na Favela da Rocinha. Ele e a nossa recepcionista do Hotel, que só mostra um sorriso quando lhe manifestamos satisfação, perante um passeio tão maravilhoso, quanto a Cidade onde mora.
Nas restantes cidades do mundo, quem tem dinheiro mora no alto, aqui na Rocinha é mais ou menos o inverso, quem mais tem que subir é quem tem menos hipótese de pagar uma renda, que pode oscilar ente 100 ou 500 reais. Mas, quem pode pagar 500 reais, quando ganha isso, ou pouco mais? Ou menos, ainda haverá casos desses, ou que não conseguem um emprego. Leopoldino é parco em palavras, ou melhor, apesar de dizer muitas palavras, parece falar apenas o suficiente. Todavia, quando tivemos oportunidade, a meio da tarde, de tomar uma caipirinha e falar com o homem do boteco, de uma forma aberta e franca e o ouvimos falar contra o Governo, então a partir daí, o nosso Guia começa outro discurso, a fala de uma homem que vive dos expedientes do turismo, mas que habita a favela, com os irmãos que sobem e descem. O homem da agência fala agora de como era, antes de Lula e como é agora. Leva-nos a ver as ruas novas que foram reconstruídas e a quantidade enorme de habitações que foram atribuídas aos cidadãos. É que acontece que sua avó também recebeu uma, precisamente aquela onde ele vive, porque os pais já se passaram. Diz, “...vê como é rua, dantes era quase nem metade, mal passava um carro”, agora pelo menos há uma (ainda que pequena) mudança.
Um pouco antes, Leopoldino, havia de nos abrir as “Portas do Céu”, onde mora um ancião que tem a chave. Diz que devemos contribuir com 2 reais (45 cêntimos) para a “abertura”. Uma porta que é um bocado de chapa, e que uma vez aberta, nos irá presentear com uma das paisagens mais belas que a Natureza pode oferecer, o Rio a nossos pés, os morros, a Lagoa no seu esplendor, as praias, o mar.


E diz ainda, “o que quer e pode este homem, um ex-capitão, realmente com o mesmo pensar dos antigos coronéis?”. Mesmo admitido que alguns dos da Rocinha, tenham votado (enganados) nele e nos seus capangas. Cedo irão perceber o que ele é e o que representa. 
Mostra-nos com orgulho algumas obras de Oscar Niemeyer, o homem de Olinda e de Brasília, o arquitecto comunista, aquele que sofreu na pele na Ditadura e que foi obrigado ao exílio pelos fascistas, durante 16 anos e que morreu no seu Brasil, com 104 anos.

As visitas
As deambulações pelo Rio levam-nos ao Real Gabinete Português de Leitura , fundado em 1837, situado num edifício meio escondido do século XVIII,  mesmo por trás de um teatro de arquitectura duvidosa e que ostenta uma biblioteca fabulosa.
Uma rua perigosa onde não se deve circular depois do entardecer, segundo consta e aconselha o bom-senso local. Mas era ainda relativamente cedo e decidimos arriscar um pouco e percorrer a rua que leva à praça da estação de metrô Uruguaiana.  Onde vive uma das mais famosas feiras do rio e onde se compra tudo e mais alguma coisa pelo preço da uva mijona. Na rua surge então uma porta que ostenta o significativo o nome de Letra Viva.  Era obrigatório entrar fotografar e curtir mais alguns minutos os livros as revistas novos e usados, de onde aparece um “Assim Falava Zaratustra”, do Nietzsche, por apenas 25 reais, ou seja, mais ou menos, 5 euro e meio.
A biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura conta com 350.000 volumes, sendo a mais valiosa biblioteca de obras de autores portugueses fora de Portugal. São centenas de prateiras de madeira, distribuídas por 3 pisos, num edifício de indiscutível beleza e elegância, de um gótico tardio português do século XVIII (neomanuelino) e que incorpora muitos motivos marinhos e, no exterior, as estátuas de Pedro Álvares Cabral, do Infante Dom Henrique e de Vasco da Gama que alimentam a pedra da fachada exterior do edifício em 1935. Para além do fantástico vitral, envolvido pela abóboda, o nosso olhar queda-se nas prateleiras em castanho e em umas escrivaninhas simplesmente deliciosas.  
Os livros misteriosos, objetos que fascinam e enriquecem a nossa imaginação, como que dançam sem sair do sítio, um desafio permanente para serem tocados e desvendados.

O Tom Jobim
Copacabana princesinha do mar /Pelas manhãs tu és a vida a cantar/E a tardinha o sol poente /Deixa sempre uma saudade /na gente”, é um perturbante esplendor de 8 km, entre Ipanema e Leme. 

O Tom está (ainda) presente neste Rio de Janeiro, qual o mestre que, de qualquer ângulo, ensina a cantar e canta a ensinar. Ele, como as outras e com os outros que neste momento resistem contra a besta que mora no Planalto, vivem no dia a dia sonhando com dias melhores, para sua terra, para suas gentes. Elas e eles que são hoje perseguidos, como no tempo dos coronéis, até mesmo assassinados, como Marielle ou  Anderson Gomes. E mesmo que não tenha sido o Poder a matar, ele é o primeiro responsável, pelo ódio que espelha e que espalha.

E eu vou...
Sim, eu vou, talvez com Caetano,” Caminhando contra o vento /Sem lenço e sem documento/ No sol de quase dezembro...”, pensando em quase nada, a não ser o tal sol (ainda em Novembro, quase Dezembro), vendo os meninos da rua, os sem-abrigo que dormem encostados a qualquer prédio, vendo os fortes gradeamentos nos prédios perto da praia, cheirando os fortes odores a mijo, isso mesmo, no centro da cidade e na praia de Copacabana. Apreciando as muitas e muitas feirinhas de rua, quase tudo nos parece barato, depois da desvalorização do real, comendo fruta que por cá assusta de tão cara, bebendo sumos e água de coco, que cá não há.
Pensando, “Tanto Mar” que nos separa, tanta simpatia das gentes que nos fala, que nos atende, que nos guia, que nos orienta, sempre com aquele sorriso, sempre com o tal sotaque, apesar de, para eles, nós é que temos sotaque. 
Nós, sempre a aprender. Ceto dia, ma praia um carioca explica a duas argentinas, “não se diz eu vou no metro, metro é uma medida, deves dizer, eu vou no metrô”. E não é que tem razão?

Registo devido
Tantas e tantas que falaram e disseram de suas vidas, que poderíamos escrever, nunca mais acabaríamos. Mas mal ficaríamos sem deixar de citar o Leopoldino da Rocinha, a Eliane e o André, com quem trocamos mensagens e sempre ficarão no nosso coração. Eles são tão queridos como este Brasil, esse Rio de Janeiro que nos fascina, que nos aperta, tentamos não moralizar. Daquelas e daqueles que não sabemos o nome de quem lembramos um rosto ou um singelo sorriso, que ficarão sempre connosco.
E de novo eu vou, “... Por entre fotos e nomes /Os olhos cheios de cores...”





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