21 março 2020

PALAVRAS PERDIDAS (ou perdido por palavras?)


Protesto!
Formal e completamente
Com tanta coisa para escolher
havias de ir para aquilo
Aliás,
ando eu a escrever pela casa
e tu vais e limpas as palavras.
Não faz sentido
virei tudo do avesso
e só encontrei um “Não”
(sei que não preciso)
Que faço com ele
acho que está gasto,
usado
(lembro-me agora)
Despejado não sei quantas vezes,
talvez encontre debaixo da cama
a palavra que falta
piso agora algumas letras soltas
(amarfanhadas),
não sei como agrupá-las
alguém me ajude!
O gato levou-me o “k”
brinca com ele
dava-me jeito.
Uma chatice,
acordo agora
(um sonho desastroso)

Cantava “The Letter”[1]
acompanho-me à viola
ainda bem que acordei
havia uma canção.
De contrário, assassinava a canção
(havia palmas?)
Encontro agora na casa de banho
a palavra “descartado”
(molhada)
As voltas que eu dei e aparece-me isto,
que faço com ela?
(digam-me por favor)

Resolvo descartá-la
(é mais sensato)
De que vale o meu protesto?
(alguém me ouve?)
Vou formalizar devidamente a queixa
porque apareceu-me agora um “x”
(acho que fica bem assim)
Saio
Vou ao parque apanhar folhas
(não posso ficar o dia todo em casa...)
Pode ser que algumas palavras
tenham voltado
(que ingenuidade!)
O gato devolveu-me o “k”
(aos pedacinhos)
vá lá, nem tudo está perdido

Descubro agora um “sim”
no forno do fogão de lenha
Um “sim” chamuscado,
mesmo assim, um “sim”
Cheira-me a esturro...
não entendo porque ris,
não se brinca com o fogo
(sempre ouvi dizer).
Na casa de banho há sinais
de que por lá passou
algo que que já suspeitava
(mas não tinha coragem de admitir)

Mas que ousadia despejar pela sanita 
a “Cidade”...
que, porém, sobrevive,
apesar do cheiro óbvio
(as cidades cheiram todas assim?)
Uma catastrófica imagem
(estamos todos na merda?)
Vá lá saber-se porquê
À porta do quarto
sobrevive a “gente”


(termo estranho a muita gente...)
entra, não entra,
o vento atira a palavra fora,
escadas abaixo
(mais abaixo)
acaba no caixote do lixo
(gente atirada ao lixo!)
orgânico?

Salta-me para as costas
(solta-se do tecto)
a palavra “dignidade”
(parece)
mal escrita, faltam-lhe letras
(mas sei que é ela)
arroja-se aos pés,
quase que a pisava
(estranha sensação de culpa).
Afinal caem outras letras de cima
não sou capaz de as juntar
(mania das limpezas...)
Um caos completo, a outra sala
um atropelo de consoantes,
era bom que houvesse alguma calma
para encontrar sentido
onde ele desapareceu
(mistério?)

Continua a busca de letras perdidas
(ou de palavras, melhor)
É noite, esta casa tem pouca luz
Desisto!
(podia ir ver televisão)
Subo as escadas para o quarto,
a porta, meia-aberta
(um quarto vazio)
(já começo a ver mal)

A palavra perdida
“Eu”,
Já desconfiava...


[1]Lennon & McCartney

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