14 abril 2020

APOIO EUROPEU VAI CONVERTER-SE EM AUSTERIDADE? "NÃO. PODEM ESTAR DESCANSADOS"


Acordamos com a “promessa” de Mourinho Félix, que garante à TSF [1], que o pacote de 500 mil milhões não vai converter-se em austeridade. 
Cansados do vírus, cansados de estar confinados, só nos restava agora esta retórica que, de tão gasta, é porventura a que melhor encaixa neste Governo do Partido Socialista e com a estratégia “europeia” do “maestro” Centeno.
Perguntar-se-á que efeito terá o título do artigo, retirado do sítio internet da TSF, na maioria dos cidadãos portugueses?
A mesma questão poderia ser igualmente colocada a qualquer país da Europa do Sul.
Abalados pela(s) dívida(s) que não quer baixar, o protótipo do estado europeu do Sul e, em particular o nosso País, sem ter o principal instrumento de gestão de toda uma política orçamental, ou seja, sem moeda própria, está completa e totalmente amarrado e incapaz de propor uma politica económica consistente e consentânea com o desenvolvimento do País, no sentido do combate às desigualdades e da  erradicação da pobreza. No mínimo.
Ao mesmo tempo e reparem na diferença, sabemos hoje que o Banco de Inglaterra vai financiar directamente o Estado britânico, durante o tempo que o Governo considerar necessário para combater as consequências económicas do covid-19.
Mas sempre se deve dizer: para isso é que serve um país ter a sua moeda própria.
Isto é tão evidente, que quase dispensaria comentários.

Todavia assim não acontece.
O presidente do eurogrupo, classificou ontem (9 Abril), em entrevista à TSF, que o pacote europeu de 500 mil milhões de euros para combate à Covid-19, significava um conjunto de propostas "muito ambiciosas que teriam sido impensáveis há algumas semanas". E, aludindo à última crise, em que "a Europa fez muito pouco e demasiado tarde", 
Mas há mais, na retórica gasta de Centeno. É que ele garante que "só conseguiremos atravessar esta crise juntos, enquanto europeus".
Como é possível falar desta forma, que considero abusiva e até, neste contexto, simplesmente criminosa?
Não e não. Embora ele saiba bem que é assim, não pode enganar os cidadãos. 
Em primeiro lugar, porque não existe qualquer intenção de “atravessar esta crise juntos”, da parte dos países que impõem a política das sansões e do medo. 
Em segundo lugar, porque já se sabe, há muito tempo, que não existe qualquer sentido no “enquanto europeus". O que existe é uma realidade bem diferente, em que um País, detentor da moeda e de um Império, a Alemanha, continua a sugar os países do Sul, lucrando com as suas dívidas soberanas, enquanto permite que os países do Norte, sejam alimentados, de acordo com a sua a perfeita anuência e cumplicidade. 
“Todos juntos”, com as empresas a pagar impostos na Alemanha.
“Todos juntos”, com a mais completa ineficácia da dita “união”, na questão dos refugiados.
“Todos juntos”, a olhar para a desgraça sanitéria e humanitária, na Espanha e na Itália e a não arriscar sequer um mínimo de apoio (que teve de vir de Cuba, da China, ...)
Todos juntos, a pagar para a NATO semear a Guerra, por toda a parte, com o dinheiro dos nossos impostos.

Impossível concordar, nem que seja, numa pequena parte
Como faremos a recuperação da economia do País, agarrados aos acordos e tratados, que impõem uma austeridade permanente e constante, ainda que atenuadas aqui e além, por tímidas (muito tímidas mesmo) medidas, como, no caso concreto do nosso País, a diminuição dos preços dos transportes, ou um modestíssimo aumento em salários e pensões, estes, segundo já por aí corre, ameaçados para 2021?
A resposta é por demais simples e directa: não faremos!
Nesta lógica de administração da situação presente, não faremos mesmo!
E o pior é que o Governo actual, é mestre em disfarçar a austeridade, sempre forte para com os mais fracos e, meigo que nem o cordeiro da páscoa, para com a banca, para com as grandes empresas. Este Governo é enfim, completamente benevolente para com o capital rentista, que sempre lhe exige a socialização dos prejuízos, ganhando sempre e mais uma vez.
É absolutamente miserável que nos venham de novo dizer que “podemos ficar descansados”. 
Não, não podemos ficar desancados. Estamos é cansados de tanta verborreia, tanta coisa gasta e suja, com um discurso mentiroso e cobarde. 

E como a Esquerda vê isto?
A pergunta é por demais actual e pertinente.
Enquanto uns ainda sonham com coronabonds e mutualização das dívidas, acreditando que ainda é possível reformar este estado de coisas, lamentando-se diariamente, na comunicação e nas redes sociais, desencantados com esta europa, outros vêm combatendo este inútil desencanto e esta postura dúbia e enganadora.
Entretanto, lá fora, as empresas pequenas e médias desesperam, em riscos de encerrar, sem possibilidade de reabrir, as famílias, fechadas em casa, algumas sem o mínimo de condições para tal, são cumprimentadas todos os dias por Costa e Marcelo, que se estão a portar muito bem...
Se uns e outros e muitos outros mais, pudessem ao menos falar, depressa destruiriam a retórica daqueles que governam sobretudo para o espectáculo e para as estatísticas. 
Por isso, é mesmo necessário um outro olhar sobre a situação. Um olhar isento de medo, sobretudo. Mas que também exigente, com alguma serenidade, alguma reflexão sobre os fracassos conhecidos. 
Não basta adquirir conhecimento. É preciso utilizá-lo para a acção. 

Um pensamento para ... qualquer coisa que mexa por aí!
Termino com algumas palavras, excerto de uma entrevista ao Jornal “El País”, do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, de 8 de Abril, sem qualquer comentário: “A introdução do euro dividiu a comunidade monetária em norte e sul, em vencedores e perdedores. A causa é que as diferenças estruturais entre as regiões econômicas nacionais não podem ser compensadas se não se avança no sentido da união política. Faltam válvulas, como por exemplo a mobilidade em um mercado de trabalho único ou um sistema de segurança social comum, e faltam competências europeias para uma política fiscal comum. A isso se acrescenta o modelo político neoliberal incorporado aos tratados europeus, que reforça mais ainda a dependência dos Estados nacionais em relação aos mercados globalizados. O elevado desemprego juvenil nos países do sul é um escândalo absurdo. A desigualdade aumentou em todos os nossos países e erodiu a coesão populacional. Os que conseguem se adaptar aderem ao modelo econômico liberal que orienta a ação em benefício próprio; entre os que se encontram em situação precária, espalha-se os medos regressivos e as reações de ira irracionais e autodestrutivas.”

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[1] https://www.tsf.pt/portugal/economia/apoio-europeu-vai-converter-se-em-austeridade-nao-podem-estar-descansados-12055572.html

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