20 maio 2020

COSTA: ENCANTO E DESENCANTO


Era uma espécie de canto anunciado, um canto sem armas, que outros, entretanto iriam usar em sua defesa. Outros, em proveito próprio.
Desde os primeiros tempos, assim o penso, Costa haveria de revelar alguma intranquilidade, perante a maior parte das temáticas que envolvem aqueles que ao trabalhar, contribuem sempre um pouco mais, e mais, para a riqueza da minoria.

Nas situações concretas em que uma posição firme era necessária, acabaria sempre (ou quase sempre) por vacilar. Ou melhor, para se inclinar para o lado do mais forte. Senhor de uma oratória débil, Costa acabaria sempre por ser enrolar nas suas próprias contradições, sobretudo sempre que se trataram assuntos que exigiam posições claras e inequívocas.
Ancorado durante 4 anos por uma maioria parlamentar suficiente, embora enganadora, Costa beneficiaria sempre dos louros colhidos, pelas medidas que foram aliviando um pouco, a carga da ditadura da troika e do governo da Direita.

FOI SEMPRE ASSIM
O que lhe acabaria por granjear uma popularidade crescentemente positiva, que ia gerindo, nem sempre com a eficiência necessária, mas com alguma eficácia. 
Conseguiria levar a bom termo uma legislatura completa, com quatro orçamentos aprovados, sem sobressaltos dignos de registo. Nem sequer, na parte final, aquela atitude birrenta e chantagista para com os professores, iria abalar a tão propalada geringonça.
Durante a campanha eleitoral das legislativas, faria elogios mais ou menos convincentes à maioria parlamentar, jurando fidelidade a uma causa que nunca demonstrou verdadeiramente que era a sua causa.
Que não é, seguramente, a sua causa.
A esperada maioria absoluta acabaria por não acontecer. Apesar disso, viria a demonstrar alguma sagacidade, particularmente nos primeiros tempos do Governo, para conseguir aprovar o Orçamento de Estado.

HOJE, O COSTA QUE TEMOS
Costa é um epifenómeno, politicamente sustentado, por circunstâncias favoráveis, a nível interno e externo. 
Mais cedo ou mais tarde, haveria de se mostrar. Não sei se a verdadeira face, mas a face verdadeira de quem defende políticas públicas, com a ligeireza conhecida. Sem um programa, sem qualquer rumo visível. Apenas algum ruído, durante a crise pandémica, aparentemente contra as políticas desastrosas e até vergonhosas da dita “união europeia”. 
Mas, logo de seguida, elogia o presidente do eurogrupo, que bateu palmas às medidas escandalosamente enganadoras que o ordoliberalismo tinha (e tem) para “oferecer” aos povos oprimidos pelas suas arbitrariedades. 
Aliás, não deixa de ser curioso o bate-papo com Centeno, com os salamaleques costumeiros pelo meio, a propósito da injecção de capital no Novo Banco. Curioso sim, porque ambos pensam a “mesma coisa da coisa”. Apenas uns arrufos. O País sempre a pagar, ou melhor, sempre os “mesmos a pagar para os mesmos”.
Costa não tem propriamente um pensamento político estruturado.
Sabemos, entretanto, o que vai fazendo, “mesmo sem pensar”, quanto à continuidade das políticas rentistas, quanto ao seguidismo à dita “união europeia”, quanto às políticas de favorecimento das grandes empresas de energia e das telecomunicações, quanto à escandalosa vergonha dos baixos salários e das pensões de miséria, quanto à banca...

Não falamos, hoje e agora, da Saúde e do SNS, por respeito aos infectados. Por imenso respeito aos profissionais que lutam contra a pandemia. Por respeito a todos que corajosamente lutam contra as arbitrariedades de alguns empresários que se aproveitam da situação. Por respeito aos que perderam os seus empregos e que podem não os recuperar. Por respeito aos que perderam a vida.

Ao fim e ao cabo, Costa nem precisa de dizer qual, ou quais são, as suas propostas para todos aqueles sectores, como conviria (há que dizê-lo com frontalidade) a um Primeiro-Ministro.
E não precisa, simplesmente porque a sua prática é que conta. 
Mesmo aparentemente defendendo (cá está afinal a Saúde...) o SNS, como uma das conquistas de Abril, o não-investimento e a aceitação tácita da sua eventual desagregação, são a prova (prática) bastante.

UM SONHO (apenas, um sonho)
Que bem ficaria a Costa vir dizer que, ao invés de pagar ao fundo abutre que detêm o Novo Banco, o Governo PS iria estudar uma medida para compensar famílias e micro e pequenas empresas, por exemplo, aumentando desde já o Salário Mínimo (como eu detesto este termo...) para 800 euro.
Quem bem ficaria a Costa e aos seus Ministros afins, virem anunciar um plano de recuperação da economia nacional, para minimizar a dependência externa e não estar um País inteiro à espera que entrem mais uns milhares de turistas.
Que bem ficaria a Costa e ao seu Governo virem descansar os trabalhadores, aqueles que pagam impostos em Portugal, anunciar um orçamento rectificativo, dando incremento à produção e distribuição de bens alimentares de primeira necessidade, para minimizar as perdas daqueles que tudo perdem constantemente com as crises. 

CONTUDO, O QUE TEMOS É...
O episódio inacreditável do lançamento público de Marcelo, para o seu segundo mandato, é ao mesmo tempo, o encanto e o desencanto de Costa. 
Alguns dirão que foi uma falha, um lapso, uma escorregadela. Afinal o homem até já estará eleito, porque não apoiá-lo. Ele o disse, assim ou de outra forma. 
O encanto confunde-se então com o desencanto, misturando a aparente contradição, com a realidade de Costa, enquanto homem político.
Lembro Nietzsche, quando avisa “Se tendes, porém, um inimigo, não lhe devolveis bem por mal porque se sentiria humilhado: demonstrai-lhe, pelo contrário, que vos fez um bem” [i].
Costa é hoje (para mim, sem qualquer desencanto, sempre foi) a imagem da verdadeira aversão da social-democracia, pelas transformações sociais, que relevem a defesa da emancipação dos trabalhadores, do jugo do capital. Que estejam contra a dominação e o medo, que a corrente neo-liberal utiliza como arma de arremesso e contra a qual, é preciso tomar mesmo uma posição.
Não há nenhum encanto nisto. 
E, para quem se sentir desencantado, não deixa de ser uma autêntica lição política. 
Porque a aprendizagem sempre fez bem a quem pensa.




[i] “Assim Falava Zaratustra” (1885), Friedrich Nietzsche, I parte, pág. 75

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